A trilha da floresta de Narthalen continuava a mudar sob os pés do grupo, moldando-se conforme o estado de espírito dos que a atravessavam. Rayhna caminhava com Kayra nos braços, que ainda não despertara do transe invocado pela pedra das runas. O corpo da menina ardia, mas não de febre — era magia pura atravessando seus ossos, pele e alma.
Lucien mantinha-se vigilante à retaguarda, com os sentidos esticados ao máximo. Nikael ia ao centro, silencioso, os olhos cor de prata varrendo cada sombra e cada dobra do silêncio como se pudesse ver através do tempo. Ele não dizia nada desde o momento em que a voz da Deusa ecoou.
Rayhna parou abruptamente quando a vegetação adiante se abriu por vontade própria, revelando um altar de pedra coberto por musgo antigo e flores que jamais haviam sido catalogadas. Acima do altar, uma marca flamejante desenhava no ar o símbolo do sexto selo: o Olho da Deusa.
— É aqui — murmurou Rayhna, sentindo a palma da mão formigar com uma queimadura invisível.
Lucien se aproximou devagar. — Tem certeza?
— Mais do que tive sobre qualquer coisa nos últimos séculos. — Ela colocou Kayra suavemente sobre o altar. A pedra aceitou o peso da menina como se fosse feita de carne. — Este lugar foi feito para isso.
Nikael se aproximou, mas foi detido por uma força invisível.
— Só ela pode ficar — alertou Rayhna. — Este selo exige prova.
Lucien franziu a testa. — Que tipo de prova?
— Sangue e decisão. — Ela olhou para a filha. — Mas não é dela. É minha.
O altar brilhou por baixo do corpo de Kayra, revelando inscrições em uma língua perdida, mas que Rayhna compreendia como se fossem memórias. Seus dedos tocaram a pedra.
[Trecho em flashback]
Séculos atrás, antes do primeiro pacto, Rayhna estivera naquele mesmo lugar, ainda como mensageira da linhagem perdida dos Nevarin. Havia sido Nyx quem a conduzira até ali naquela época. Nyx, com seus olhos inumanos e palavras sempre ambíguas, murmurara:
— Um dia você trará aqui aquilo que mais ama. E perderá. Ou salvará o mundo com isso.
Ela não compreendeu naquela noite. Mas agora tudo fazia sentido.
[Fim do flashback]
Rayhna respirou fundo e cortou a própria palma com a adaga ancestral que sempre mantinha presa ao quadril. O sangue escorreu sobre as inscrições, que imediatamente se acenderam em tons de âmbar.
Kayra se arqueou sobre o altar, os olhos ainda fechados. A runa acima se rompeu em chamas suaves e desceu lentamente até tocar a testa da menina.
No mesmo instante, uma explosão de vento varreu a clareira, fazendo Lucien proteger Nikael com o próprio corpo. As árvores não se moveram, mas os espíritos ao redor — sim. Podia-se ouvi-los, cantarolando canções de épocas anteriores à própria criação dos selos.
A voz da Deusa retornou, agora sussurrando apenas para Rayhna:
“Você ofereceu sem saber se teria retorno. Por isso é digna. Mas a linhagem dela precisa escolher.”
Rayhna recuou, e Kayra abriu os olhos. Não dourados. Não prateados. Mas inteiramente brancos.
— Mãe? — disse a menina, com um tom de voz que misturava si mesma e algo muito mais antigo.
— Estou aqui. — Rayhna tentou não demonstrar medo.
— Eu vi os outros. Três deles. Um não sabe que guarda o sétimo selo. E o último... está dentro de mim. — As palavras saíam entrecortadas, como fragmentos de uma profecia viva.
Lucien se aproximou. — O que você viu?
— A queda. A cidade submersa. A sala de espelhos. E uma mulher com olhos brancos como os meus. — Kayra se sentou com esforço. — Ela me chamou de herdeira. Mas não disse do quê.
Nikael se aproximou. — Ela está em você desde que nascemos, não é? — perguntou à irmã.
— Não em mim — respondeu Kayra. — Em nós.
Rayhna e Lucien trocaram um olhar de tensão. A Deusa havia escolhido. Mas ainda não revelara o que desejava em troca.
As árvores ao redor começaram a sussurrar em uníssono. As folhas brilhavam como se fossem feitas de vidro líquido. A floresta sabia que o tempo de esconder havia terminado. Agora era tempo de se preparar.
Rayhna ajudou Kayra a descer do altar. A menina parecia mais leve, como se tivesse deixado algo ali. Ou absorvido algo maior do que ela mesma.
— Ainda temos que encontrar os três últimos selos — disse Lucien. — Mas se ela já carrega um...
— Isso muda tudo — completou Rayhna. — Principalmente quem irá atrás dos outros dois.
Nikael se adiantou, o rosto iluminado pela luz sobrenatural que ainda pairava no altar.
— Eu sei onde está o sexto. E não é um lugar. É uma pessoa.
O silêncio foi quase absoluto. A clareira escureceu brevemente, e o símbolo do Olho da Deusa desapareceu.
— Quem? — perguntou Rayhna, mesmo já temendo a resposta.
— Nyx — disse Nikael.
A floresta estremeceu.
E com ela, o próprio destino.
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Atualizado até capítulo 29
Comments