Acordei antes mesmo do sol nascer. Ainda havia um resquício de escuridão pelas frestas da janela, mas meu coração já estava acelerado, como se soubesse que o dia seria longo. O colchão fino no chão não ajudava no descanso, e o frio que invadia o quartinho fazia meu corpo estremecer. Mas não era só o clima de Paris. Era o medo.
Rolei para o lado devagar, tentando não acordar Lupita, que dormia profundamente com uma das pernas pra fora da coberta. O cabelo castanho bagunçado espalhado no travesseiro, a respiração tranquila. Quis por um instante trocar de lugar com ela, nem que fosse só por uma manhã.
Fui até o banheiro compartilhado no fim do corredor e me olhei no espelho. Meus olhos azuis pareciam mais claros com o rosto pálido. As olheiras denunciavam as noites mal dormidas, e o cansaço era um lembrete constante do que deixei para trás. Mas amanhã... amanhã poderia ser o começo de algo novo.
Voltei pro quarto com passos leves. Sentei na beirada do colchão e fiquei olhando pro celular, como se ele fosse me trazer uma resposta. Uma garantia. A única coisa que eu tinha era a confirmação da entrevista para amanhã, às dez da manhã.
Lupita se mexeu e resmungou baixinho:
— Tá acordada desde cedo de novo, né?
— Não consegui dormir direito — respondi.
Ela se sentou, coçando os olhos. — Por causa da entrevista?
Assenti. — É um bom salário, Lu. Muito bom. Daria pra gente sair desse quartinho e até mandar alguma coisa pra minha mãe no Brasil.
— Mas é na casa de um cara, né? E você nem sabe direito quem é...
Suspirei. — Liguei. Falei com a secretária dele. Parece tudo muito profissional.
Lupita me lançou um olhar cético. — Elisa, você ainda tá fugindo. E esse povo rico... sei lá. Pode ser armadilha, pode ser perigoso.
— E se for a chance da minha vida? Eu não aguento mais viver com medo, sem saber se ele vai aparecer aqui. Eu fico olhando pros cantos da rua toda vez que volto do bar.
Ela se calou por um segundo, como se sentisse o peso das minhas palavras. Então levantou, pegou a chaleira e começou a preparar um café.
— Vai dar certo, sim. Só... se cuida, tá? Promete?
— Prometo — sussurrei.
Enquanto ela mexia nas xícaras, meus pensamentos voltaram ao Brasil. Aos meus pais que ainda não sabiam que eu tinha fugido. Eu dizia que estava estudando fora, que precisava de um tempo. Mas a verdade era muito mais amarga. Eu precisava era sobreviver. E aqui, mesmo nesse lugar apertado, eu sentia um pouco de liberdade. Sentia que podia respirar.
Lupita sentou ao meu lado com duas canecas de café fumegante.
— Você vai escolher uma roupa bonita, mas discreta. Vai chegar lá e mostrar que é profissional. Vai conseguir esse emprego, ouvir minha voz?
Sorri, mais aliviada. — Ouço você como se fosse minha mãe.
Ela riu. — Então me obedece e não faz besteira.
Tomamos o café em silêncio por alguns minutos. Depois ela saiu para o trabalho e eu fiquei sozinha. Lavei a caneca, arrumei a cama e separei a roupa para o dia seguinte: uma calça preta sem muito destaque, blusa de manga comprida azul clara e o único par de botas decente que eu tinha. Prendi o cabelo em um coque frouxo e me olhei no espelho. "Você vai conseguir", murmurei. "Você precisa conseguir."
Passei o dia quase inteiro tentando me distrair, mas tudo me levava de volta à entrevista. O nome dele era Sébastien. A secretária disse que ele era discreto, empresário, pai solteiro, com uma filha pequena. Não dei muita atenção aos detalhes, só fingi ser segura no telefone e anotei o endereço. No fundo, eu sabia: era a chance de mudar de vida.
À noite, quando Lupita voltou, jantamos pão com sopa instantânea. Ela me perguntou de novo se eu queria que ela fosse comigo, mas eu neguei.
— Se eu não encarar isso sozinha, nunca vou sair do lugar.
Ela assentiu com um sorriso carinhoso. — Você é forte, Elisa. Mesmo que não veja isso.
Depois que ela dormiu, fiquei olhando para o teto. O medo ainda morava em mim. O medo de ser encontrada. De tudo desmoronar. Mas também... ali, no fundo, uma faísca de esperança crescia.
E por menor que fosse, era isso que me mantinha de pé.
LUPITA SANT
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Atualizado até capítulo 76
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