🐺 Capítulo 5 – "Ausência"
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O mundo estava quieto demais.
Um silêncio espesso, quase vivo, se infiltrava em sua pele como névoa.
A ruiva abriu os olhos devagar, como se temesse que o próprio movimento acordasse algo pior do que ela.
O teto era de pedra escura, coberto de musgo. Frestas deixavam passar uma luz esverdeada e difusa — estranha, como se o ar ali fosse antigo demais para ser respirado.
Ela estava coberta por peles grossas. Havia um cheiro de ervas.
De terra molhada. De cuidado.
Mas tudo soava… errado.
Ela se sentou, arfando.
O ombro latejava com uma dor profunda, quase viva.
O peito queimava.
Não de febre.
De vazio.
Tocou o curativo. Bem feito. Justo.
O corpo… era forte.
Mas não parecia dela.
As mãos tremiam. As unhas sujas.
O coração batia fora de ritmo.
Ela passou a mão pelo rosto. Pela nuca. Pelo peito.
> Nada. Nenhuma lembrança. Nenhuma imagem. Nenhum nome.
Tentou formar palavras, mas a língua parecia pesada demais.
> “Quem...?”
A pergunta morreu antes de nascer.
A mente era um lugar desmoronado.
Havia flashes. Formas. Mas tudo afundava na lama.
Uma queda.
Um som agudo.
Rostos sem olhos.
Uma sensação de estar sendo... puxada.
Ela respirou fundo. Deitou de novo.
Olhou para o teto até ele se desfazer.
O mundo ali era sólido demais para um corpo que não sabia se existia.
> “Você veio de algum lugar.
Mas… veio como?”
A pergunta apareceu sozinha.
E machucou.
Ela apertou os olhos.
Uma palavra queria sair. Um nome.
Algo que vibrava na língua.
Mas que não conseguia romper o esquecimento.
Como se houvesse um vácuo dentro da identidade.
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O abrigo era pequeno, silencioso.
Organizado. Intocado.
Um espaço construído por alguém que entendia perigo. E perda.
Ela sentiu o cheiro da fumaça velha. Do couro. Do sangue seco que não era seu.
Se virou para o lado onde o calor ainda morava.
Os olhos ficaram abertos.
Fixos.
> “Alguém me salvou.
Mas por quê?”
O peito apertou.
Como se a pergunta tocasse em algo que…
não devia ser lembrado.
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A cela era viva. Feita de raízes entrelaçadas como dedos gigantes.
Elas se moviam devagar, apertando o espaço conforme a raiva da floresta crescia.
Ali dentro, tudo cheirava a terra molhada, sangue velho e sentença.
Nix estava sentada com os joelhos abertos, cotovelos apoiados, cabeça baixa.
O cabelo escuro caía como uma cortina sobre metade do rosto.
Mas o piercing no lábio inferior… esse brilhava. Sempre brilhava.
A trança longa nas costas estava bem feita. Um traço de disciplina onde o resto era caos.
Na mão direita, a faca de meia-lua girava devagar entre os dedos.
Com a outra, ela estalava os dedos. Um por um.
> Estalo. Promessa. Raiva.
Umbra não voltava.
> “Tudo bem,” pensou, amarga. “Já me acostumei com ausências.”
Então o ar mudou.
Não foi som de passos. Foi o silêncio deles.
O espaço reconheceu a presença antes dela entrar.
Verena.
Ela atravessou o vão com tranquilidade demais.
A cela se abriu sem um som, como se as raízes também a obedecessem.
Verena usava roupas escuras. Coladas ao corpo.
Mãos nuas. Olhar mais afiado que qualquer lâmina.
Nix não se levantou. Só ergueu o olhar, e com ele, um sorriso enviesado — mais escárnio do que charme.
> “Veio me ver desmoronar?”
Verena não respondeu.
Ficou à frente dela.
Perto.
Muito perto.
Calor contra pele. Respiração contra pensamento.
> “Por que voltou com o cheiro dela?”
A pergunta veio seca. Sem cerimônia.
Como uma faca já embainhada.
Nix travou o maxilar.
Passou a língua no piercing. Metal frio contra a boca quente. Hábito antigo.
> “Você não quer saber.”
Verena abaixou.
Os olhos firmes. Sem raiva. Só intensidade.
Só fogo que arde quieto.
Os dedos dela se ergueram devagar.
Pararam a dois centímetros do piercing.
Silêncio.
O ar entre elas quase tremia.
> “Você sempre volta cheirando a coisa que vai te quebrar.”
Verena se ergueu.
Virou.
Foi embora.
> Não fechou a porta.
Nix ficou.
Sozinha de novo.
Mas o rosto queimava.
E lá no fundo, o lobo… sentia cheiro de sangue no horizonte.
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🐾 Umbra (surgindo da sombra, voz baixa):
— Ela vai te matar.
🗡️ Nix:
— Não primeiro.
🐾
— Você sente cheiro de medo?
🗡️
— Em quem?
🐾
— Em todas elas.
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...🌑 Fim do Capítulo 5...
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Atualizado até capítulo 29
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