Capítulo 2

 Vozes na Parede

A escuridão do quarto parecia se mover, como se respirasse junto comigo. A boneca ainda sorria, imóvel no canto, mas seus olhos pareciam mais vivos do que antes. Tentei acalmar minha respiração, focando em encontrar uma saída lógica. Era só uma casa velha, eu dizia para mim mesma. Só uma casa...

Mas então vieram as vozes.

Primeiro, sussurros. Depois, palavras inteiras, saindo de todos os cantos ao mesmo tempo. Não era um idioma que eu conhecia. Era gutural, abafado, como se falado por bocas cobertas de terra. A parede atrás da cama começou a vibrar, como se algo batesse por dentro dela.

Tomei coragem e me aproximei. Os sons estavam mais fortes ali — e foi quando percebi: as batidas vinham do interior da parede. Três pancadas seguidas, depois silêncio. Três pancadas de novo. Um padrão. Alguém, ou algo, estava tentando se comunicar.

Passei a mão sobre a parede e senti uma área oca. Um esconderijo.

Olhei ao redor e encontrei uma lanterna velha numa prateleira. A luz era fraca, mas suficiente. Usei uma chave de fenda enferrujada, encontrada numa gaveta, para forçar as tábuas soltas. Com esforço, retirei um pedaço da parede — e o que vi me fez recuar com o estômago embrulhado.

Dentro havia um pequeno compartimento, como uma espécie de altar escondido. Havia retratos queimados, ossos pequenos envoltos em tecido sujo, e uma carta dobrada cuidadosamente entre eles. Peguei o papel com mãos trêmulas.

A carta dizia:

“Ela pediu ajuda. Nós negamos. Agora ela fala por dentro da casa. Não a deixem sair.”

Antes que eu pudesse absorver o que aquilo significava, ouvi novamente o barulho — não mais da parede, mas do teto. Passos. Lentos, arrastados. Alguém — ou algo — andava pelo sótão.

Tranquei o quarto novamente por reflexo. Não havia lógica ali, apenas medo. O tipo de medo que não vem do escuro, mas do que está escondido dentro dele.

Liguei o gravador do meu celular. Se eu não saísse dali, ao menos alguém ouviria o que aconteceu. As vozes voltaram, agora dizendo palavras em português. Palavras claras, roucas, vindas de todas as direções:

— "Ela chorou até o último suspiro."

— "Eles a trancaram aqui..."

— "Ela ainda sente raiva."

A boneca caiu do canto da parede e quebrou-se no chão. De dentro dela, algo escuro escorreu — não era sangue, nem tinta. Era denso, pastoso, como lama antiga. E junto disso, um sussurro final, frio como gelo:

— "Você está perto demais da verdade."

As luzes piscaram e, por um segundo, vi um vulto ao meu lado no reflexo da janela. Alto, magro, de olhos brancos e pele acinzentada.

Quando a luz voltou, ele havia sumido. Mas o quarto agora estava diferente: os símbolos nas paredes brilhavam em vermelho fraco, e a janela, antes trancada, agora estava aberta.

O vento frio entrou com força. E junto dele… um choro. Baixo, infantil.

A casa estava viva.

Tentei respirar fundo, mas o ar parecia mais pesado a cada segundo. O choro continuava, e agora vinha de dentro do quarto — de algum lugar atrás de mim. Virei devagar, os pelos do meu corpo arrepiados como se um campo elétrico passasse ao meu redor.

Ali, no canto oposto ao que estava a boneca, havia uma criança. Uma menina, pálida como cera, de vestido branco sujo e cabelos grudados no rosto. Estava agachada, chorando baixinho, com o rosto enterrado nos joelhos.

Meu instinto foi falar com ela, como se fosse apenas uma criança assustada.

— Oi… está tudo bem? — minha voz saiu fraca, quase falhando.

Ela ergueu o rosto devagar.

Não tinha olhos. Apenas buracos escuros, fundos, como se tivessem sido arrancados. A boca, porém, era desproporcionalmente larga, e um sorriso impossível começou a se formar nela, mesmo com as lágrimas escorrendo.

— Eles me deixaram aqui... — ela disse, com uma voz que não combinava com sua aparência. Era rouca, madura, quase demoníaca.

Recuei imediatamente, batendo nas prateleiras e derrubando objetos pelo chão. Ela se levantou devagar, e seu corpo parecia flutuar, os pés não tocavam o chão. Cada passo ecoava como um lamento distante.

— Você também vai ficar... pra sempre... — ela sussurrou, e então tudo ficou escuro de novo.

Um vento violento invadiu o quarto. A janela se escancarou e a porta foi arrancada das dobradiças, voando para fora como se a casa estivesse em fúria. Livros se abriram sozinhos, as paredes tremiam, e os símbolos começaram a escorrer como sangue derretido.

Eu corri. Pela escada, tropeçando, caindo em parte dos degraus. Senti algo agarrar meu tornozelo — dedos finos e gelados. Me debati, chutei, até que consegui me soltar e me arrastar até o andar de baixo.

A porta da frente estava aberta. Mas o mundo lá fora parecia... diferente. O céu, agora completamente negro, girava em círculos como um redemoinho. A grama estava cinza. As árvores, secas como cadáveres. Era como se eu não estivesse mais no mesmo lugar.

Gritei.

Nada respondeu.

Meu corpo tremia, meus olhos marejavam de puro terror. E então, na parede da sala, vi algo que não estava lá antes: uma foto. Emoldurada. Com meu rosto.

Eu, parada em frente à casa, sorrindo. Mas eu nunca tirei aquela foto.

E no canto da imagem, escrito com algo que parecia carvão:

“Toda casa precisa de alguém que conte sua história.”

Ali, entendi. A casa não apenas aprisionava almas. Ela as substituía. Alimentava-se de memórias, de nomes, de rostos. E agora, talvez, estivesse me escrevendo dentro dela.

Talvez eu não estivesse mais viva. Ou talvez estivesse me tornando... parte da casa.

A verdade era simples, cruel e inevitável:

Eu entrei buscando uma história.

E agora… eu era a história.

E eu não estava mais sozinha.

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