5

O jantar estava frio.

Noah sentou-se à mesa sozinho, observando o prato de lasanha que o cozinheiro deixara para ele antes de ir embora. A comida estava perfeitamente organizada — molho à esquerda, massa al dente no centro, queijo derretido mas sem bordas queimadas. Tudo meticulosamente preparado para suas preferências.

Mas o Sr. Costa não aparecera.

18:47. Noah contou os minutos no relógio da parede. O mafioso dissera que jantariam juntos às 18:30.

Ele estava prestes a começar a comer quando viu.

Sobre a cadeira vazia do Sr. Costa, um documento esquecido.

Noah não queria tocar. Não era seu lugar. Mas as palavras saltaram da página antes que ele pudesse desviar o olhar:

"CONTRATO DE TRANSPORTE - CARGA VIVA"

E então, os números. Linhas e linhas de coordenadas, horários, valores.

Seus olhos percorreram a página com a velocidade de quem entendia padrões melhor que pessoas.

--

O Sr. Costa entrou pela porta dos fundos, o rosto marcado por horas de trabalho sujo. Seus sapatos deixavam marcas de terra no chão limpo.

— Você comeu? — perguntou ao ver Noah ainda sentado à mesa, o prato intocado.

Noah não respondeu. Em vez disso, apontou para o documento.

— Tem um erro.

O mafioso congelou.

— O quê?

— Aqui. — Noah tocou um ponto específico do papel, os dedos tremendo levemente. — As coordenadas estão invertidas. Latitude e longitude. Se seguirem isso...

Ele não terminou. Não precisava.

O Sr. Costa arrancou o contrato das mãos dele, os olhos escaneando a página com fúria repentina.

— PORRA! — O grito fez Noah encolher-se, as mãos voando instintivamente para cobrir os ouvidos.

O mafioso viu, parou, baixou a voz:

— ...Desculpe.

E então, agiu.

O Sr. Costa discou um número com mãos que, pela primeira vez, pareciam incertas.

— Schmidt. Para tudo. O mapa tá errado.

Uma pausa. Gritos abafados do outro lado.

— Não interessa como eu descobri! — O Sr. Costa olhou para Noah, que agora observava fixamente o globo de Júpiter na estante. — O garoto... o garoto viu.

Outra pausa. Mais longa.

— Sim, O GAROTO. Agora corrige essa merda antes que a gente perca meio milhão em carga.

Desligou.

O silêncio que se seguiu foi quebrado apenas pelo tic-tac do relógio.

— ...Como você percebeu? — O Sr. Costa perguntou por fim, a voz estranhamente suave.

Noah girou o globo entre os dedos.

— Os números... não batiam. O padrão estava errado.

Ele não explicou mais. Nunca conseguia. Mas pela primeira vez, alguém parecia entender.

O Sr. Costa assentiu, como se aquela resposta fosse suficiente.

— Você salvou vidas hoje, Noah.

Era verdade. O "carga viva" no contrato não deixava dúvidas.

— Eu... só vi os números.

O mafioso aproximou-se, mas parou a dois passos de distância — sempre respeitando o espaço.

— Exatamente. — Ele estendeu a mão, mas não para tocar. Para pegar o contrato corrigido. — Ninguém mais viu.

Quando se virou para sair, Noah chamou:

— A lasanha... está fria.

O Sr. Costa parou. Respirou fundo.

— Eu sei.

O cheiro de lasanha requentada enchia a cozinha. Noah mastigava devagar, contando mentalmente cada garfada. Vinte e sete mastigadas por porção. Enquanto isso, o Sr. Costa observava em silêncio, os dedos tamborilando na mesa num ritmo irregular que fazia Noah franzir a testa.

— Tá gostoso? — o mafioso perguntou, rompendo o silêncio.

Noah olhou para o prato, depois para ele.

— Está... aceitável.

O Sr. Costa quase sorriu.

— Aceitável. Bom saber.

Ele se levantou bruscamente, a cadeira rangendo no chão de madeira.

— Termina aí e me segue.

Noah conhecia cada passo daquela casa. Sabia que eram exatamente quinze passos do topo da escada até a porta do seu quarto. Mas desta vez, o Sr. Costa passou direto pelo quarto conhecido e parou em frente a uma porta no final do corredor — uma que Noah nunca vira aberta.

— A partir de hoje, esse é o seu.

O mafioso abriu a porta com um gesto brusco, como se estivesse com raiva de algo.

Noah parou na entrada, os olhos dilatando.

As paredes eram pintadas de um azul escuro, quase negro, mas...

— São constelações — Noah murmurou, os dedos tremendo levemente ao reconhecer Orion, Ursa Maior, Cygnus pintadas com tinta fosforescente.

O Sr. Costa ficou parado no umbral, as mãos enfiadas nos bolsos.

— Ligue a TV.

Noah achou o controle sobre a cama — cama nova, king size, lençóis pretos com pequenas estrelas bordadas — e apertou o botão.

A tela se acendeu mostrando...

— ...O canal de documentários científicos — ele completou em voz baixa, reconhecendo imediatamente o programa sobre exoplanetas.

O mafioso não sorriu, mas algo em seus olhos mudou.

— Tem todos os canais que você gosta. E os livros ali — apontou para uma estante cheia, — são todos de astronomia. Edições novas.

Noah tocou a lombada de um atlas estelar, depois olhou para o teto novamente. No canto, alguém havia pintado um pequeno Saturno com anéis perfeitos.

— Por quê? — a pergunta escapou antes que ele pudesse pará-la.

O Sr. Costa respirou fundo pelo nariz, como sempre fazia quando estava escolhendo palavras.

— Porque você viu o que ninguém viu hoje.

Virou-se para sair, mas Noah o chamou:

— Obrigado.

Duas sílabas que pareciam insuficientes para tudo aquilo.

O mafioso parou, sem se virar.

— ok

E então, fechou a porta suavemente — algo que Noah notou com um aperto no peito

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