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...Lian...
A academia estava silenciosa.
Como eu gosto.
Só o som do saco de pancada sendo ajeitado no canto e o leve ruído do tatame sob os meus passos. Sem alunos, sem música, sem bagunça. Só eu. Meu espaço. O único lugar onde tudo obedece a ordem. Disciplina. Técnica.
Até ela chegar.
Ou melhor, até Isabelly chegar.
Porque Isabelly não entra em um lugar. Ela invade de um jeito calmo, mas marcante. Como uma tempestade que vem sorrindo. E quando cruzou a porta hoje, sozinha, com a mochila no ombro e a expressão determinada… eu soube que minha paz de antes tinha prazo de validade.
— Oi — ela disse, com um meio sorriso.
Não era forçado. Nem tímido. Era leve. Natural. Aquele tipo de sorriso que parece estar ali só pra ver se você retribui.
Eu não retribuí.
— Chegou no horário. — Falei, mais para preencher o ar do que por necessidade.
Ela deixou a bolsa perto do banco e começou a alongar, sozinha. Fiquei observando por alguns segundos. Não era sobre técnica. Era sobre presença. Isabelly ocupava o espaço como se estivesse se testando. Como se cada movimento fosse uma forma de dizer: “eu tô aqui. Eu existo. E você vai me ver.”
— Hoje a gente vai repetir os fundamentos — expliquei, pegando as luvas. — Postura, deslocamento e golpes diretos. Nada novo. Mas com mais firmeza.
— Tudo bem. Ontem eu só fui a versão de teste. Hoje, quero ser a versão 2.0 — ela disse, ajeitando o cabelo com uma das mãos.
— Com melhorias?
— Com menos travamento e mais confiança — respondeu, olhando nos meus olhos. — Mas sem garantias de elegância.
Eu desviei o olhar antes que a expressão dela fizesse algo dentro de mim vibrar.
Começamos o treino. Fiz questão de manter tudo profissional. Técnica, contato mínimo, correções pontuais. Mas ela era rápida. Aprendia com atenção. E, acima de tudo, levava aquilo a sério.
Só que... ela também brincava. Fazia piadas no meio de uma correção, dava risadinhas entre um soco e outro, soltava frases como:
— Se eu bater em alguém com esse golpe, aviso antes pra não doer tanto.
Ou:
— Já é válido gritar “vai se arrepender” ou preciso de mais aulas?
E o pior é que eu me pegava… sorrindo. Às vezes só com o canto da boca, às vezes nem isso. Mas por dentro, sorrindo.
Ela me fazia sair do automático. E isso era perigoso.
A pausa veio depois de meia hora. Ofereci água. Ela aceitou e se sentou no chão, apoiando os braços nos joelhos, ofegante.
— Eu achei que depois da segunda aula eu já estaria com um cinturão de campeã — disse, entre goles.
— Ainda falta um pouco — respondi, sentando no tatame em frente a ela, mantendo a distância segura. — Mas você tem disciplina. Isso não se ensina. Só se escolhe.
Ela me olhou. E, por um segundo, o silêncio entre a gente mudou de cor.
Não era vazio. Era... carregado. Cheio de algo que nenhum dos dois nomeou.
— Sabe... — ela disse, com a voz mais baixa — eu achei que vir aqui seria uma tentativa desesperada. Mas tá virando a parte mais boa do meu dia.
— E isso é bom ou ruim?
— Ainda não sei — respondeu, com um sorriso quase triste. — Acho que depende do que vem depois.
A forma como ela me olhou naquela hora...
Me desarmou. Totalmente.
E eu soube que estava começando a me envolver de um jeito que vai contra todas as regras que criei pra mim.
Ela não é uma aluna qualquer.
E esse não é um treino comum.
Mas ainda assim, me levantei.
— Vamos voltar. Ainda temos quinze minutos.
Ela se levantou também. Sem hesitar.
— Bora, professor. Quero socar o mundo com estilo.
E eu segui. Focado. Concentrado.
Tentando, com todas as forças, não cruzar a linha que ela nem sabe que existe.
Ainda.
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Atualizado até capítulo 50
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