Capítulo 2 – Sombras na Estrada

O sol mal havia surgido entre as montanhas quando Kaori desceu do esconderijo rebelde. O frio da madrugada era cortante, mas nada comparado ao gelo que ela sentia por dentro. Cada passo na trilha irregular ecoava em sua mente como um tambor de guerra. Não havia retorno. Ela não era mais uma aprendiz. Era uma arma.

As florestas do Norte ainda estavam adormecidas, mas Kaori estava alerta. Sempre estivera. Os anos com os Sombras do Norte haviam ensinado que um instante de descuido era o suficiente para morrer. Ou pior: para falhar.

Ela vestia uma túnica simples, sem qualquer insígnia do clã Takara. Seu cabelo, agora mais curto, era escondido sob um lenço escuro. Nenhuma parte de si poderia denunciar quem ela era. Ela era Aya agora — uma serva, uma camponesa órfã que buscava trabalho nas cozinhas reais. Essa era a história que contaria.

A estrada até o castelo era longa e traiçoeira. Levaria três dias a pé se evitasse as patrulhas. Ela conhecia as trilhas escondidas, os rios estreitos e os sons da floresta. O que ela não conhecia era o peso da solidão agora que havia deixado Ryo e o clã para trás.

Ryo…

Ela se lembrava de sua expressão antes de partir. Ele havia tentado esconder o medo, mas ela viu. Ele nunca disse com todas as palavras, mas estava claro nos olhos dele: não queria que ela fosse. Queria protegê-la. Mas Kaori não podia ser protegida. Não mais.

“Não me espere,” ela havia dito. “Eu só voltarei quando o sangue da realeza tiver tocado o chão.”

---

Ao final do primeiro dia de viagem, Kaori se abrigou sob uma árvore morta, perto de um rio silencioso. Enquanto mastigava um pão duro e frio, ouviu algo: passos. Dois, talvez três.

Ela apagou rapidamente sua fogueira e se escondeu atrás de uma rocha coberta de musgo. O som ficou mais claro. Era uma patrulha.

— “Disseram que uma moça suspeita saiu das montanhas hoje cedo,” murmurou um dos guardas, parando para urinar perto da árvore.

— “Esses camponeses mal sabem o que é ‘suspeita’. Qualquer um de olhar sério já vira ameaça,” disse outro, rindo com desprezo.

Kaori prendeu a respiração. A espada curta presa em suas costas pesava como chumbo. Se fosse descoberta, teria que matar. Mas mortes agora chamariam atenção. E ela precisava entrar no castelo… invisível.

O terceiro guarda parecia inquieto. Olhou em direção à pedra onde ela se escondia. Seus olhos brilharam sob a luz da lua.

— “Ei, vocês ouviram isso?”

Kaori já se preparava para atacar quando um som mais forte veio do outro lado: um galho quebrando, seguido de um uivo.

— “Lobos!”

— “Maldição, vamos voltar!”

Os homens correram assustados para o sul. E Kaori ficou ali, sozinha — mas não por acaso.

Ela se virou lentamente. No alto da pedra, havia uma figura. Um velho com capa cinzenta e olhos que pareciam saber mais do que deveriam.

— “Você tem sorte que os lobos respondem melhor a mim do que a você,” disse ele com um sorriso torto.

— “Quem é você?”

— “Alguém que viu o passado se repetir muitas vezes. Mas você… você carrega uma chama diferente.”

Kaori não confiava em palavras misteriosas. Apontou a espada para ele.

— “Se me seguir, vai sangrar.”

— “Não pretendo segui-la. Só quero lhe dar um aviso: dentro dos muros do castelo, há mais prisões do que celas. E nem toda prisão tem correntes.”

Antes que ela pudesse responder, ele desapareceu como se nunca tivesse estado ali. Nenhum som, nenhum passo. Apenas o vento.

---

Na manhã seguinte, Kaori prosseguiu pela trilha até alcançar a estrada principal de Esharion. Dali, o castelo já era visível à distância — enorme, reluzente, com muralhas douradas e torres altas que tocavam as nuvens. Um símbolo de poder. E de corrupção.

Ela esperou até ver uma pequena comitiva passando: carroças carregadas de mantimentos, servos e lavradores. Misturou-se a eles como se fosse apenas mais uma. A entrada da cidade estava próxima. E o castelo… logo abriria suas portas.

Mas ao cruzar os primeiros portões da capital, algo inesperado aconteceu. Entre os guardas, havia um jovem cavaleiro observando o grupo com atenção. Seus olhos eram diferentes — não tinham a frieza dos soldados comuns.

Quando o olhar dele cruzou o de Kaori, houve um instante de hesitação. Ela desviou imediatamente. Ele, no entanto, pareceu intrigado.

Arven.

O príncipe, disfarçado como guarda, patrulhava os portões para “observar o povo com os próprios olhos”. E naquele breve momento, embora nenhum soubesse ainda, o destino dos dois começava a se entrelaçar.

---

Fim do Capítulo 2

Mais populares

Comments

Misaki Nakahara

Misaki Nakahara

Vou reler essa obra várias vezes. 👏

2025-07-25

2

Ver todos

Baixar agora

Gostou dessa história? Baixe o APP para manter seu histórico de leitura
Baixar agora

Benefícios

Novos usuários que baixam o APP podem ler 10 capítulos gratuitamente

Receber
NovelToon
Um passo para um novo mundo!
Para mais, baixe o APP de MangaToon!