O relógio batia 18h57, e Jana já estava ali, colada ao telefone, esperando a ligação de April.
Aníbal: Isso é ridículo!
Antônio: O quê está fazendo?
Jana: Esperando a ligação da fisioterapeuta.
Antônio: Fisioterapeuta? — Olhou pra Aníbal.
Aníbal: Eu só aceitei pra provar pra ela que isso não vai funcionar.
Jana: Xiiii, fiquem quietos! Já está quase dando 19h!
Aníbal: Como eu estava dizendo, isso é uma perda de dinheiro.
Aquela mulher, seja lá como se chama, parece jovenzinha demais.
Jana: Algo me diz que você vai engolir as suas palavras.
O telefone toca.
Jana: Xi, fiquem quietos!
📱Jana: Alô!? — Antônio correu pra perto do telefone pra escutar a conversa.
📱April: Olá, Dona Janaina, sou eu a April!
📱Jana: Olá, querida! Estava esperando pela sua ligação.
📱April: Liguei pra avisar que começamos amanhã de manhã. Quero observar a movimentação dele, os reflexos, e preparar um plano de trabalho.
📱Jana: Perfeito, a que horas?
📱April: 8h30 é um bom horário?
📱Jana: Sim, está ótimo.
Vou te passar o endereço, tem onde anotar?
📱April: Sim, pode falar!
📱Jana: ************
📱April: Perfeito, as 8h30 eu tô na porta da sua casa.
📱Jana: Obrigada, até amanhã!
📱April: Tchau!
Jana: Ela vem às 8h30.
Antônio: Que voz doce a dessa moça.
Aníbal: Isso é uma idiotice. — Sai da sala.
CASA DA APRIL
April: Algo me diz que eu vou entrar na toca do lobo.
Clara: April, a pequena mamou direitinho, chorou um pouco, mas já está mais calma. Tá no quarto com a sua mãe e a Susana.
April: Obrigada, Clarinha! Já pode ir se quiser.
Clara: Até amanhã!
April: Tchau. Vai com Deus.
Susana: April, sua mãe tá brincando com a Kally!
Tem que ver a cena é de aquecer o coração!
April: Imagino!
Susana: April, a tarde enquanto a sua mãe estava dormindo eu aproveitei pra fazer mais algumas pesquisas sobre o Alzheimer e descobri que estão fazendo um tratamento experimental na Europa.
April: Você diz como se a Europa fosse logo Alô na esquina, Susana! — Responde ironicamente.
Susana: Eu sei que não é, mas pensa!
Se esse tratamento funcionar lá fora, em breve ele chega aqui, podemos ter esperanças.
April: Susana, vamos ser honestas, se for o caso de funcionar, demoraria anos para chegar aqui e se chegar, custaria milhões e eu não tenho como pagar esse valor. — Suspirou.
Eu vou lá ver a minha mãe, até amanhã, Susi!
Susana: Até amanhã, mais tenha fé!
Vai dar tudo certo!
April: Vai! Se Deus quiser, vai!
Depois de liberar a Clara e Susana, April ficou sozinha com as duas: sua bebê e sua mãe. Duas gerações que dependiam dela e que, de formas diferentes, ela amava mais do que qualquer coisa.
Kally estava no tapete do quarto da avó saculejando os brinquedos,
Marisa estava de pé, mexendo em roupas antigas, com o olhar perdido. Ela se assusta ao ver April ali, em pé na porta.
Marisa: Quem é você? O que está fazendo aqui?
April sentiu o coração apertar. Respirou fundo.
April: Sou eu, mãe… sua filha, April.
A mulher a olhou com desconfiança, depois sorriu, e agiu como se dissesse algo bonito a uma estranha.
Marisa: Você tem os olhos da minha filha. Ela é bonita… Tão doce.
Como é o nome dela? — Se perguntou.
April apenas sorriu, com os olhos marejados. Colocou a mãe na cama e pegou a filha no colo. contou uma história que nenhuma das duas ouviram até o fim e foi para o quarto com a filha nos braços. Sentou-se na cama e a colocou no berço, ela se apoiou no mesmo e chorou em silêncio, como fazia quase todas as noites. Cansada. Triste. Mas resistindo.
April: Por que? — Sussurrou.
Por que eu tenho que passar por isso?
Por que a minha mãe? Por que? — Olha através da janela.
Em que momento ela começou a me esquecer?
...■Flashback ON■...
A luz amarela do fim de tarde entrava pela janela, aquecendo a cozinha pequena e simples, mas cheia de vida. Uma panela borbulhava no fogão, espalhando cheiro de manjericão fresco pelo ar.
April, chega do estágio com o jaleco nos braços, tira os sapatos perto da porta. Estava cansada, mas sorria ao ouvir a música suave que vinha do radinho velho no canto da pia.
April: Mãe, você tá ouvindo essa músicade novo?
Marisa: Essa música é pra dias bons. E hoje eu acordei feliz.
April foi até ela e a abraçou pelas costas, apertando os olhos, como quem queria guardar aquele momento numa caixinha.
April: Obrigada por estar comigo todos os dias!
Marisa pousou a colher e se virou para encará-la. Os cabelos presos num coque malfeito, os olhos brilhando.
Marisa: Sorte a minha, filha. Eu olho pra você e vejo um mundo que eu nunca tive. Uma mulher forte, que vai curar tanta gente por aí.
April desviou o olhar, meio encabulada.
April: Às vezes eu acho que não vou dar conta. Tem paciente que me olha como se não acreditasse em nada…
Marisa: Você só precisa fazer o que sempre fez: dar o seu melhor, mesmo quando ninguém tá olhando. E lembrar que, pra quem sente dor, um gesto de carinho cura mais do que remédio.
Elas se abraçaram ali mesmo, cheirando a tempero, a caderno velho, a casa.
April: Me promete que vai estar aqui quando eu me formar?
Marisa: Eu vou estar em cada aplauso, em cada lágrima, em cada canto do seu coração. Sempre.
O seu pai já não está aqui conosco em vida, mas está em nossos corações.
April: Você tem razão! Sempre que vou atender algum paciente e estou com medo, eu sinto um alívio e sei que é ele que está comigo.
A música no rádio aumentava levemente, e as duas começaram a dançar, ali mesmo na cozinha, como se o mundo não existisse fora dali.
...■FLASHBACK OFF■...
April: Filha... se um dia eu esquecer quem é você... você me lembra em! — Sorriu, vendo a pequena Kally respirar profundamente enquanto dormia.
...■...
O sol ainda era tímido quando April fechou a porta de casa, vestida com uma calça jeans escura, blusa branca e o jaleco dobrado em mãos. Antes de sair beijou a testa de Kally, ainda dormindo no berço, e deixou um bilhete para a babá, que chegaria dali a pouco. Em seguida, cumprimentou Susana, que cuidaria de Kally até Clara chegar e se despediu da sua mãe.
No caminho até o ponto de ônibus, guardou o papel com o endereço no bolso da frente da mochila.
Dois ônibus e quarenta minutos depois, ela chegou ao bairro nobre onde ficava a casa. Uma fachada elegante, portão de ferro, um jardim bem cuidado.
Ela apertou a campainha. Segundos depois, um segurança apareceu e anunciou sua chegada a Jana. Ela apareceu com um sorriso gentil, vestida de forma elegante.
CASA DE ANÍBAL
Jana: Bom dia, April! Fico feliz que tenha aceitado a minha proposta.
Entra, por favor.
April: Bom dia, senhora!
Com sua licença...
April entrou, observando o ambiente ao redor com discrição. A casa era silenciosa, mas aconchegante.
Jana a conduziu até uma sala com grandes janelas que davam para o jardim dos fundos. Ofereceu café, que April recusou educadamente.
Jana: Sente-se, querida.
O Aníbal ainda está no quarto. Mas achei que seria bom a gente conversar um pouco antes… sobre ele.
April: Acho importante. Principalmente por quê não costumo trabalhar em domicílio.
Jana hesitou, depois falou com voz mais baixa, como quem carrega peso demais.
Jana: Ele era… cheio de planos. Teimoso, sim, mas generoso. Depois do acidente… ele se perdeu. Se trancou nesse mundo de revolta e autopiedade. E... perdeu também a noiva. Eles iam se casar na semana seguinte.
April: Luto e dor são difíceis de superar... Mas a recuperação exige disposição. Ele tem alguma?
Jana: Nenhuma. Ele vai te provocar. Vai tentar te afastar. Mas não desiste fácil. Por favor.
April manteve os olhos nos dela, sem piscar.
April: Eu não fujo de paciente difícil, dona Jana. Mas eu não faço milagres. Só trabalho com quem quer caminhar comigo. E se ele não quiser, infelizmente eu não posso forçá-lo a nada.
Jana sorriu, emocionada, como se enxergasse pela primeira vez uma fresta de esperança.
Antes que pudesse responder, ouviram um barulho lento e pesado no corredor. A voz grave de Aníbal ecoou da entrada da sala. Puxando a cadeira.
April se levantou e se virou devagar, sem perder a postura. Quando os seus olhos encontraram os dele, sentiu exatamente o que Jana quis dizer com “vai tentar te afastar”. Mas ela não recuou.
April: Bom dia, Aníbal!
Aníbal: Você parece inexperiente demais pra pessoa que vai me levantar dessa cadeira.
April: Vou te provar que você está equivocado.
Você parece ser o tipo de paciente que pensa que perdeu tudo. Vamos ver se está mesmo certo.
April colocou alguns equipamentos básicos no chão e colchonetes. Jana observava de longe, mas logo se retirou, deixando apenas os dois.
Aníbal estava sentado na cadeira de rodas, braços cruzados, expressão entediada. April parou de frente para ele, segurando uma prancheta com anotações.
April: Vamos começar deixando uma coisa clara, Aníbal... meu trabalho não é te agradar. É te preparar físicamente para uma cirurgia complexa. E o que vamos fazer aqui, todos os dias, é trilhar esse caminho. Com ou sem sua boa vontade.
Aníbal: Olha só... determinada. E qual é o plano milagroso, doutora?
April: Milagres não fizeram parte da minha grade curricular acadêmica, embora eu acredite que funcionem.
Mas hoje, vamos usar somente fisiologia, paciência e consistência.
Você tem 35% de chance de voltar a andar. Isso significa que há esperança, mas exige esforço. Muito esforço. E esse esforço começa com uma rotina que vai te parecer inútil no começo.
Aníbal: E é.
April: Não é. Vamos começar com fortalecimento de tronco e membros superiores. Você precisa ter controle total do seu corpo acima da lesão. A cada movimento que recuperar, seu cérebro cria novas conexões.
Depois, passamos para a estimulação dos membros inferiores com eletroestimulação, alongamentos passivos e resistência progressiva. Aos poucos, vamos ensinar o seu corpo a lembrar.
Aníbal: Meu corpo já esqueceu.
Você vai perder tempo.
April: O único que perde tempo aqui é quem desiste antes de tentar.
Depois vem o mais importante: treinos de equilíbrio, marcha suspensa com suporte, barras paralelas. Se o corpo responder... se a medula tiver espaço... a cirurgia pode ser indicada. Mas só se você estiver forte o suficiente para aguentar o pós-operatório.
Aníbal: Isso é inútil.
April puxa um colchonete e o posiciona no chão.
Hoje vamos começar com os exercícios respiratórios e mobilização ativa do tronco. Pode continuar achando tudo inútil enquanto trabalha comigo. Mas vai trabalhar.
Aníbal: Você é bem mandona. — Diz irritado.
April: Obrigada. Levo isso como elogio.
Vamos lá, Aníbal. Sente-se na beirada da cadeira. Hoje começa o primeiro passo de um longo caminho.
Ele hesita... mas se move. Com dificuldade, mas se move. Ela observa sem comemorar. Era só o começo.
Jana mexia no chá quando o marido apareceu na cozinha. Ela estava com semblante esperançoso.
Antônio: Bom dia.
Jana: A fisioterapeuta. A April. Tem algo nela… Ela me lembra Hellen, sabia? Não no rosto. No jeito. Na forma como fala. Ela é doce mais é durona.
Antônio: Isso é bom?
Jana: Ela é determinada. Não se assusta com nada. Aníbal vai odiá-la no começo. Mas… ela pode fazer a diferença.
Antônio: Se ela conseguir quebrar o orgulho dele… talvez consiga mover as pernas também.
Bom, eu não vou me despedir do nosso filho pra não desconcentra-lo.
Aníbal: Feliz agora? — Diz contorcendo o rosto de desconforto.
April: Quase.
Quero a respiração diafragmática. Inspira pelo nariz… segura… solta pela boca. De novo.
Ele bufa. Faz de má vontade.
April: Você pode continuar sendo difícil ou pode me ajudar a te ajudar.
Garanto que se você tiver boa vontade, terminamos mais rápido e você não vê a minha cara pelo resto do dia.
Aníbal: Tem uma opção C?
April: Tem. Cirurgia com risco altíssimo de dar errado porque você não aguentou nem o pré-operatório.
Ele a encara. Os olhos dele têm algo entre ódio e cansaço. Mas respira fundo. E faz de novo.
April: Melhorou. Agora, movimentos laterais de tronco. Para um lado... segura... volta pro centro... outro lado...
Aníbal se inclina com dificuldade. Um gemido escapa. Ela o segura com firmeza, sem pena.
April: Eu estou aqui. Mas você vai ter que se jogar no desconforto.
Aníbal: Você fala como se soubesse o que é perder tudo.
April não responde. Endurece o olhar.
April: Só mais duas repetições.
A sessão continua com alongamentos passivos dos membros inferiores, April manuseando as pernas dele com delicadeza técnica, enquanto explica o porquê de cada movimento. Aníbal desvia o olhar para o teto.
Aníbal: Isso aqui é humilhante.
April: Não. Isso aqui é coragem. Humilhante seria desistir.
Ele engole em seco. Não responde. Depois de quase uma hora, ela anota os dados na prancheta.
April: Por hoje é só.
Amanhã, vamos avançar mais.
Aníbal: Você vai voltar?
April: Todos os dias. Até você se colocar de pé.
Ela se levanta, pega as suas coisas e o coloca de novo na cadeira.
April: Até amanhã, Aníbal!
Jana: Já vai, querida...
April: Sim, dona Jana!
Mas amanhã tem mais.
Não vou forçá-lo tanto, esse processo tem que ser lento ao menos no início.
Jana: E o que achou, Aníbal?
Aníbal: Odiei! — Sai com a cadeira.
Jana: Desculpe por isso!
April: Não se preocupe, eu estou acostumada, isso sempre acontece no início.
Amanhã eu volto no mesmo horário.
Jana: Tá bom, querida.
Eu já avisei o segurança pra deixar você entrar direto.
April: Perfeito, até amanhã, dona Jana!
Jana: Adeus!
CASA DE APRIL
A porta se abre. April entra devagar, sem fazer alvoroço.
Clara: Oi, April! Voltou cedo.
April: Voltei, Clarinha.
E a Kally?
Clara: Tá no berço, vim cortar umas frutinhas pra ela.
April: Perfeito, dá pra ela e depois pode ir. Não tenho mais nenhum trabalho hoje.
Clara: Sério?
April: Sim, vou aproveitar o dia inteiro com a minha pequena e com a minha mãe.
Clara: Eu vou lá cortar as frutas então e vou deixar alguns lanchinho separados pra você dar a ela durante a tarde.
April: Obrigada, meu anjo.
Susana: E aí, April?
April: Susi, eu quero sair com a minha mãe a bebê, você pode arrumar ela por favor?
Susana: Ela acabou de tomar banho, eu tava indo justamente pegar o pente lá no banheiro.
April: Eu vou vê-la, rapidinho.
Susana: Claro, vai lá.
Ela entra com cuidado. Marisa está sentada na poltrona, olhando pela janela, perdida.
April: Oi, mãe. Voltei.
Marisa vira-se devagar, o olhar vago.
Marisa: Você é uma das enfermeiras? Pode me trazer um copo d’água?
April congela por um segundo. Engole seco.
April: Sim. Já trago pra senhora.
Ela sai do quarto. Na cozinha, serve a água com mãos trêmulas. Respira fundo, enxuga uma lágrima antes que caia. Volta sorrindo.
April: Aqui está.
Ela pega o copo com delicadeza.
Marisa: Você parece uma moça boa. Tem filhos?
April força um sorriso.
April: Tenho sim. Uma menininha.
Marisa: Então você sabe… o quanto a gente ama. Mesmo quando não lembra mais direito.
April se emociona, fecha os olhos por um instante. Em seguida, se aproxima, beija a testa da mãe.
April: Vamos passear?
Marisa: Eu gosto de sair e comer na rua, aquelas comidas gostosas e bem feitas.
April: Ok, então vamos fazer isso!
Ainda tá cedo pra gente almoçar, mas vamos dar uma volta e depois vamos a onde você quiser.
Susana: Achei o pente!
April: Deixa ela mais linda do que ela já é, Susana.
Susana: Assim vai ser!
NO PARQUE
As árvores balançavam preguiçosas com o vento ameno. O céu estava pintado de rosa e laranja.
April empurrava devagar o carrinho de Kally por uma calçada ladeada por flores. Ao lado, Susana estava de mão dadas a Marisa, que vestia um suéter lilás e um lenço no pescoço.
Kally balbuciava sons doces e dava gritinhos suaves, batendo os pés no ar. April olhava a filha e sorria com ternura, depois voltava os olhos para a mãe, que observava as árvores como se as estivesse vendo pela primeira vez.
April: Olha só, mãe… lembra desse parque? Você me trazia aqui depois da escola, com pão de queijo na bolsa e uma garrafa pet suco de pacotinho.
Marisa não respondeu. Seu olhar estava preso ao horizonte, calmo, mas distante.
Susana: Ela parece mais tranquila quando está na rua. Acho que o vento ajuda… ou talvez seja o cheiro de natureza.
April: Quando ela ficava muito estressada, eu a arrastava pra fora de casa. Ela fingia que odiava, mas voltava sorrindo.
Kally deu um gritinho mais alto, e Marisa se virou.
Marisa: Essa menininha… parece alguém…
April: Parece comigo, mãe.
Ela é a Kally. Sua neta.
Marisa franziu um pouco a testa, como quem tentava escavar lembranças escondidas.
Marisa: Kally…
Seu avô ficaria tão feliz em te conhecer, minha menina bonita.
Ele adorava crianças, queria ter muitos filhos, mas eu tive complicações no parto da sua mãe...
Quase morremos, mas Deus foi tão bom que nos salvou, a sua mãe a mim.
Devido às complicações eu fiquei impossibilitada de dar outros filhos ao seu avô, mas nos não nos importavamos, porque Deus nos deu a sua mãe e ela é a melhor filha do universo e sei que assim como ela foi uma boa filha pra mim, você também será uma boa filha pra ela.
April: Mamãe...
Marisa: Eu te amo, filha! Mesmo que as vezes eu caia no esquecimento e em alguns momentos não me lembre de você, eu te amo.
April: Eu te amo mais! — A abraça por alguns minutos enquanto as lágrimas rolam.
Marisa: Por que você está me abraçando? — Pergunta confusa.
E quem é você?
April: Eu sou a April, estamos caminhando no parque antes de almoçar. — Sorri secando as lágrimas.
Ela assentiu com a cabeça, voltou a dar as mãos pra Susana e continuou observando o parque.
April: Essas palavras...
Eu nunca vou esquecer essas palavras!
Susana: Mesmo que dure pouco… ela se lembra de você e tem consciência de que está doente.
April: Lembrança dela é um milagre pra mim.
Caminharam mais alguns metros.
Susana: Sabe, April… eu não digo isso como sua funcionária, mas como mulher. Você é uma rocha. Cuida da sua mãe, da sua filha, dos pacientes… E ainda sorri.
April abaixou o olhar, com a voz mais baixa.
April: Eu sorrio porque, se eu parar pra chorar, talvez não consiga voltar.
Susana não respondeu, apenas estendeu a mão e a segurou com firmeza por alguns segundos.
April: Mas hoje… hoje eu tô feliz. Só de ver as duas aqui, nesse céu bonito… já valeu tudo.
E naquele instante, com o som dos pássaros ao fundo, Kally deu uma gargalhadinha pura, e Marisa voltou os olhos pra ela outra vez.
April apertou os olhos para não chorar.
Porque mesmo sem palavras, aquilo era amor. E ela sabia reconhecer o amor, mesmo nos fragmentos. Elas chegaram ao restaurante. Era um lugar simples, com mesinhas de madeira, toalhas floridas e cheiro de comida caseira no ar. Um lugar pequeno, quase escondido numa rua calma do bairro. Um daqueles lugares onde os donos sabem o nome dos clientes e o arroz vem sempre fresquinho.
April ajeitou o carrinho de kally ao lado da mesa, enquanto Susana ajudava Marisa. Uma garçonete simpática veio até elas com um sorriso caloroso.
Garçonete: Olá, April! Hoje temos frango assado com quiabo e a farofa que sua mãe sempre pedia. Querem?
April: Pode trazer. E um suco de acerola pra mim. E você, Susana?
Susana: Eu vou querer o mesmo. Por favor.
April se sentou entre a mãe e a filha. Olhou para Marisa, que alisava a toalha como se estivesse sentindo a textura pela primeira vez.
April: Mãe, lembra desse lugar? Você adorava a farofa de banana daqui.
Marisa: Eu gosto de farofa!
April sorriu. Kally balbuciava sons e batia nas bordas do carrinho com as mãozinhas, querendo atenção.
April: Alguém tá com fome também, né, pequena? — Pegou a bolsa dela.
Olha, a Clara preparou um almoço delicioso pra você!
Susana: Quer que eu peça alguém pra esquentar.
April: Pode ser, obrigada.
Enquanto Susana ia até o balcão com o potinho da bebê, April se inclinou sobre a mesa e passou os dedos pela mão da mãe.
April: Hoje foi um bom dia, né? Só nós três… como sempre foi.
Marisa olhou pra ela e, por um breve instante, seus olhos pareceram se fixar. Não disse nada. Apenas sorriu com doçura.
As lágrimas de April quase vieram, mas ela respirou fundo. A vida era assim agora: feita de segundos de pequenas vitórias.
Susana voltou com a comidinha de Kally.
Susana: Você ama aviões, né, baby?
Então olha o aviãozinho.
Kally abriu a boca e comeu com vontade a comida feita por Clara.
April: Quer que eu dou pra ela?
Susana: Não se preocupe, eu amo ajudar a Clara a alimentá-la.
A garçonete chegou com os pratos fumegantes.
Garçonete: Aqui está. E, dona Marisa, o cozinheiro mandou um beijo. Disse que sente falta da senhora rindo alto no balcão.
Marisa: Eu ria alto? — Perguntou com um brilho nos olhos.
April: Ria. E ria muito!
Elas começaram a comer juntas, entre conversas leves, risos suaves e o barulho dos talheres. Por uma hora, não havia doença, nem passado, nem dor. Só havia comida quente, carinho silencioso e quatro mulheres felizes almoçando juntas. No fim, April pagou a conta e foram saindo.
April: Susi, eu vou precisar ir na clínica, quero conversar com o Doug.
Você pode ir pra casa com a minha mãe, eu vou levar a Kally comigo e quando eu voltar você pode ir pra casa. Não tenho mais trabalhos hoje.
Minha dedicação vai ser 100% voltada ao meu novo paciente.
Susana: Certo, te esperamos em casa.
April: Tchau!
April pediu um carro de aplicativo e enquanto esperava, começou a fechar o carrinho da filha. O carro chegou e a ajudou a se acomodar com a neném e o carrinho.
... ■...
NA CLÍNICA
O sol da tarde atravessa as persianas da sala de Doug, criando listras de luz sobre a mesa de madeira clara. April bate na porta. Ele levanta os olhos da papelada.
Doug: Você voltou viva, pelo menos.
Isso já é um sinal.
Oi, Kally! Veio acompanhar sua mãe? — A pegou no colo a abraçou com carinho.
April: Quando ele se aproxima, a energia daquela casa se torna como a de um campo minado. Ele vai ser… um completo desafio.
Ela se joga na cadeira em frente à mesa. Doug sorri com o canto da boca, já imaginando o que viria.
Doug: De 0 a 10, o nível de antipatia?
April: Uns 12.
E olha que estou sendo generosa.
Doug: Foi grosso?
April: Grosso, irônico, amargo… Ele olha pra mim como se eu fosse só mais uma idiota otimista querendo salvar o mundo. Mas…
Doug: Mas?
April: Eu vi nos olhos dele. Ele tá perdido. Ele não acredita mais em nada, nem em si mesmo. É como trabalhar com um homem que já se declarou morto por dentro.
Doug: E mesmo assim, você quer seguir?
April: Eu preciso seguir. Dei a minha palavra a mãe dele. E se tem uma coisa que a vida me ensinou... é que quando alguém está na beira do abismo, o que salva não é pena. É persistência.
Doug: Você vai mudar a vida dele, April.
April: Ou ele vai me enlouquecer.
Doug: Tá vendo, Kally, a sua mãe não confia nela mesma, mas você é eu estamos aqui pra provar a ela que ela está errada.
Kally gargalha.
April: Eu vou tentar. De verdade.
Doug: Então vá. Faça o que você sabe. E se ele tentar derrubar, você se levanta e o ajude a se levantar também. Como sempre fez.
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Comments
MARIA RITA ARAUJO
estória maravilhosa com assuntos que acontecem na vida real muito mais do que imaginamos
2025-08-02
5
Arminda Celebrini
APRIL JA LIGOU FALANDO PRO QUE VAI FAZER . SHOW 👏👏👏👏👏👏 SUPER DESIDIDA
2025-08-13
1
Eliana Soares
nossa autora, esse capítulo foi muito lindo e emocionante demais parabéns pelo trabalho
2025-09-06
0