O jantar estava frio.
Noah sentou-se à mesa sozinho, observando o prato de lasanha que o cozinheiro deixara para ele antes de ir embora. A comida estava perfeitamente organizada — molho à esquerda, massa al dente no centro, queijo derretido mas sem bordas queimadas. Tudo meticulosamente preparado para suas preferências.
Mas o Sr. Costa não aparecera.
18:47. Noah contou os minutos no relógio da parede. O mafioso dissera que jantariam juntos às 18:30.
Ele estava prestes a começar a comer quando viu.
Sobre a cadeira vazia do Sr. Costa, um documento esquecido.
Noah não queria tocar. Não era seu lugar. Mas as palavras saltaram da página antes que ele pudesse desviar o olhar:
"CONTRATO DE TRANSPORTE - CARGA VIVA"
E então, os números. Linhas e linhas de coordenadas, horários, valores.
Seus olhos percorreram a página com a velocidade de quem entendia padrões melhor que pessoas.
--
O Sr. Costa entrou pela porta dos fundos, o rosto marcado por horas de trabalho sujo. Seus sapatos deixavam marcas de terra no chão limpo.
— Você comeu? — perguntou ao ver Noah ainda sentado à mesa, o prato intocado.
Noah não respondeu. Em vez disso, apontou para o documento.
— Tem um erro.
O mafioso congelou.
— O quê?
— Aqui. — Noah tocou um ponto específico do papel, os dedos tremendo levemente. — As coordenadas estão invertidas. Latitude e longitude. Se seguirem isso...
Ele não terminou. Não precisava.
O Sr. Costa arrancou o contrato das mãos dele, os olhos escaneando a página com fúria repentina.
— PORRA! — O grito fez Noah encolher-se, as mãos voando instintivamente para cobrir os ouvidos.
O mafioso viu, parou, baixou a voz:
— ...Desculpe.
E então, agiu.
O Sr. Costa discou um número com mãos que, pela primeira vez, pareciam incertas.
— Schmidt. Para tudo. O mapa tá errado.
Uma pausa. Gritos abafados do outro lado.
— Não interessa como eu descobri! — O Sr. Costa olhou para Noah, que agora observava fixamente o globo de Júpiter na estante. — O garoto... o garoto viu.
Outra pausa. Mais longa.
— Sim, O GAROTO. Agora corrige essa merda antes que a gente perca meio milhão em carga.
Desligou.
O silêncio que se seguiu foi quebrado apenas pelo tic-tac do relógio.
— ...Como você percebeu? — O Sr. Costa perguntou por fim, a voz estranhamente suave.
Noah girou o globo entre os dedos.
— Os números... não batiam. O padrão estava errado.
Ele não explicou mais. Nunca conseguia. Mas pela primeira vez, alguém parecia entender.
O Sr. Costa assentiu, como se aquela resposta fosse suficiente.
— Você salvou vidas hoje, Noah.
Era verdade. O "carga viva" no contrato não deixava dúvidas.
— Eu... só vi os números.
O mafioso aproximou-se, mas parou a dois passos de distância — sempre respeitando o espaço.
— Exatamente. — Ele estendeu a mão, mas não para tocar. Para pegar o contrato corrigido. — Ninguém mais viu.
Quando se virou para sair, Noah chamou:
— A lasanha... está fria.
O Sr. Costa parou. Respirou fundo.
— Eu sei.
O cheiro de lasanha requentada enchia a cozinha. Noah mastigava devagar, contando mentalmente cada garfada. Vinte e sete mastigadas por porção. Enquanto isso, o Sr. Costa observava em silêncio, os dedos tamborilando na mesa num ritmo irregular que fazia Noah franzir a testa.
— Tá gostoso? — o mafioso perguntou, rompendo o silêncio.
Noah olhou para o prato, depois para ele.
— Está... aceitável.
O Sr. Costa quase sorriu.
— Aceitável. Bom saber.
Ele se levantou bruscamente, a cadeira rangendo no chão de madeira.
— Termina aí e me segue.
Noah conhecia cada passo daquela casa. Sabia que eram exatamente quinze passos do topo da escada até a porta do seu quarto. Mas desta vez, o Sr. Costa passou direto pelo quarto conhecido e parou em frente a uma porta no final do corredor — uma que Noah nunca vira aberta.
— A partir de hoje, esse é o seu.
O mafioso abriu a porta com um gesto brusco, como se estivesse com raiva de algo.
Noah parou na entrada, os olhos dilatando.
As paredes eram pintadas de um azul escuro, quase negro, mas...
— São constelações — Noah murmurou, os dedos tremendo levemente ao reconhecer Orion, Ursa Maior, Cygnus pintadas com tinta fosforescente.
O Sr. Costa ficou parado no umbral, as mãos enfiadas nos bolsos.
— Ligue a TV.
Noah achou o controle sobre a cama — cama nova, king size, lençóis pretos com pequenas estrelas bordadas — e apertou o botão.
A tela se acendeu mostrando...
— ...O canal de documentários científicos — ele completou em voz baixa, reconhecendo imediatamente o programa sobre exoplanetas.
O mafioso não sorriu, mas algo em seus olhos mudou.
— Tem todos os canais que você gosta. E os livros ali — apontou para uma estante cheia, — são todos de astronomia. Edições novas.
Noah tocou a lombada de um atlas estelar, depois olhou para o teto novamente. No canto, alguém havia pintado um pequeno Saturno com anéis perfeitos.
— Por quê? — a pergunta escapou antes que ele pudesse pará-la.
O Sr. Costa respirou fundo pelo nariz, como sempre fazia quando estava escolhendo palavras.
— Porque você viu o que ninguém viu hoje.
Virou-se para sair, mas Noah o chamou:
— Obrigado.
Duas sílabas que pareciam insuficientes para tudo aquilo.
O mafioso parou, sem se virar.
— ok
E então, fechou a porta suavemente — algo que Noah notou com um aperto no peito
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