A jornada até a localização de Nyx não podia seguir pelos caminhos comuns. A Chave de Sombras, em posse de Kayra, os guiaria por trilhas que se abriam entre o mundo real e o tecido oculto da magia primordial. Nenhuma bússola, nenhum mapa conhecido poderia apontar a rota correta. Apenas a essência da própria Kayra, agora entrelaçada com a da Deusa, podia conduzi-los.
Enquanto o grupo descansava brevemente numa clareira oculta, Rayhna observava a filha à distância. Havia algo diferente nela desde o momento em que tocara a Chave. Seus olhos, antes caramelos, oscilavam em tons de âmbar esbranquiçado, como se vissem mais do que o presente.
— Você está preocupada — murmurou Lucien, aproximando-se.
— Ela está amadurecendo rápido demais. Carregando coisas que nem eu entendo completamente — respondeu Rayhna, o olhar distante. — E isso não é apenas poder. É uma fusão.
Lucien abaixou a cabeça. — Nikael também sente. Não fala, mas vejo. Ele tem os mesmos sonhos desde que saímos da cripta.
— Sonhos ou presságios?
Ambos sabiam que não havia diferença quando se tratava dos gêmeos.
Kayra aproximou-se, a Chave em mãos, agora translúcida como cristal fumê.
— Está na hora — disse, com a voz baixa. — A primeira passagem apareceu.
Guiados por ela, caminharam até uma fenda na encosta de uma montanha esquecida, onde a névoa era espessa e o ar pulsava com energia. A entrada da caverna era envolta por três arcos entalhados com símbolos de fogo, vento e memória — os Três Véus.
— Só conseguimos cruzar esse portal se formos vistos por ele — sussurrou Kayra, lembrando das instruções murmuradas pela Chave.
— Vistos? — repetiu Nikael.
— Pelo que realmente somos — completou Rayhna.
Ao passarem sob o primeiro arco, foram separados imediatamente. Cada um foi tragado por uma névoa distinta, caindo em realidades próprias.
[Rayhna – Véu do Fogo]
Ela despertou em um campo em chamas, cercada por guerreiros antigos que a apontavam como traidora. Entre eles, o rosto de seu pai — um homem que ela não via desde antes da transformação.
— Você abandonou sua linhagem! — gritou ele.
— Eu salvei o que pude! — rebateu Rayhna, lutando para sair.
A chama subia em círculos. A verdade era que ela sempre fugira do que significava ser filha de sangue puro. Agora, para seguir adiante, teria que aceitar o que queimava dentro dela: o poder que sempre temeu.
Ao tocar o fogo, não se queimou. Ele a envolveu como parte de si. E o véu se desfez.
[Lucien – Véu do Vento]
Lucien caminhava sobre uma ponte invisível entre precipícios eternos. Ecos de todas as vezes em que foi fraco, em que duvidou de Rayhna, em que se escondeu atrás de ordens e missões, vinham até ele como ventanias cortantes.
Ao fim da ponte, viu a si mesmo em armadura negra, os olhos tomados por escuridão.
— Você se tornou sombra por medo da luz dela — disse sua cópia.
Lucien avançou. Lutaram. E quando cravou a espada em si mesmo, o vento cessou. O medo não sumira, mas agora o obedecia.
[Kayra – Véu da Memória]
Ela flutuava entre cenas do passado — seu nascimento em meio à tempestade, os olhos de Rayhna marejados, a marca invisível deixada pela Deusa. Em cada memória, havia algo oculto, um brilho atrás dos acontecimentos.
Então viu Nyx.
Não como inimiga.
Mas como alguém que a protegê-la desde sempre.
— Você é minha continuação — disse Nyx, dentro do reflexo de uma poça. — E sua escolha definirá se o mundo será dividido ou unificado.
Kayra estendeu a mão, aceitando a lembrança como verdade. O véu se partiu.
[Nikael – Lugar de Entre-Véus]
Ele não foi arrastado para um véu específico. Seu dom o colocava entre os planos. Ele observava a travessia dos outros, sentindo as distorções, ouvindo as vozes além do tempo.
E ali, encontrou o sétimo selo. Não em forma. Mas em nome.
O nome era Kael’thren.
— Você não deve existir — sussurrou uma voz.
— Eu existo — respondeu ele, firme. — E não serei peça de ninguém.
A sala o envolveu. E quando tudo cessou, os quatro estavam de volta, de pé diante da última porta.
Rayhna estava com os olhos vermelhos. Lucien mais firme. Nikael com o nome do selo gravado em sua mente. E Kayra... Kayra agora brilhava em pequenas faíscas de luz branca.
— Passamos. — Ela disse.
A última porta se abriu com um som grave. No horizonte, além das montanhas do céu invertido, estava ela. Nyx. Esperando.
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Atualizado até capítulo 29
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