A madrugada envolvia o castelo com um manto de névoa espessa, abafando os sons e deixando tudo em uma quietude sufocante. Kaori mal conseguia dormir. As palavras de Estella ecoavam em sua mente como veneno suave: “Há forças muito mais poderosas entre essas paredes.”
Ela se revirava na cama fina da ala das criadas, ouvindo o som distante de uma coruja, o farfalhar das árvores no pátio e, mais além, o bater ritmado das patrulhas noturnas. Tudo parecia ter um duplo sentido. Nada era comum ali dentro.
Naquela noite, um ruído sutil rompeu a monotonia: passos. Não dos guardas — esses eram previsíveis —, mas leves, quase calculados demais para serem de um criado comum.
Kaori se ergueu, os sentidos aguçados como em seus tempos de caçadora nas florestas. Colocou a capa escura sobre os ombros e saiu discretamente. A porta do quarto foi fechada sem ruído, e ela seguiu os passos, deslizando pelas sombras dos corredores como uma espectro entre os vivos.
Os passos a levaram até a biblioteca proibida — um setor antigo, trancado a maior parte do tempo, com livros que, segundo as lendas, continham segredos de guerras passadas e magias esquecidas. Mas hoje... a porta estava entreaberta.
Kaori espiou, e o que viu gelou seu sangue.
Estella. E não estava sozinha.
Diante dela, um homem encapuzado com a armadura das tropas imperiais — mas sem insígnias. Ele entregava a ela um pergaminho selado com cera negra. Estella parecia satisfeita.
— “O veneno será aplicado no banquete da lua cheia,” sussurrou o homem. “O alvo é a rainha.”
Kaori recuou instintivamente, um dos tábuas sob seus pés rangendo levemente. A comandante imediatamente se virou, mas não viu ninguém. Kaori já se esgueirava pelo corredor escuro, o coração aos pulos.
Um golpe contra a própria rainha? Mas por quê?
Nada fazia sentido. E o mais inquietante era o nome que o homem mencionara no final, antes de desaparecer nas sombras:
— “Diga a ele que Arven não suspeita de nada.”
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De volta ao seu quarto, Kaori não conseguia pensar. Arven. Ele estava sendo manipulado? Ou fazia parte de algo ainda maior?
E por que Estella falaria sobre forças ocultas e, depois, estaria conspirando nas sombras? Kaori se sentia perdida em uma rede de mentiras, onde sua missão original começava a se emaranhar com intrigas que nem mesmo ela compreendia.
Mas havia uma certeza: ela precisava agir. Se algo acontecesse com a rainha, o reino mergulharia no caos, e a guerra tomaria novas proporções. Mesmo odiando Lysandra, Kaori sabia o que era perder tudo. E não podia assistir isso acontecer de novo.
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No dia seguinte, a atmosfera no castelo estava densa, como se todos sentissem que algo se aproximava. O príncipe Arven parecia mais calado que o normal, observando a todos com aquele olhar de quem carrega muitos pensamentos não ditos.
Kaori trabalhava nos jardins, podando as rosas vermelhas quando ele se aproximou em silêncio.
— “O silêncio também é uma forma de gritar,” ele disse suavemente, sem sequer olhá-la diretamente.
Ela o encarou. Havia algo nele naquele dia. Um peso nos ombros, nos olhos.
— “E o que o senhor estaria gritando?” — Kaori arriscou, antes que sua mente racional a impedisse.
Ele sorriu, mas foi um sorriso amargo.
— “Que estou preso numa armadilha... e não sei quem a montou.”
Por um instante, o olhar dele encontrou o dela com tanta intensidade que Kaori se esqueceu de respirar.
Ela queria perguntar mais, queria entender. Mas algo interrompeu o momento.
Estella apareceu no alto da escadaria, vestida com a formalidade de uma guerreira de elite, o rosto rígido como pedra.
— “Aya. A rainha solicitou sua presença. Agora.”
Kaori gelou por dentro. Era cedo demais. O banquete ainda estava a dois dias. O que a rainha queria com ela?
Arven observou a troca silenciosa com o cenho franzido, mas nada disse.
Kaori assentiu, limpando as mãos rapidamente e seguindo a comandante.
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O caminho até os aposentos da rainha parecia eterno. Estella não disse uma palavra. Apenas a conduziu por corredores que Kaori jamais havia percorrido — alas antigas, com tapeçarias que retratavam guerras esquecidas e símbolos de linhagens que já não existiam.
A rainha Lysandra esperava sentada em um trono de veludo azul, cercada por duas conselheiras silenciosas. Seu rosto era belo, mas frio, quase etéreo. O olhar penetrante.
— “Aya,” disse ela, com voz firme. “Falam muito de você nos corredores. Que é diligente. Discreta. E boa com as flores.”
Kaori se ajoelhou. — “Agradeço, Majestade.”
A rainha se levantou e caminhou lentamente até ela.
— “Gosto de manter pessoas como você por perto. Observadoras. Fiéis.”
Ela se inclinou ligeiramente e sussurrou algo no ouvido de Kaori:
— “Mas cuidado com o que observa. Às vezes, a verdade pode matar.”
Kaori sentiu o coração disparar. A rainha sabia? Ou apenas jogava com ela?
Foi dispensada logo depois, sem explicações. Mas no caminho de volta, a cabeça de Kaori era um redemoinho. Todos jogavam um jogo perigoso. Arven, Estella, a rainha... e agora, ela estava no centro.
Mas havia uma escolha a ser feita. Proteger vidas inocentes ou seguir cegamente sua vingança?
E o pior: e se essas duas coisas já não fossem mais separadas?
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Fim do Capítulo 5
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Atualizado até capítulo 30
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