Passei a noite em claro.
Deitada na cama enorme que cheirava a um perfume amadeirado e escuro, eu encarava o teto como se pudesse arrancar respostas dele. A boca ainda formigava do beijo. E a mente... minha mente era um campo de guerra, onde o inimigo usava meu próprio corpo contra mim.
Eu odiava a forma como Caim me invadia. Como ele me marcava sem tocar a pele. Ele era o tipo de homem que se infiltrava pelos poros, pelas brechas, pelas rachaduras que eu acreditava ter fechado há muito tempo.
Mas o pior não era o que ele fazia comigo. Era o que despertava em mim.
Havia desejo. Havia raiva. Havia... curiosidade.
E eu sabia que essa combinação era fatal.
Levantei antes do sol nascer, os pés descalços tocando o chão frio do quarto. A mansão estava silenciosa, o tipo de silêncio que precede tempestades. E eu sentia que uma estava a caminho — talvez dentro de mim, talvez entre nós, talvez além dos portões daquela prisão dourada.
Abri a porta devagar e caminhei pelo corredor. Não sabia ao certo para onde estava indo. Só sabia que precisava respirar. Pensar. Fugir, nem que fosse por alguns minutos, da sombra de Caim.
Desci as escadas e encontrei a cozinha vazia, mas organizada demais para ser real. Peguei uma maçã da fruteira como se aquilo fosse um ato de rebeldia. E talvez fosse. Um gesto simples. Humano. Em um lugar onde tudo parecia encenado.
— Você anda como um fantasma.
A voz veio da lateral. Me virei bruscamente e o vi.
Mirko.
Ele estava encostado na parede, camisa escura, olhos que pareciam saber mais do que deveriam. Era difícil decifrá-lo. Sempre em silêncio, sempre observando. Mas havia algo nele que não era tão... endurecido quanto Caim.
— E você surge como um — respondi, mordendo a maçã com força.
Ele sorriu de leve, quase imperceptível.
— Está se adaptando?
Soltei uma risada curta e amarga.
— Isso aqui não é um hotel de luxo, é um cativeiro. E eu não sou do tipo que se adapta ao que não escolheu.
Mirko assentiu lentamente, os olhos analisando cada palavra minha como se as guardasse.
— Caim é um homem complicado. Mas não é seu inimigo.
— Não? — perguntei, cruzando os braços. — Então o que ele é?
O silêncio dele durou mais do que deveria.
— Talvez ele seja o que você precisa para descobrir quem realmente é.
Bufei.
— Não preciso de um homem que me comprou para isso.
Mirko deu dois passos à frente. Seu olhar tinha mudado. Estava mais sério. Mais sombrio.
— Ele te comprou, sim. Mas não por prazer. Não por simples dominação. Tem mais por trás disso do que você imagina.
Fiquei parada, engolindo o que restava da raiva, da fruta e da dúvida.
— Por quê? — perguntei. — Por que você está me dizendo isso?
Ele me encarou.
— Porque há coisas se movendo fora dessas paredes. Pessoas que querem Caim morto. E se acharem que você é um ponto fraco, vão usar você.
O chão pareceu sumir por um instante.
— Eu? — repeti, engolindo seco.
— Sim. Você não é invisível, Luna. Muito menos inútil. Há olhos em você. E nem todos são de Caim.
Fiquei em silêncio. A maçã agora parecia amarga demais.
— E ele sabe disso?
Mirko deu um leve sorriso.
— Ele sempre sabe.
Antes que eu pudesse perguntar mais, ele se afastou, sumindo no corredor como uma sombra.
Fiquei ali por mais alguns minutos, o gosto metálico da verdade se misturando com o medo.
Eu estava no meio de algo muito maior. Algo que ia além de um contrato, além de uma mansão com paredes altas e câmeras escondidas.
Caim não era meu único problema.
E talvez... talvez ele fosse a única coisa entre mim e o fim.
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Atualizado até capítulo 69
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