03
Capítulo 3 — O Som da Voz Dele
Na semana seguinte, Rafael passou a perceber que o mundo de Caio Ferraz tinha regras não escritas.
Ele nunca chegava atrasado, nunca explicava para onde ia, nunca conversava além do necessário. Mas Rafael também percebeu que ele sempre passava pela sala de estágios depois do almoço. Sem motivo aparente. Às vezes, só deixava um documento. Outras vezes, nem isso.
E Rafael... Rafael fingia não perceber. Mas o corpo reagia antes da razão. O coração acelerava, o estômago apertava, e o cheiro discreto de perfume amadeirado se gravava na memória com precisão absurda.
Na quinta-feira, por volta das seis da tarde, a chuva caiu sem aviso. Não um chuvisco, mas um dilúvio de verão que cobriu as janelas de cinza e apagou o som da cidade.
Os outros estagiários começaram a ir embora, um a um. Rafael ficou, digitando um relatório que ninguém leria, enrolando o tempo na esperança de que a chuva passasse. Quando restavam apenas ele e a luz fraca do monitor, a porta se abriu devagar.
Era ele.
caio ferraz
— Ainda aqui? — Caio perguntou, sem parecer surpreso.
Rafael lins
— Esperando a chuva parar — Rafael respondeu, virando-se.
Caio se aproximou da janela. Observou o céu como quem lê um presságio.
caio ferraz
— Não vai parar tão cedo.
Houve um silêncio confortável. Rafael se levantou devagar, foi até o cabide onde deixava sua mochila. Estavam os dois ali, lado a lado, com a chuva batendo como música de fundo.
Rafael lins
— Nunca te vi fora do terno — Rafael comentou, quase sem pensar.
Caio virou o rosto, e pela primeira vez Rafael viu um traço de humor genuíno nos olhos dele.
Rafael lins
Rafael riu, surpreso com a resposta.
— Parece que você dorme assim.
caio ferraz
— Às vezes eu acho que sim — Caio respondeu, com um suspiro leve. — Mas isso acontece quando você vira parte de um sistema que exige armadura o tempo todo.
Rafael ficou em silêncio. Aquelas palavras não soavam como frase pronta. Soavam... reais.
Rafael lins
— Deve ser cansativo.
caio ferraz
Caio encostou-se à parede e cruzou os braços.
— E você? Por que psicologia?
Rafael lins
— Porque ninguém me ouviu quando eu mais precisava. — A resposta saiu antes que Rafael pudesse pensar. E ficou no ar, crua, sincera demais.
Caio não comentou. Mas também não desviou o olhar.
caio ferraz
— E agora? — ele perguntou.
Rafael lins
— Agora... — Rafael respirou fundo. — Eu ouço. Mesmo que ninguém peça. Às vezes, até demais.
Caio o olhou com uma intensidade que não precisava de palavras.
— Isso pode te destruir — disse, num tom tão baixo que quase se confundia com o som da chuva.
Rafael lins
Rafael o encarou. Sem fugir, sem medo.
— Ou pode me salvar.
Foi a primeira vez que o silêncio entre eles pareceu não bastar. Havia algo ali, denso, invisível, esticando-se como um fio entre os corpos.
Caio desviou o olhar. Pegou a pasta na cadeira ao lado, como se voltasse à armadura
caio ferraz
— Vou te dar uma carona — disse, sem perguntar.
Rafael lins
— Você não precisa..
Rafael hesitou. Mas foi. E enquanto caminhavam pelo corredor vazio, lado a lado, cada passo ecoando no chão de mármore, ele soube — com uma certeza silenciosa — que aquele não era apenas o som da chuva lá fora.
Era o som de algo começando.
Mesmo que nenhum dos dois soubesse ainda o nome.
Comments