Capítulo 2 – O Primeiro Dia de Trabalho
A manhã seguinte trouxe consigo uma neblina suave que se espalhava pelas colinas e pelas ruínas de Elmridge, tornando a vila ainda mais silenciosa e imponente. Charles Ashcombe, com as mãos firmes na prancheta e uma medida na outra, observava os trabalhadores que começavam a se reunir na praça central. Alguns eram homens com semblantes endurecidos pelo tempo, outros, crianças mais velhas, que se arrastavam sob o peso de um dia de trabalho.
Amélia Lambert estava na frente, orientando com destreza as tarefas do dia. Ela não usava luvas, e seus dedos estavam manchados de terra e madeira. Seus olhos estavam atentos a cada movimento, e a voz não passava de um comando baixo, mas firme.
— Os mais novos ficarão com as escoras da praça — dizia ela, com calma. — O resto, com a reconstrução das casas.
Charles, que a observava de longe, notou a confiança que ela tinha sobre aqueles a quem liderava. Havia algo nos seus olhos que nunca vira em outras mulheres: não apenas uma autoridade, mas uma generosidade silenciosa que parecia envolver todos ao seu redor.
Ele se aproximou lentamente, sentindo os olhares dos trabalhadores sobre ele. Alguns com apreensão, outros com curiosidade. Finalmente, Amélia percebeu sua presença e lhe dirigiu um olhar.
— O senhor está pronto para começar, senhor Ashcombe?
— Mais do que pronto. Tenho o projeto delineado. Vou precisar que as casas mais próximas da praça sejam limpas primeiro. Vamos começar pelo centro, em seguida, avançamos para as moradias mais afastadas.
Amélia assentiu, mas antes que ela pudesse responder, um menino pequeno, com as bochechas sujas de poeira, correu até eles com um pedaço de madeira em mãos.
— Senhor Ashcombe, senhor Ashcombe! Tem algo na praça que o senhor precisa ver.
Charles olhou para o menino, ainda confuso, mas seguiu-o. Amélia, com um olhar que parecia ter lido sua dúvida, seguiu logo atrás.
A praça central de Elmridge não tinha mais a imponência que um dia tivera. As ruínas de pedras e madeira queimadas formavam uma paisagem desoladora, mas no meio disso tudo, algo chamou a atenção de Charles. Um pedaço de mármore, erguido entre os escombros, havia sido meticulosamente limpo.
— Um monumento? — Charles perguntou, inclinando-se para examinar a pedra.
— Não. Era um pedestal. No tempo de meus pais, ele carregava uma estátua da Senhora da Misericórdia — explicou Amélia, seu tom suave contrastando com a dureza do cenário.
— E o que aconteceu com ela?
Amélia hesitou por um instante. O vento suave balançava os cabelos dela, e seus olhos se perderam por um momento, como se ela tivesse recuado no tempo.
— O incêndio destruiu tudo. Mas a estátua representava o espírito da vila. A Misericórdia, como diziam, não era apenas uma mulher em pedra, mas o coração da nossa gente.
Charles olhou para o pedestal com um novo entendimento. Ele imaginou o que aquela estátua teria representado, a figura que, em tempos mais felizes, teria erguido a comunidade ao redor de si. Um símbolo de união, agora perdido nas cinzas.
— Eu irei reconstruí-la. Podemos reerguer o pedestal, e, quem sabe, até uma nova estátua — disse ele, com uma confiança que se firmava à medida que entendia o valor emocional do lugar.
Amélia o observou com os olhos estreitos, como se o estivesse testando, sondando suas intenções.
— Está disposto a investir tanto nisso? Uma estátua que, a princípio, pode ser vista como uma perda de tempo para alguns?
— Acredito que a arquitetura deve servir à memória das pessoas. A estátua representava mais do que pedra e mármore; ela representava o espírito de uma comunidade. Eu não consigo imaginar uma reconstrução sem ela. Quem vive em um lugar precisa sentir que algo mais que tijolos os sustenta.
Ela ficou em silêncio, aparentemente pensativa, antes de finalmente dizer:
— Concordo. Talvez o senhor tenha razão. Vou reunir o conselho para discutir isso. Pode parecer uma pequena coisa para o senhor, mas para nós, representa muito.
Charles assentiu, observando enquanto o menino se afastava com as mãos vazias, agora com o peso da tarefa concluída.
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Os dias seguintes foram marcados por um ritmo constante e cansativo de trabalho. Charles e Amélia começaram a trabalhar juntos mais estreitamente, decidindo quais ruas reconstruir primeiro, onde seriam erguidas as novas casas, e quais materiais poderiam ser reaproveitados dos escombros. A vila ainda estava distante daquilo que um dia fora, mas a cada passo dado, sentia-se uma promessa no ar. A reconstrução começava a acontecer de maneira mais sólida, mas havia algo mais acontecendo entre eles — algo que se estendia além das discussões sobre madeira e tijolos.
Ao final do quinto dia de trabalho, Charles já havia reunido um esboço completo para a nova praça. O projeto estava em seus olhos, em sua mente, mas também no coração. Ele sabia que o verdadeiro desafio estava por vir, mas, ao olhar para a praça que estava tomando forma, ele sentia que ali, em Elmridge, estava plantando algo mais do que um simples edifício ou estrutura. Ele estava semeando uma nova esperança.
— O senhor tem planos para mais algo, além da reconstrução da praça? — Amélia perguntou ao lado dele, enquanto observavam os homens erguendo os primeiros pilares do novo mercado da vila.
Charles a olhou de soslaio, seus olhos encontrando os dela com um sorriso discreto.
— Sim. Quero construir algo que possa ser útil a todos. Uma nova biblioteca, um centro para as artes e ciências. Uma biblioteca aberta para todos.
Amélia ergueu uma sobrancelha.
— Uma biblioteca?
— Sim. A educação deve estar disponível para todos, não apenas para quem pode pagar por ela.
Ela parecia surpresa, mas também impressionada.
— E o senhor acha que o povo de Elmridge se interessaria por algo assim? Muitos de nós mal sabem ler.
Charles olhou para o céu, onde o sol começava a se pôr, tingindo o horizonte de laranja.
— Eu acredito que, se for dado a eles o valor da educação, aprenderão a amar o saber. Mais do que isso, aprenderão a se empoderar. Isso pode ser a verdadeira reconstrução de Elmridge.
Amélia permaneceu em silêncio por um longo momento. Algo em suas palavras parecia ter tocado um ponto profundo nela, algo que ela não estava disposta a admitir ainda.
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Naquela noite, depois de mais um dia longo de trabalho, Charles e Amélia estavam na tenda improvisada, cercados por mapas e planos, quando ele fez uma pausa. Ela estava observando os papéis com a mesma dedicação imperturbável de sempre, mas seus olhos pareciam perdidos em outro lugar. Quando ele falou, sua voz soou baixa, mas firme.
— O senhor acha que a reconstrução de Elmridge vai mudar tudo? — perguntou ela, quase sem olhar para ele.
— Não. Acho que a reconstrução vai mostrar a todos o que sempre foi possível. Basta acreditar naquilo que pode ser.
Amélia o encarou por um instante. Algo no tom dele, naquela certeza, a fez pensar.
— Talvez o senhor tenha razão. Talvez seja isso que Elmridge precise. Não apenas reconstrução, mas renovação.
O silêncio se fez entre os dois. Charles sabia que a jornada de Elmridge estava apenas começando. Mas algo dizia a ele que a verdadeira transformação estava apenas começando a se revelar — e que ele e Amélia estavam no coração dessa mudança.
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Atualizado até capítulo 31
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