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Noah acordou com o primeiro raio de sol atravessando as cortinas. 05:47. Sempre cinco minutos antes do despertador. Suas mãos automáticas procuraram o celular no criado-mudo, mas toparam algo inesperado.

Duas batidas secas na porta antes que ele pudesse responder.

— Já tá acordado?

A voz do Sr. Costa era áspera como sempre, mas havia algo diferente — uma cadência mais baixa, como se estivesse tentando não assustá-lo.

Noah sentou-se na cama, esfregando os olhos. Sobre o criado-mudo:

Roupa impecavelmente dobrada (calça cáqui, camiseta branca de algodão orgânico — sem etiquetas, como sempre)

Tênis novos (o mesmo modelo que ele usava, mas sem os desgastes de anos de uso)

Meias brancas (costura invertida para não irritar os dedos)

Como ele sabe?

— Eu... estou acordado.

A porta se abriu. O Sr. Costa estava ali, trajando um terno cinza-escuro, mas sem a gravata usual. Nos olhos dele, algo que Noah não conseguia decifrar.

— Café da manhã em 15 minutos. Tá bom?

Noah olhou para as roupas, depois para o homem.

— Sim.

A mesa estava posta com uma precisão militar:

Torradas (crostas removidas)

Mamão picado em cubos perfeitos (nenhuma semente à vista)

Suco de laranja coado (sem polpa)

Ovos mexidos (sem sal, sem pimenta, exatamente como ele comia na cantina da faculdade)

Noah sentou-se, as mãos pousadas sobre o colo.

— Você... observou.

O Sr. Costa serviu café preto para si mesmo, ignorando o tremor quase imperceptível em suas mãos.

— É meu trabalho observar.

— Mas não... Noah hesitou, os dedos traçando a borda do prato. ...Não é seu trabalho cuidar de mim.

O silêncio que se seguiu foi cortado pelo tilintar da colher do mafioso contra a xícara.

— Come.

Era uma ordem. Mas diferente de todas as outras.

---

Carro

O porta-malas estava aberto. Dentro:

Mochila nova (com compartimentos organizados)

Estojo com canetas alinhadas por cor

Cadernos de capa dura (um deles com a Via Láctea estampada)

Calculadora científica (modelo exato do que Noah perdera no semestre passado)

Noah tocou os itens, um por um.

— Como...

— Pedro. O Sr. Costa fechou o porta-malas com um baque. Aquele teu amigo de faculdade. Ele me deu a lista.

Noah piscou. Pedro? O mesmo Pedro que tremia só de ouvir o nome "Sr. Costa" nas notícias?

— Ele...

— Tá vivo. O mafioso abriu a porta do carro. Por enquanto.

O carro preto estacionou exatamente às 07:28. Dois minutos antes do horário que Noah sempre chegava.

— Aula de solos até 10h, depois botânica aplicada. O Sr. Costa nem consultou nenhuma anotação. Tô buscando aqui às 12h15. Não anda sozinho.

Noah ajustou os óculos.

— Eu... tenho aula até as—

— Mudei seu horário. O mafioso acendeu um cigarro, mas jogou-o fora antes mesmo de tragar. Agora tem aula de manhã só. Até eu resolver uns problemas.

— Que problemas?

O olhar que o Sr. Costa lhe deu fez Noah entender que algumas perguntas não deveriam ser feitas.

— Material tá completo?

Noah verificou a mochila mais uma vez. Sim.

— Então vaza.

Quando Noah deu dois passos, a voz grossa o chamou novamente:

— Noah.

Ele virou.

O Sr. Costa estava com a mão estendida pela janela. Nela, um pequeno globo de Saturno, com os anéis perfeitos.

— Deixou no banco de trás.

Noah pegou o objeto, seus dedos encontrando os sulcos familiares.

— Obrigado.

O mafioso já estava olhando para frente, o perfil duro contra a luz da manhã.

— Não agradeça.

O carro arrancou, deixando Noah parado na calçada, segurando seu planeta de plástico como um talismã.

Exatamente um minuto antes do combinado, o carro preto reapareceu.

Noah entrou em silêncio. O cheiro era diferente — álcool gel e pólvora.

— Tudo bem?

O Sr. Costa ignorou a pergunta, acelerando.

— Almoço em casa. Depois você estuda.

Noah olhou pela janela. Notou pela primeira vez que o vidro era à prova de balas.

— Você... está sangrando.

Era quase imperceptível — um fio vermelho escorrendo da manga do terno.

O mafioso riu, um som seco.

— Não é meu.

O carro dobrou uma esquina, levando-os para longe da faculdade, do mundo normal, de tudo que Noah conhecera até então.

E pela primeira vez, ele não sentiu medo.

Apenas uma pergunta girando em sua mente, como os anéis de Saturno em sua mão:

Por quê

A água quente do chuveiro escorria pelas costas de Noah, limpando não apenas o suor da manhã, mas também a tensão que insistia em grudar em sua pele. Ele contou mentalmente os segundos — vinte para lavar o cabelo, quinze para cada braço — enquanto tentava não pensar no cheiro de pólvora que ainda parecia impregnado no ar do carro.

Ao sair do banho, uma surpresa o esperava.

O guarda-roupas estava cheio.

Roupas perfeitamente organizadas por cor e textura:

Camisetas de algodão (todas sem etiquetas, costuras invertidas)

Calças de tecido macio (sem botões ou zíperes que pudessem incomodar)

Meias antiderrapantes (costura especial nos dedos)

Até mesmo um casaco azul-marinho (o mesmo tom do seu antigo favorito, aquele que a mãe jogara fora porque "parecia coisa de criança")

Noah vestiu uma camiseta branca e uma calça de moletom, sentindo o tecido macio como uma segunda pele. Como ele sabia? Como ele sabia de tudo?

Almoço

A mesa estava posta para um. Prato único:

Arroz branco (sem temperos fortes)

Filé de frango grelhado (sem ossos, sem pele)

Cenoura cozida (cortada em cubos perfeitos)

O Sr. Costa não estava lá.

Noah comeu em silêncio, os olhos fixos no lugar vazio à frente. Onde ele estava? O que acontecera naquela manhã?

Mas outra pergunta queimava mais forte:

Como está minha mãe?

Tarde de Estudos

No quarto, Noah organizou os materiais na mesa com precisão militar:

Caderno de botânica à esquerda

Livro-texto no centro

Canetas alinhadas por cor à direita

Ele mergulhou nos estudos, tentando ignorar o vazio no peito. As equações de balanço hídrico de plantas eram mais fáceis de entender que o próprio coração.

Toc. Toc.

Duas batidas secas na porta antes de abrir. O Sr. Costa entrou, agora vestindo um suéter preto simples — sem o habitual terno de mafioso.

— Precisando de ajuda?

Noah olhou para as anotações, depois para o homem.

— Eu... não sei resolver esta equação.

O Sr. Costa aproximou-se, mantendo uma distância cuidadosa. Cheirava a sabão agora, não a pólvora.

— Deixa eu ver.

Para surpresa de Noah, o mafioso resolveu o problema em minutos, com uma caligrafia surpreendentemente elegante.

— Você... estudou agronomia?

Um sorriso quase imperceptível.

— Minha irmã gostava de plantas.

Lúcia. O nome não foi dito, mas pairou no ar como um fantasma.

Quando os livros foram fechados, Noah encarou suas mãos.

— Minha mãe...

O ar no quarto pareceu congelar.

O Sr. Costa fechou os olhos por um segundo antes de responder:

— Viva.

— E...

— E nada. O tom encerrou qualquer discussão. Ela não te procura. Não te merece.

Noah balançou levemente, um movimento automático para se acalmar.

— Mas ela tá—

— Segura. O Sr. Costa levantou-se, terminando o assunto. E longe de você.

Na porta, ele parou sem virar:

— Amanhã tem aula prática de identificação de solos, né? Vou te levar mais cedo.

E então se foi, deixando Noah com mais perguntas que respostas — e o eco de uma verdade dolorosa:

Ninguém tinha procurado por ele.

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Comments

adelice miranda de aguiar

adelice miranda de aguiar

acho que tudo que ele está fazendo ,tem a haver com a irmã

2025-07-13

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