🌕 ENTRE LOBOS E PORTAIS
🐺 Capítulo 2
A noite ficou mais fria depois que ela chegou.
Um frio que não vinha apenas do ar gélido da floresta, mas de uma premonição estranha que se instalou em mim — como um peso que não se via, só se sentia.
Levei a estranha até um abrigo de pedra coberto de raízes e musgo — um refúgio natural que uso nas rondas.
Longe o suficiente do portal pra me dar uma falsa sensação de segurança.
Perto demais pra eu ficar tranquila.
A respiração dela era curta, ofegante, como se o ar queimasse por dentro dos pulmões.
O corpo, trêmulo, indicava febre alta.
Ela devia estar morta.
Pela lógica, pela ferida, pela queda.
Mas não estava.
E isso me incomodava profundamente.
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Acendi uma fogueira pequena, com gravetos secos que escondo debaixo da terra.
Cada chama lutava contra o frio da floresta, dançando e projetando sombras distorcidas nas paredes rochosas.
Ela ainda não abriu os olhos, mas se mexe às vezes — um tremor no ombro, um suspiro rouco.
Umbra fica ao fundo, enrolado em silêncio, os olhos de brasa fixos nela.
Até ele parece nervoso.
E quando Umbra se inquieta... eu escuto.
Ajoelho ao lado dela. Toco o tecido da roupa estranha.
Molhado, sujo, colado na pele.
Parece feito de... sei lá. Alguma magia antiga.
Puxo minha faca de meia-lua. A lâmina familiar na mão.
Corto com cuidado.
A pele dela é branca demais, quase brilhante. Um contraste absurdo com a minha.
Parece alguém que nunca pisou numa floresta.
Alguém de outro sol.
Mas o corpo...
Tem cicatrizes.
Longas.
Algumas antigas. Outras recentes.
Fundos roxos nos braços. Um corte aberto na costela.
Ela lutou com algo antes de cair aqui.
Ou com alguém.
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A curiosidade me fisga como espinho no peito.
Me pego olhando demais.
Analisando demais.
— Não viaja, Nix.
Repreendo minha cabeça.
Não posso ficar reparando no quadril da desgraçada enquanto ela tá derretendo de febre.
Pego uma folha curativa. Esmago com os dedos.
Passo no ferimento.
Curativo rápido. Firme. Sem frescura.
A mão dela se move.
Só um pouco.
Toca meu pulso.
Reflexo. Instinto.
Mas me arrepia até o pescoço.
Uma sensação elétrica, estranha. Familiar demais.
Me afasto. Rápido.
— Nem tente — murmuro, áspera. — Se for uma criatura disfarçada, me ataca logo. Não tenho paciência pra suspense.
Ela não responde. Só respira.
Mas tem algo ali. Algo que não é só humano.
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Lavo o rosto com água gelada. Esfrego até a pele arder.
Olho meu reflexo numa poça entre as raízes.
Distorcido.
Olheiras fundas.
Rosto sujo de sangue seco.
E o piercing no lábio — aquele prateado, vertical, no centro.
Brilhando com a luz da fogueira.
Toco nele.
Hábito antigo.
É o que sobrou de quem eu era.
Ou o que me forçou a ser.
Volto pro abrigo.
Ela ainda está ali.
Respirando quente demais pra esse frio.
Me sento do outro lado da fogueira.
Mas meu corpo reage à presença dela.
Calor. Raiva. Curiosidade. Tudo junto.
O tipo de mistura que dá merda.
— Se você morrer, vai me poupar um belo de um problema.
Penso.
— Se viver... também vai.
Quase sorrio com a ironia.
Ela mexe a cabeça. Lento.
Os olhos se abrem.
Pesados. Perdidos.
Mas direto em mim.
O fogo parece que sobe pelas minhas costas.
Olhar Verde intenso. Esquisito.
Quase... errado.
Como se não fosse só dela.
Ela tenta falar. A boca se mexe.
Mas nada sai.
Só os olhos.
Na minha cara.
Na minha boca.
Porra.
Me levanto.
A faca ainda na mão.
— Se for tentar me matar, faz logo — digo, tensa. — Tô cansada e com sono.
Ela... sorri.
Quase nada.
Mas é um sorriso.
— Ótimo. Tá rindo.
Então não vai morrer agora.
Me viro de costas, irritada.
Odeio não ter controle.
Odeio o que ela me faz sentir.
Essa incerteza.
Essa coisa.
Paro. Respiro.
— Faísca — murmuro. — Vou te chamar assim, até você lembrar quem é.
— Porque você chegou caindo do céu e bagunçou tudo.
— E porque, se me queimar... eu te apago.
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> ⤿ O silêncio domina. A neve começa a cair. Cena congela.
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🐾 Interlúdio:
Umbra:
— Elas vão se matar ou se comer. Ainda não sei qual vem primeiro.
Kaia:
— Você sempre tão romântico...
Umbra:
— Ela mexeu no piercing. Você viu? É sempre assim.
Kaia:
— Você acha que isso é sinal?
Umbra:
— Quando ela começa a mexer no piercing... ou vai sangrar, ou vai gemer.
Kaia:
— …Inferno, Umbra.
Umbra:
— Eu só observo. Alguém tem que fazer isso direito.
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...🌙 Capítulo 2 – Fim....
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Atualizado até capítulo 29
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