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Capítulo 5 — Pequenas Distâncias
Na manhã seguinte, Rafael acordou mais cedo do que precisava. O celular marcava 5h47. Não havia despertador, nem sonho ruim. Apenas aquela ansiedade estranha, como se o corpo soubesse que algo invisível havia se movido durante a noite.
Tomou banho mais demorado do que o normal. Trocou de roupa duas vezes. Riu de si mesmo diante do espelho, balançando a cabeça.
Mas não era. Porque, no fundo, sabia que ver Caio naquele dia não seria como antes.
E não foi.
Quando chegou ao Fórum, a movimentação estava no ritmo habitual — papéis correndo de mesa em mesa, vozes baixas em telefonemas apressados, café morno servido em copos plásticos.
Mas ao entrar na sala de estágios, Rafael viu. Ele estava ali.
Caio. Com a camisa branca dobrada até os antebraços, sem paletó, como se tivesse esquecido a armadura por um momento. Falava com a supervisora sobre um caso, com um tom controlado, mas atento.
Rafael tentou parecer natural. Mas quando passou por eles, Caio virou o rosto — e por um segundo os olhos se encontraram.
Foi só um segundo. Um olhar curto.
Mas havia coisa demais dentro daquele breve espaço.
E Rafael soube: ele também se lembrava da noite anterior.
No almoço, Rafael sentou-se sozinho, como sempre. Caio não apareceu.
No dia seguinte, o mesmo.
Dois dias em que o advogado evitou qualquer contato além do essencial. Formal, educado, impecavelmente distante.
No terceiro dia, Rafael desistiu de tentar entender. Aceitou que, talvez, tivesse sido só um momento. Algo que viveu sozinho — ou que Caio preferiu enterrar.
Mas então veio a sexta-feira.
E com ela, um convite.
Estava saindo da sala, pronto para ir embora, quando viu um bilhete sobre sua mochila. Papel dobrado, sem identificação. Escrita firme.
Nada mais.
Rafael olhou ao redor. Ninguém prestava atenção nele.
Respirou fundo. E subiu.
O corredor do quarto andar estava quase vazio. As luzes pareciam mais frias àquela hora. Ao chegar à porta 412 — uma sala de reuniões raramente usada — Rafael parou por um segundo. E então entrou.
Caio estava ali. Em pé, perto da janela. Usava o blazer, mas sem gravata. O rosto estava levemente virado, como se já soubesse que Rafael chegaria naquele momento.
caio ferraz
— Fechou a porta? — perguntou, sem virar.
Rafael fechou. O clique soou mais alto do que devia.
Rafael lins
— Achei que você estivesse me evitando — disse, com honestidade.
Caio soltou o ar devagar. Como se estivesse carregando alguma coisa muito tempo.
Rafael se aproximou, parando a poucos passos de distância.
caio ferraz
— Porque não sei o que fazer com isso — respondeu, enfim encarando-o. — Com você.
A frase ficou no ar. Simples. Crua. Mas cheia de camadas.
Rafael sentiu a garganta secar.
Rafael lins
— Então me diga o que está tentando não dizer — pediu, em voz baixa.
Caio passou a mão pelo rosto. Os olhos estavam cansados, mas havia uma sinceridade ali que cortava.
caio ferraz
— Eu não sou o cara que você acha. Eu não sou leve, nem limpo. Tem coisas em mim que você não vai querer descobrir.
Rafael lins
Rafael deu um passo à frente.
— Você não me assusta.
Rafael lins
— Então me assusta. Mas fica.
Caio ficou em silêncio. E naquele segundo, alguma coisa desabou dentro dele. Um muro, talvez. Uma resistência construída com anos de dor e contenção.
Ele não tocou Rafael. Ainda não.
Mas o olhar... O olhar foi um toque inteiro.
Um arrepio.
Uma promessa muda.
"Não sei como, nem se posso. Mas quero."
Foi o bastante por aquela noite.
Eles não disseram mais nada. Rafael saiu da sala com o coração batendo como um segredo. Caio ficou ali, encarando a escuridão do vidro, como se finalmente visse a própria sombra no reflexo.
E soubesse que, a partir dali, ela já não era só dele.
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