Capítulo 5 – O Peso da Aprovação
O som do martelo batendo na madeira recomeçou ao amanhecer. A vila de Elmridge, apesar do clima tenso deixado pela visita da comitiva, seguia com a reconstrução como quem insiste em sorrir mesmo com o coração partido. Para muitos, os visitantes de Londres eram apenas sombras passageiras. Mas para Charles e Amélia, os rastros deixados por Lady Clarissa Vane ainda estavam vivos — e latejavam como ferida mal cicatrizada.
Charles caminhava pelos fundos da escola, revisando as estruturas recém-reforçadas. Carregava consigo uma prancheta com anotações, mas a mente estava em outro lugar. Mais precisamente, na noite anterior. Na visita inesperada. E na pergunta que Clarissa lançara ao vento como veneno: “Vai colocar o nome Ashcombe ao lado do dela?”
A pergunta ecoava com mais força do que ele gostaria de admitir.
Ao virar a esquina, encontrou Amélia organizando livros doados. Seus olhos ergueram-se para ele, mas não havia o calor de sempre neles. Havia distância.
— Posso ajudar? — ele perguntou.
— Não. Obrigada. Terminei aqui.
— Amélia…
— O que ela veio fazer aqui de verdade, Charles?
Ele respirou fundo.
— Clarissa está aqui como representante da Comissão. Foi enviada pelo Parlamento.
— E à sua casa ontem à noite? Também foi uma missão oficial?
Ele hesitou, então respondeu:
— Foi uma visita inesperada. Eu a recebi por educação.
— Receber… ou conversar?
— Conversar. Discutimos o projeto. Ela tentou me convencer a adaptar os planos para algo mais… chamativo. Mais político. Recusei.
Amélia cruzou os braços.
— E ela foi embora tranquila, imagino.
— Amélia, nada aconteceu entre nós. Nem vai acontecer. Clarissa é parte de um mundo ao qual não desejo mais pertencer.
Ela o encarou por um longo instante.
— E o que deseja construir aqui, Charles? Uma vila? Um monumento? Ou algo que envolva... nós?
Ele deu um passo à frente.
— Eu quero construir tudo isso. Mas com você.
— Então não me esconda mais nada. Nem verdades, nem intenções.
— Nunca foi minha intenção esconder.
Ela soltou o ar devagar, como quem libera um medo antigo.
— Elmridge já teve promessas demais, Charles. Eu quero verdades.
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Naquela tarde, a comitiva reuniu-se com os líderes da vila no salão improvisado da antiga estalagem. Lady Clarissa sentou-se à cabeceira da mesa, cercada pelos representantes londrinos e por rostos desconfiados de Elmridge.
— O progresso da reconstrução é notável, devo admitir — disse Clarissa. — Mas ainda há questões importantes quanto à estrutura legal da administração local.
Peter Lambert, sempre cético, ergueu a mão.
— A vila tem funcionado graças aos esforços de senhor Ashcombe e da senhorita Lambert. Se a comissão veio atrasada, não é nossa culpa.
Clarissa lançou um sorriso contido.
— Senhor Lambert, não questiono o esforço. Mas estruturas administrativas precisam de legitimidade. E, convenhamos, uma diretora de escola não é exatamente uma administradora pública.
Amélia manteve-se firme, mas seus dedos apertaram o braço da cadeira.
— Quando o governo abandonou Elmridge, fui eu quem manteve as crianças alimentadas, as mães acolhidas, os doentes cuidados. Talvez eu não tenha um título, Lady Clarissa, mas tenho a confiança deste povo.
Um murmúrio de aprovação percorreu os moradores presentes.
Clarissa franziu os lábios, mas antes que pudesse rebater, Charles interveio:
— A senhora está preocupada com legitimidade? Então saibam que, enquanto eu for responsável por esta obra, Amélia Lambert terá autoridade total sobre qualquer decisão que envolva a vila. E, se isso for um problema, podem devolver o financiamento e levem consigo suas dúvidas.
O silêncio foi absoluto.
Clarissa recostou-se, um brilho gélido nos olhos.
— Muito bem. A comissão deliberará.
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Ao saírem da reunião, Charles e Amélia caminharam lado a lado em direção à praça. O céu já tingia tons dourados, e as vozes dos trabalhadores ecoavam ao longe.
— Você foi firme lá dentro — disse ela.
— Porque não há mais espaço para meias-palavras, Amélia.
Ela olhou para ele com mais suavidade agora.
— Sabe que vai pagar um preço por isso, não sabe?
— Já paguei. Minha reputação em Londres. Meus contatos. Talvez até o financiamento.
— Então por que fez?
Ele parou e a encarou.
— Porque entre salvar Elmridge ou agradar Londres… eu escolho Elmridge.
Ela parou também. O sol poente refletia no rosto dela, e havia algo de mais suave em sua expressão. Um traço de ternura misturado à incredulidade.
— E entre Elmridge… e eu?
Charles não hesitou.
— Escolho você.
Amélia se aproximou um passo, a respiração presa.
— Então escolha me conhecer por inteiro. Até o que não é fácil.
— Já comecei.
Ela tocou, com leveza, a ponta dos dedos na manga da camisa dele.
— Amanhã quero lhe mostrar algo. Um lugar que ninguém mais visita.
— Estarei lá.
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Na manhã seguinte, Amélia guiou Charles por um bosque ao norte da vila. Caminharam por uma trilha estreita, entre arbustos e árvores antigas, até chegarem a um pequeno lago escondido. À margem, havia uma pedra com inscrições desgastadas e uma cruz de ferro enferrujada fincada no solo.
— Meu refúgio, desde menina — disse ela, parando ao lado da cruz. — Aqui está enterrada minha mãe. Sem nome na lápide. Sem missa. Só o silêncio da floresta.
Charles se ajoelhou diante da cruz.
— Ela foi criada na casa do visconde?
— Era criada. E ele… era o dono de tudo. Inclusive dela.
— Sinto muito.
— Eu também. Por ela. Por mim. Mas aqui… eu converso com ela. E peço conselhos. Mesmo sem ouvir resposta.
Charles se levantou e segurou sua mão.
— Ela deixou algo valioso ao mundo: você.
Amélia deixou que a emoção transparecesse por um breve instante. Depois, respirou fundo.
— Agora você sabe. Quem eu sou. De onde vim. E por que nunca poderei fazer parte daquele outro mundo.
— Talvez o outro mundo precise de mais pessoas como você. Ou talvez devêssemos construir um novo.
Ela sorriu, pela primeira vez em dias, e encostou a cabeça no ombro dele.
— Esse lago… você deveria incluí-lo no mapa de Elmridge.
— Já incluí. A partir de agora, é o coração do vilarejo. E de algo mais.
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Enquanto deixavam o bosque, um mensageiro os esperava com um bilhete nas mãos.
Era o veredito da comissão.
> “Após avaliação do progresso e da estrutura administrativa, a Comissão de Filantropia e Reconstrução aprova a continuação do projeto de Elmridge.
A vila receberá novo financiamento e será incluída nos registros oficiais da coroa como modelo de desenvolvimento comunitário.
Ressalva: a supervisão permanente de um nobre será requerida.”
Charles fechou o bilhete com calma.
— Um de nós terá que permanecer aqui em nome da coroa.
Amélia sorriu, serena.
— Eu não vou a lugar algum.
Ele também.
— Nem eu.
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Atualizado até capítulo 31
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