A noite caiu rápida sobre Seul, tingindo o céu com um azul profundo, quase negro. Dentro do apartamento, a luz quente das lâmpadas não disfarçava a sensação de estranhamento que ainda pairava entre os dois. Era o tipo de silêncio carregado — não de constrangimento, mas de expectativa.
Lily largou a mala no quarto, arrumou rapidamente as roupas no armário e depois sentou-se na beira da cama, tentando processar tudo. O som da cidade era abafado pelas janelas, mas mesmo em silêncio, o apartamento vibrava. Talvez fosse a presença dele. Ou a dela.
Quando voltou à sala, Kai estava sentado no chão da sala, com as costas encostadas no sofá e o celular nas mãos. A luz azulada da tela iluminava os traços do seu rosto: as sobrancelhas levemente franzidas, o queixo quadrado, a boca entreaberta. Lily demorou um pouco mais do que gostaria observando-o.
Ele ergueu o olhar, como se sentisse os olhos dela sobre si. Sorriu de canto e ergueu o celular.
— Pizza? — perguntou, levantando uma sobrancelha.
Lily assentiu. Ele virou o celular para ela, mostrando as opções. Ela aproximou-se, apontou uma com frango, queijo e batata-doce. Kai fez um som de aprovação com a garganta, como se dissesse “boa escolha”.
Enquanto esperavam, ele colocou um disco para tocar em um aparelho de vinil antigo. A música era lenta, melódica, com uma guitarra arranhando notas em tom melancólico. Lily reconheceu a banda — uma das faixas mais obscuras de Chase Atlantic.
Ela foi até a cozinha, abriu um armário, pegou dois copos. Kai observava cada movimento com atenção quase devota, como se a estudasse em silêncio. Não era o olhar invasivo que ela tanto odiava. Era curioso. Cauteloso.
— Você sempre foi assim? — ele perguntou de repente. A voz era baixa, carregada de algo que Lily não soube decifrar.
Ela franziu a testa, inclinando a cabeça em um gesto que dizia: “Assim como?”
— Quietinha. — Ele sorriu de novo. — Feita de silêncio.
Ela deu de ombros. Depois apontou para o aparelho auditivo, depois para o coração. Fez um gesto como se as duas coisas estivessem ligadas.
Kai assentiu, sério agora. Havia uma honestidade nele quando ficava em silêncio que Lily começava a entender. Talvez fosse ali que eles se encontravam: no que não precisava ser dito.
A pizza chegou. Comeram sentados no chão, em frente à mesinha de centro. Ele evitava falar muito, como se não quisesse sobrecarregá-la. Lily agradecia por isso. Conversaram com gestos, olhares, expressões. Em algum momento, ele colocou um bloco de post-its entre os dois. Ela pegou um e escreveu:
“Essa música é sua?”
Kai olhou o papel, depois para ela. Passou a mão no queixo, pensativo, antes de responder em outro post-it:
“Sim. Mas escrevi antes de saber que você existia.”
O clima mudou.
Por alguns segundos, o silêncio pareceu mais denso do que antes. Lily sentiu o estômago revirar — não pela comida, mas pela presença dele. Era desconfortável sentir-se tão visível diante de alguém que ela mal conhecia.
Mas ele a via. E isso a assustava.
Depois de comer, ela se levantou e foi até a pia lavar os copos. Ele ficou parado na sala, observando-a de novo. Ela sentiu, sem precisar olhar. Estava ficando bom nisso — em sentir Kai sem precisar ouvi-lo.
Quando se cruzaram no corredor, ele fez um gesto para ela esperar. Pegou uma caneta preta e rabiscou algo num post-it, depois colou na porta do quarto dela.
“Se precisar de qualquer coisa… até mesmo silêncio, me chama.”
Ela sorriu sozinha, já com a porta quase fechada. E soube, naquele instante, que dormir sob o mesmo teto que Kai Park seria mais complicado do que esperava.
Porque ele não fazia barulho.
Ele invadia no silêncio.
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Atualizado até capítulo 32
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