Capítulo 3: A Manhã Silenciosa e o Gosto Amargo
O sol da manhã já espreitava timidamente pelas cortinas baratas do apartamento de Charlotte no Brooklyn quando ela chegou. O ar frio da madrugada ainda se agarrava à pele, mas era o frio na boca do estômago que a fazia tremer. Ela abriu a porta do seu pequeno lar em silêncio, como se o barulho pudesse despertar a culpa que pesava em seus ombros. A bolsa caiu no chão com um baque abafado, e ela mal teve forças para se jogar no sofá, ainda vestida com as roupas amassadas da noite anterior.
A mente de Charlotte era um turbilhão. Imagens vívidas do escritório de Ethan, da mesa, do quarto proibido, passavam como um filme rápido. O toque dele, a intensidade, os sussurros... e então o vazio gélido do arrependimento. Por que ela havia deixado acontecer? O quão ingênua tinha sido em pensar que poderia simplesmente se entregar a um momento de loucura e depois voltar à sua vida normal? A faculdade, o trabalho, o sonho de design – tudo parecia subitamente em risco. Uma lágrima solitária escorreu pelo seu rosto, traçando um caminho frio. Ela pegou o celular, as mãos ainda um pouco trêmulas, e viu que Henrique, o cara da balada, havia enviado mais uma mensagem: "Tudo bem? Ficou tudo quieto por aí...". Por um momento, a culpa por ele se somou à avalanche de outras preocupações, mas ela logo descartou a ideia de responder. Tinha problemas muito maiores para resolver.
Enquanto isso, no luxuoso apartamento no alto de Manhattan, Ethan despertou lentamente. A luz da manhã filtrava-se pelas persianas, pintando listras no lençol de seda. Ele esticou um braço para o lado, esperando encontrar o corpo quente de Charlotte, mas encontrou apenas o vazio e o tecido frio. Seus olhos se abriram, percorrendo o espaço ao lado dele na cama. Estava intocado, como se ela nunca tivesse estado ali. Uma sensação de estranhamento o invadiu. Ele se sentou na cama, os músculos ainda um pouco doloridos da noite de paixão. Sua primeira parada foi o escritório, o lugar onde tudo começou. O ambiente estava exatamente como eles o haviam deixado – as almofadas fora do lugar na poltrona, uma taça de vinho quase vazia sobre a mesa... mas não havia sinal das roupas ou pertences de Charlotte. Apenas um vazio, uma ausência que gritava mais do que qualquer peça de roupa esquecida. As coisas estavam reviradas, a cadeira virada, os papéis espalhados – a desordem deixada pela urgência da paixão, um cenário mudo que confirmava que algo muito intenso havia acontecido ali. Um misto de frustração e uma pontada inesperada de decepção atingiu Ethan. Ele não sabia o que esperar dela depois de uma noite tão intensa, mas certamente não era um desaparecimento silencioso e completo. O sorriso vitorioso que ele costumava exibir no ringue deu lugar a uma expressão pensativa. Aquela noite havia sido... diferente. E agora, a partida dela deixava um gosto amargo e uma série de perguntas sem respostas.
A Confrontação Matinal
No apartamento do Brooklyn, Charlotte se forçou a sair do sofá. A ressaca emocional ainda lhe apertava o estômago, mas a realidade bateu forte: ela tinha um emprego. Um emprego que pagava suas contas e sua faculdade. Ela não podia se dar ao luxo de sumir. Com uma determinação amarga, ela tomou um banho rápido, quase gelado, na tentativa de afastar os vestígios da noite. Em frente ao espelho, aplicou uma camada generosa de maquiagem, especialmente corretivo, determinada a esconder as olheiras profundas que entregavam sua noite de sono quase inexistente. Penteou os cabelos, vestiu seu blazer mais formal, tentando recompor a secretária impecável que ela sempre fora. Seus olhos tinham uma nova dureza. Ela precisava ir para o trabalho mais cedo do que o habitual, antes que os outros funcionários chegassem. Ela tinha que controlar a narrativa.
Chegou ao apartamento de Ethan com o sol ainda nascendo, usando a chave de serviço. A casa estava silenciosa, os vestígios da noite anterior ainda presentes para seus olhos – a taça na mesa do escritório, a cama no quarto desarrumada. Ignorou tudo. Dirigiu-se à sua mesa, acionou o computador e começou a organizar os e-mails e a agenda do dia de Ethan com uma eficiência robótica.
Não demorou muito para Ethan aparecer. Ele desceu as escadas, a camisa desabotoada, o cabelo levemente despenteado, e parou abruptamente ao vê-la ali, já trabalhando. Seus olhos, que ainda carregavam o peso do desapontamento matinal, se arregalaram. Ele a fitou, surpreso pela aparição, e Charlotte sentiu o ar vibrar com a tensão não dita entre eles.
Com uma formalidade forçada que doía na garganta, Charlotte levantou os olhos do tablet, evitando o olhar direto dele. "Bom dia, Sr. Monteiro," sua voz era monótona, profissional, sem um pingo da sensualidade da noite passada. Ela ignorou a expressão de surpresa dele. "Tenho sua agenda pronta para hoje. Às nove, reunião com o patrocinador X. Às dez, entrevista coletiva sobre a próxima luta. Às onze e trinta, sessão de fisioterapia. Seus e-mails mais urgentes já foram respondidos. Precisamos revisar os termos do contrato de patrocínio no final do dia." Ela recitou tudo de uma vez, como uma máquina, as mãos firmes no tablet, seu corpo uma barreira impenetável de profissionalismo. O olhar dele sobre ela era intenso, quase queimando, mas ela se recusou a ceder.
Ethan a observava com uma mistura de incredulidade e uma irritação crescente. A postura rígida dela, a voz sem emoção, a formalidade excessiva — era como se ela estivesse tentando apagar a noite inteira. Ele apertou os lábios, a mandíbula tensa.
"Sr. Monteiro?" A voz dele saiu em um tom baixo e perigoso, carregado de uma formalidade irônica que espelhava a dela. Ele deu alguns passos, parando bem em frente à mesa dela, dominando o espaço. "Você teve uma noite agitada, Charlotte?" Sua voz estava carregada de sarcasmo, os olhos escuros fixos nos dela, buscando uma reação, uma faísca. Ele não queria apenas a agenda.
Charlotte respirou fundo, forçando-se a manter a calma. "Minha vida pessoal não interfere no meu trabalho, Senhor Monteiro. Como disse, a agenda está pronta. Há algo mais que precise?" A voz dela era fria, um escudo.
Um sorriso amargo distorceu os lábios de Ethan. Ele se inclinou sobre a mesa, diminuindo a distância entre seus rostos. "Ah, Charlotte. Acha mesmo que pode aparecer aqui como se nada tivesse acontecido?" Ele sussurrou, a voz apenas audível para os dois. "Você fugiu no meio da noite. Pensei que estivéssemos... em outro nível depois do que aconteceu aqui." Seus olhos desceram para os lábios dela, depois para o pescoço. "Você não sente nada, Charlotte?"
Ele estendeu a mão lentamente, seus dedos buscando os dela sobre a mesa. As mãos de Charlotte, antes firmes no tablet, começaram a tremer incontrolavelmente, um tremor que ela tentou, em vão, esconder.
"Ou você já esqueceu?" Ethan continuou, o olhar dele perfurando o dela, ignorando a mão dela que se recolhia minimamente.
O rosto de Charlotte empalideceu, mas ela se manteve firme, lutando contra o impulso de ceder ou de gritar. "Eu me lembro perfeitamente de tudo. E é exatamente por isso que estou agindo profissionalmente, Sr. Monteiro. Aquele foi um erro. Uma... imprudência. Que não se repetirá." Cada palavra era uma facada, tanto para ele quanto para ela.
Ethan endireitou o corpo, a irritação evidente em sua expressão. "Uma imprudência, Charlotte? É assim que você define o que aconteceu entre a gente?" Ele balançou a cabeça lentamente, um brilho perigoso em seus olhos. "Você acha que é um erro e acabou? E se eu não tiver afim de esquecer?" Ele deu mais um passo, diminuindo ainda mais a distância entre eles. "Você é minha secretária, Charlotte. E é melhor que se lembre disso. Mas que não se esqueça também que sou seu chefe." O aviso era claro, a ameaça velada pairando no ar. O clima no escritório tornou-se sufocante, carregado de uma mistura de ressentimento e desejo reprimido.
A resposta dela veio rápida, quase automática, como se tivesse ensaiado mentalmente a noite toda. "O que aconteceu entre nós, Sr. Monteiro, foi fora do horário de trabalho." Ela ergueu o queixo, desafiando-o com o olhar. "Portanto, não configura desrespeito às minhas obrigações profissionais. Estou aqui para trabalhar e vou cumprir todas as minhas funções com a mesma dedicação de sempre." Ela não baixou o olhar, mesmo que seu coração martelasse contra as costelas. Era uma linha clara, um limite que ela tentava desesperadamente impor.
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Atualizado até capítulo 50
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