Narthalen Respira

A viagem até a floresta de Narthalen foi silenciosa. Não havia necessidade de palavras quando o destino era mais antigo que o tempo, quando cada passo ecoava memórias de guerras esquecidas e pactos quebrados. O grupo avançava pela mata, protegidos por encantamentos que Lucien selava com o próprio sangue. Rayhna ia à frente, guiada pelo chamado invisível que sussurrava através dos galhos.

Kayra caminhava entre os pais, sentindo o chão vibrar com uma frequência que ninguém mais parecia captar. Seus olhos, agora dourados, refletiam os fragmentos de luz filtrados pelas copas das árvores. Nikael a seguia de perto, os sentidos aguçados, como se algo o observasse desde muito antes de sua chegada.

A entrada da floresta viva se revelou como uma fissura entre dois carvalhos retorcidos. O ar ali era mais denso, mais frio. Os ruídos cessaram, e apenas os corvos sobrevoavam o topo das árvores. Rayhna sentiu uma leve pressão no peito quando atravessou o limiar, como se estivesse passando por uma barreira invisível.

Do outro lado, a paisagem era outra. Árvores antigas com folhas negras, raízes pulsantes e líquenes dourados cobriam tudo como véu. Havia magia ali. E ela não era neutra.

— Estamos sendo observados — sussurrou Nikael, os olhos prateados por um breve instante.

— Ela sabe que viemos — murmurou Kayra, tocando uma raiz espessa que tremia sob seus dedos. — A floresta é parte da Deusa.

Lucien colocou a mão no punho da espada, mais por instinto do que por ameaça iminente. — Qual o caminho até o selo?

— Não existe um caminho — respondeu Rayhna. — A floresta se molda ao merecedor.

Como se em resposta, as árvores começaram a se afastar levemente, abrindo um corredor de sombras e brilho etéreo. O grupo avançou, atentos aos menores movimentos.

Por horas seguiram, até que chegaram a um pequeno lago negro. No centro, uma pedra coberta por runas antigas brilhava em azul.

— É ali — disse Kayra, andando à frente.

Rayhna a segurou. — Você não vai sozinha.

— Preciso tocar o selo, mãe. Ele foi chamado por mim.

Lucien assentiu lentamente. — Estaremos logo atrás.

Kayra caminhou até a beira da água. A superfície era lisa como espelho, refletindo o céu acima e, estranhamente, rostos que não pertenciam a eles. Ela respirou fundo, fechou os olhos e pisou na água. Nenhuma onda. Nenhuma reação. Apenas silêncio.

Nikael segurou o relicário de prata com força, sentindo um calor estranho irradiar de dentro dele.

Quando Kayra tocou a pedra no centro, a floresta vibrou. Um som grave percorreu os troncos, sacudindo folhas e almas. A runa acendeu, e os olhos de Kayra brilharam como lâminas de ouro líquido.

Uma voz falou, vinda de todos os lugares e de nenhum. Era a Deusa. Mas não a voz suave de antes. Agora era severa, imponente, ancestral.

“Cinco despertos. Dois por sangue. Dois por sombra. Um por luz. A escolha será feita.”

Kayra caiu de joelhos. Nikael correu até ela, a tempo de segurá-la antes que batesse a cabeça. Seus olhos estavam abertos, mas não o viam. Ela sussurrava em uma língua esquecida, e seu corpo tremia com leves espasmos.

Rayhna e Lucien se aproximaram. Rayhna colocou as mãos sobre a filha e murmurou antigos encantamentos para estabilizá-la.

— O que está acontecendo? — perguntou Lucien, a voz tomada pela urgência.

— O selo a reconheceu. Mas ele também abriu portas que estavam seladas dentro dela — explicou Rayhna. — Portas que nem mesmo eu ousaria tocar.

Kayra parou de falar e desmaiou. Nikael a abraçou, mas não chorou. Seus olhos voltaram a brilhar em prata.

— Eles virão — disse ele. — Os que guardam os três selos restantes. Eles sentiram a abertura do quinto.

Rayhna se levantou, o rosto pálido.

— Precisamos sair daqui. Agora.

Lucien a ajudou com Kayra, e juntos recuaram pela floresta. Mas a trilha não era mais a mesma. O caminho havia se fechado.

— Ela está nos testando — disse Rayhna. — Narthalen não libera o merecedor... ela o transforma.

Ao longe, sinos começaram a tocar. Sinos que não existiam. Sinos que só podiam ser ouvidos por aqueles que tinham sangue destinado a mudar o mundo.

E naquela noite, os filhos da União Proibida haviam tocado o destino.

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