Chave de Sombras

A floresta silenciou após o nome ser dito. Nyx. O nome soava como um eco de todas as decisões não tomadas, de todas as verdades guardadas em segredo profundo. Até mesmo os pássaros, antes atentos às movimentações do grupo, pareceram abandonar os galhos em respeito ou temor.

— Tem certeza? — perguntou Lucien, o punho cerrado.

Nikael assentiu. — Ela guarda o sexto selo. Mas não como um artefato. Ela é o selo. Ou parte dele.

Rayhna engoliu em seco. O sangue em suas veias pareceu congelar por um instante. Nyx era um nome que se recusava a desaparecer da história, mesmo após séculos. Mesmo depois da ruptura, da traição e do preço pago.

— Não faz sentido ela ainda estar viva — sussurrou Rayhna, mais para si do que para os outros. — Se fosse, já teria se manifestado...

— Talvez estivesse esperando por esse momento — disse Kayra, os olhos brancos voltando aos tons caramelo lentamente. — Ou por mim.

Eles caminharam até o limite da clareira e cruzaram a trilha escondida que levava à antiga cripta dos G’halan, um lugar sagrado e selado desde o final da Primeira Convergência. Lá, segundo as runas, estaria guardada a Chave de Sombras — a única forma de localizar Nyx sem invocar sua presença diretamente.

O ar ficou mais denso conforme avançavam. As árvores, outrora vibrantes, estavam nuas, retorcidas, como se o tempo não lhes pertencesse mais. As raízes surgiam do solo como dedos pedindo socorro. Era um lugar onde a magia não apenas residia, mas se contorcia.

— Vocês sentem isso? — murmurou Lucien. — É como andar sobre lembranças.

— São memórias dos que foram selados aqui — respondeu Rayhna, tocando uma das pedras. — Os G’halan não morreram. Foram enterrados vivos com suas profecias.

Kayra parou. — Eles estão acordando.

Nikael puxou a espada curta que Rayhna lhe confiara. — Se eles acordarem completamente, teremos um problema.

Mas era tarde.

Uma fenda se abriu à frente, e sombras escaparam como fumaça negra. Formas sem rosto, com braços alongados e bocas costuradas, avançaram em silêncio.

Rayhna levantou a mão, e uma aura vermelha explodiu em torno do grupo. Lucien girou a adaga curva em movimentos precisos, cortando o ar com maestria. Nikael e Kayra permaneceram próximos, protegidos pela barreira mágica da mãe.

As criaturas não emitiam sons, mas a dor que exalavam podia ser sentida como uma lâmina cortando a alma. Um dos espectros agarrou o braço de Lucien, deixando uma marca profunda que queimava e pulsava com runas negras.

— Eles estão marcando a linhagem — disse Rayhna. — Isso é uma sentença. Precisamos ir direto à câmara da Chave!

Ela correu na frente, guiada pela lembrança da última vez que estivera ali. O corredor da cripta se abriu entre colunas de ossos e espelhos quebrados, que refletiam versões distorcidas de cada um deles. Reflexos onde Rayhna chorava, Lucien morria, Nikael desaparecia e Kayra era consumida por luz branca.

Atravessaram o salão dos reflexos e chegaram à porta de mármore negro. No centro, uma fechadura em forma de espiral com inscrições em uma língua ancestral.

Kayra aproximou-se e, sem hesitar, pressionou os dedos sobre o símbolo. A porta se abriu lentamente, revelando uma sala circular iluminada por uma luz que não vinha de lugar algum.

No centro da sala, repousava um objeto suspenso no ar: a Chave de Sombras. Não era de metal. Era feita de essência: sombras condensadas, como um cristal líquido e escuro em forma de chave.

Rayhna estendeu a mão, mas a voz da Deusa ecoou de novo:

“Somente quem vê o que não existe pode tocá-la.”

Nikael olhou para Kayra. Ela compreendeu sem precisar de palavras. Aproximou-se do pedestal e fechou os olhos. Quando os abriu, estavam outra vez brancos.

Ela estendeu a mão.

E a Chave desceu.

Ao tocá-la, uma onda de sombra percorreu todo o salão, e os espelhos quebrados nas paredes se reconstituíram. Mas agora, ao invés de refletirem o grupo, mostravam cenas de lugares desconhecidos: montanhas flutuantes, oceanos invertidos, cidades feitas de espinhos e fogo, e no centro de todas, ela — Nyx.

Alta, de cabelos prateados como poeira estelar, olhos que alternavam entre negro absoluto e branco divino. Ela estava em todos os espelhos. Observando. Esperando.

Kayra recuou, e a Chave brilhou em sua mão como se pulsasse com um coração próprio.

— Ela sabe que a encontramos — disse Kayra.

Rayhna assentiu. — Mas não virá até nós. Vamos até ela.

Lucien apertou o punho, ainda com a marca negra brilhando. — E se for uma armadilha?

— Então será a última armadilha que ela cria. — Rayhna olhou para os filhos. — O tempo de fugir passou.

No reflexo de um dos espelhos, Nyx sorriu.

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