Noah ficou parado no centro do quarto, os dedos traçando leves círculos no tecido da mochila. O silêncio era diferente aqui — não era o silêncio tenso da casa da mãe, cheio de ameaças não ditas. Era... calmo. Como o espaço entre as estrelas.
Mas algo faltava.
O Sr. Costa já estava virando para sair quando Noah engoliu seco e forçou as palavras a saírem:
— T-Tem... algum livro?
O mafioso parou, uma sobrancelha levantada.
— Livro?
Noah mordeu o lábio, os olhos fixos no padrão do carpete. Linhas paralelas. Seguras.
— S-Sobre... planetas.
O Sr. Costa ficou imóvel por um instante que pareceu durar uma eternidade. Então, com um grunhido, puxou um celular do bolso e discou com movimentos bruscos.
— Marcos. Você vai naquela livraria chique do shopping. Pega um livro bom de astronomia. Capa dura. Com fotos. Uma pausa. Não, porra, não é pra economizar.
Desligou.
Virou-se para Noah, o rosto ainda impassível, mas algo na voz havia mudado:
— Chega em uma hora.
Noah sentiu algo estranho no peito. Quase como... gratidão? Mas era difícil identificar.
— O-Obrigado.
O Sr. Costa fez um ruído entre o riso e o cuspe.
— Jantar às oito. Não vai ser aquela merda enlatada que sua mãe te dava.
E então ele saiu, deixando Noah sozinho com o eco daquelas palavras e o vazio do quarto que, de repente, parecia menos assustador.
Uma Hora Depois
A batida na porta fez Noah se encolher.
— Entra.
Um homem baixo, de terno impecável e expressão neutra, adentrou carregando uma sacola pesada.
— Do Sr. Costa. — Ele colocou a sacola na cama com cuidado incomum para alguém com mãos tão calejadas.
Noah se aproximou devagar. Dentro:
"O Universo: Uma Viagem Visual" — capa dura, lombada prateada refletindo a luz.
"Atlas do Céu Noturno" — com mapas estelares em relevo.
Um pequeno globo de Júpiter, perfeito em detalhes.
Seus dedos tremiam ao passar pelas páginas. Fotos do telescópio Hubble. Diagramas de nebulosas. Tudo em alta qualidade.
— Ele... ele pediu tudo isso?
O homem — Marcos — quase sorriu.
— O chefe falou 'se o garoto gosta de espaço, dá espaço pra ele'. Achei que fosse metáfora.
Quando a porta se fechou, Noah abraçou os livros contra o peito, cheirando o papel novo. Pela primeira vez em anos, algo era dele.
O relógio marcava 19:55 quando Noah ouviu os passos no corredor.
— Desce. — O Sr. Costa não perguntou. Era uma ordem, mas sem a aspereza habitual.
A mesa da jantar era grande demais para dois. Mas nela:
Risoto de cogumelos silvestres (Noah odiava texturas, mas cogumelos eram seguros).
Pão caseiro sem sementes (ele nunca comia as crostas duras).
Um suco de manga gelado (sua preferência desde criança).
Como ele sabia?
O Sr. Costa serviu-se de vinho, ignorando o olhar perplexo de Noah.
— Come. Antes que esfrie.
Noah mastigou devagar. O sabor era... bom. Muito bom.
— ...Por que? — a pergunta escapou antes que pudesse pará-la.
O garfo do Sr. Costa parou no ar.
— Por que o quê?
— Tudo isso. — Noah indicou a comida, o livro deixado na estante, o quarto limpo. Eu... eu não entendo.
O mafioso bebeu um gole longo de vinho. Quando falou, a voz estava diferente — mais velha, mais cansada:
Silêncio.
Noah parou de respirar.
— Agora come seu jantar, Noah.
E pela primeira vez, o nome saiu certo.
O som da chuva batendo na janela era rítmico. Uma gota. Duas gotas. Três. Noah contava mentalmente enquanto secava o cabelo com a toalha macia — diferente daquela áspera que usava em casa.
Batidas pesadas na porta.
— Chefe, tá tudo resolvido. — A voz era áspera, do homem que Noah ouvira ser chamado de Marcos. — Comprou tudo que o senhor pediu. Até a porra da escova de dente com cabo de astronauta.
Noah viu pela fresta da porta entreaberta o Sr. Costa assentindo, contando uma pilha de cédulas sem nem olhar para o subordinado.
— Bota em cima da cama dele.
— Tá bom, mas... o senhor vai mesmo levar o mlk pra escola amanhã? — Marcos parecia confuso. — O Schmidt pode ir, ou eu mesmo—
— Eu vou.
A resposta foi cortante. Os outros homens na sala trocaram olhares. Alguém tossiu.
Noah aproveitou o barulho da chuva para fechar a porta sem fazer barulho.
Uma camiseta preta (tamanho P, algodão orgânico — sem etiquetas para não arranhar).
Um moletom azul-marinho (o mesmo tom do céu noturno em noites sem poluição).
Calça jeans (lavada várias vezes, macia).
Tênis novos (exatamente o mesmo modelo que Noah usava, só que sem os buracos).
Uma escova de dente azul com pequenas estrelas brancas.
Noah passou os dedos sobre os itens, verificando texturas. Tudo... certo. Nada que disparasse alarmes em sua mente.
— Obrigado. — Ele murmurou para o quarto vazio, sabendo que talvez o Sr. Costa ouvisse pelas câmeras que certamente existiam.
O banho foi quente. A água não oscilava de temperatura como no chuveiro velho de casa. Quando se deitou, as cobertas cheiravam a lavanda.
Dezesseis respirações profundas.
Ele dormiu.
A porta rangeu levemente.
O Sr. Costa parou no limiar, observando o vulto curvado sob os cobertores. Noah dormia em posição fetal, uma mão ainda segurando a ponta do moletom novo como uma âncora.
Na mesa de cabeceira:
O globo de Júpiter refletindo a luz da lua.
O livro de astronomia aberto na página de Andrômeda.
Os óculos dobrados com precisão milimétrica.
O mafioso esfregou o rosto, as cicatrizes nas mãos parecendo mais profundas sob a penumbra.
— Que merda tu tá fazendo, Costa? — Ele sussurrou para si mesmo, voz rouca. — Tá ficando mole.
Noah virou-se no sono, um murmúrio escapando:
— ...Tau Ceti tem exoplanetas...
O Sr. Costa congelou. Depois, algo estranho aconteceu.
Um sorriso.
Breve. Quase imperceptível.
— Bobo do caralho. — Ele fechou a porta sem fazer barulho.
O carro preto estacionou em frente à universidade às 7:58 AM.
Noah estava sentado no banco de trás, de moletom novo e mochila organizada (lanche sem texturas estranhas, garrafa térmica com chá de camomila).
— Aula até quando?
— 16h30. — Noah olhou para as mãos. — Tem... tem uma aula prática de identificação de solos hoje.
O Sr. Costa acendeu um cigarro, mas jogou-o pela janela antes mesmo de tragar.
— Tô buscando às 17h. Não anda sozinho.
— ...Por quê?
O silêncio pesou.
— Porque hoje tem tiroteio no Largo. — O mafioso mentiu pela primeira vez para Noah. — Agora vaza.
Quando Noah desapareceu pelo portão, o Sr. Costa pegou o celular.
— Schmidt. Cancela a reunião no bordel. Tô indo pra faculdade ver um negócio.
Do outro lado, o subordinado engasgou.
— Faculdade, chefe?!
— É. E se contar pra alguém, te afogo no aquário de tartaruga do zoológico.
Desligou.
Olhou para o prédio onde Noah havia entrado
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