A respiração dela estava calma demais.
Suave. Constante.
Como se o corpo já soubesse que alguma coisa estava prestes a acontecer.
A febre tinha baixado.
Rápido demais.
Meus olhos — azuis, quase brancos — estavam fixos nela.
Umbra também observava, deitado no canto da caverna.
Mas sua cauda se moveu. Uma única vez. Curta. Tensa.
Algo estava errado.
O estalo da madeira no fogo ecoou nas paredes úmidas.
As chamas projetavam sombras dançantes no teto de pedra.
Virei o peixe seco na brasa, tentando manter a mente ocupada.
Eu não comia direito há dias.
E ainda assim... estava dividindo o que tinha com uma estranha.
Uma que caiu de um portal instável.
Uma que sobreviveu ao impossível.
Uma que tem aquele maldito rosto.
Bonito. Firme. Vivo.
E agora... estranho demais.
---
Meus cabelos curtos balançaram com a brisa que entrava pela fenda.
A trança solta descia pelas costas, roçando meu pescoço.
Me lembrando quem eu era.
E quem eu precisava continuar sendo.
Um som. Pequeno.
Não veio dela.
Veio do chão.
Um movimento contido. Um suspiro engolido.
Virei no mesmo instante — e lá estava ela.
De pé.
Tonta.
Com uma faixa de pano curativo na mão... como se fosse uma arma.
Ridícula.
Mas determinada.
— Você vai desmaiar de novo — avisei, sem me levantar.
Ela não respondeu. Tentou correr.
Quase.
Antes que alcançasse a saída, eu já tinha me movido.
Segurei seu braço. Puxei sua cintura.
O corpo dela bateu no meu — quente, instável.
Ela girou com dificuldade.
Caiu de costas.
E eu caí por cima.
---
Meus joelhos travaram suas coxas.
Minhas mãos nos ombros dela.
O rosto dela a dois dedos do meu.
Olhos vermelhos, intensos.
Respiração falha.
Boca entreaberta.
Ela me olhou.
Pra minha boca.
Pro piercing.
E não desviou.
— Você... também é feita de gelo.
A voz saiu baixa. Rouca.
Sotaque estranho.
Mas firme.
Aquilo me travou.
Não pelas palavras.
Pelo tom.
Como se ela soubesse. Sobre mim. Sobre... isso aqui dentro.
— Não sabe nada sobre mim — retruquei, seca.
— Sei sim — ela murmurou.
— Eu vi você... antes de cair.
---
O chão tremeu.
Não um terremoto.
Uma vibração profunda.
Como se a floresta tivesse tossido.
Ou cuspido algo de volta.
Umbra se ergueu num salto.
Os olhos dele brilharam — não azuis.
Mas escuros. Quase prateados.
Ele rosnou.
Me levantei no mesmo segundo.
A faca já na mão.
Foi aí que vi.
Saindo da neblina...
Entre as sombras...
Um lobo.
Mas não um lobo.
Torto. Desalinhado.
Como se os ossos tivessem sido montados às pressas, um dos braços estava cortado o sangue escorria, mas ele parecia não notar.
E os olhos? Humanos.
Cheios de dor.
E fome.
Umbra avançou.
Um salto. Um rugido.
Mas antes que alcançasse a criatura...
Ela falou.
Uma palavra.
Só uma.
Em uma língua que eu não entendi.
Mas a floresta entendeu.
O lobo... parou.
Umbra quase o rasgou no ar —
Mas eu gritei:
— UMBRA, NÃO!
Ele congelou.
Me olhou.
Como se eu tivesse traído algo entre nós.
Num segundo... ele sumiu.
Nada de pegadas.
Nada de sangue.
Nada de som.
Nem lobo.
Nem Umbra.
---
A garota ainda estava no chão.
O olhar preso em mim.
Eu queria gritar.
Empurrar. Questionar.
Mas tudo que saiu foi:
— Por que me salvou?
Ela respirou fundo.
— Não sei — respondeu.
— Men_ti_ra — sibilei.
Ela não retrucou.
Só me olhou.
Como se soubesse demais.
---
> 🐾 Umbra (voz distante):
— Ela é perigosa.
Kaia:
— Você também.
Umbra:
— Não no mesmo sentido.
Kaia:
— Você tá com ciúmes?
Umbra:
— Não. Tô com medo.
Kaia:
— ...Isso é novo.
Umbra:
— Exato.
---
🌙 Capítulo 3 – Fim.
---
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Atualizado até capítulo 29
Comments