Capítulo 3 – O Coração do Inimigo

O castelo de Esharion era uma fera dourada adormecida — majestoso, impenetrável, e perigosamente silencioso por dentro.

Kaori, agora vestindo um vestido modesto de tecido cinza e um avental limpo, caminhava de cabeça baixa, como lhe foi ensinado pelos rebeldes. Cada passo seu dentro dos corredores de pedra era calculado, cada gesto contido. A guerreira treinada havia se escondido por trás da criada obediente.

Seu nome agora era Aya. Uma jovem órfã da vila de Verholm, enviada pelas cozinhas do distrito leste. Essa era a identidade que usaria. Falsa, mas construída com cuidado: possuía até documentos e selos forjados com perfeição por um dos mestres do clã rebelde.

— “Você foi sorteada para os andares superiores,” disse a supervisora de criadas, uma mulher rígida chamada Marla. — “Não olhe ninguém nos olhos. Não fale a menos que seja chamada. E não se esqueça de que neste lugar, os muros ouvem.”

Kaori assentiu. Mas por dentro, seu espírito já explorava cada canto. Janelas, rotas de fuga, posições de guardas, horários da troca de turnos. O castelo era mais do que uma construção: era uma máquina — e ela estava pronta para desmontá-la, engrenagem por engrenagem.

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Nos corredores da ala norte, o mármore branco refletia a luz das tochas. Os vitrais coloridos contavam histórias do “nobre passado” da dinastia Dareth — conquistas, coroações, guerras vencidas… mentiras glorificadas. Kaori sentia um nó no estômago ao passar por cada uma delas.

Enquanto limpava o chão ao lado de outras criadas, ouviu murmúrios sobre o príncipe herdeiro.

— “Dizem que o príncipe Arven voltou das fronteiras esta manhã.”

— “Ele patrulha disfarçado entre o povo. Um verdadeiro cavaleiro.”

— “Mas nunca sorri. Dizem que guarda um segredo sombrio.”

Kaori escutava, mas não comentava. O nome dele já havia cruzado seu destino uma vez — aquele olhar rápido no portão, como se ele a enxergasse por trás do disfarce.

Mas era apenas impressão. Ela não podia se distrair.

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Na tarde do segundo dia, Kaori foi enviada às estufas reais. Uma construção envidraçada no pátio interno, onde cresciam flores exóticas, frutas raras e ervas medicinais. A maioria das criadas não gostava de ir até lá — diziam que era o lugar mais silencioso do castelo, quase... assombrado.

Kaori gostava do silêncio. Era onde podia pensar sem olhares sobre ela.

Enquanto limpava as folhas secas, ouviu passos leves se aproximando. Discretos, mas firmes. Ela continuou seu trabalho sem erguer os olhos, até ouvir a voz:

— “Você é nova.”

Ela parou. A voz era firme, jovem, e sem arrogância — mas havia nela uma estranha melancolia.

— “Sim, senhor.” — respondeu, sem olhar.

— “Qual o seu nome?”

— “Aya, senhor.”

— “Não precisa me chamar de senhor aqui.”

Ela o encarou então, rápida, mas com cautela. E confirmou sua suspeita: Arven.

Ele estava sem armadura, vestindo apenas roupas leves de treino. Os cabelos castanhos escuros estavam presos atrás da cabeça, e seus olhos, de um azul cinzento, eram mais observadores do que ela gostaria.

— “Sabe cuidar de ervas?” — perguntou ele.

— “Aprendi com minha mãe.”

— “Então pode me ajudar. Estas mudas estão morrendo e ninguém aqui parece notar.”

Ela assentiu. Ajudou a regar, podar e reorganizar as raízes. Arven trabalhava em silêncio ao seu lado, sem ordens, sem gestos superiores. Kaori observava sem parecer observar. Seus movimentos eram ágeis, e havia uma calma genuína nele.

Quando terminou, ele sorriu levemente. Um sorriso pequeno, mas real.

— “Você escuta bem, Aya. E fala pouco. Isso é raro neste castelo.”

Kaori fez uma reverência e saiu. Por fora, era a criada exemplar. Por dentro, seus pensamentos estavam inquietos.

O príncipe não era como ela imaginava.

Mas isso não mudava o fato de que ele era filho da mulher que assassinou sua família.

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Naquela noite, Kaori voltou ao quarto simples compartilhado com outras três criadas. Enquanto todas dormiam, ela se levantou em silêncio, puxou o tapete e removeu uma das pedras soltas do chão. Ali escondeu uma pequena adaga, embrulhada em pano.

Ela olhou para o teto de pedra acima de si.

Estava dentro do coração do inimigo.

Mas algo dizia que o castelo também começaria a entrar dentro dela.

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Fim do Capítulo 3

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