A Minha Segunda Vida
Camila sempre acordava cedo. Talvez por hábito, ou porque aprendeu desde muito nova, que o mundo não esperava por quem se atrasa, principalmente se a pessoa for invisível dentro da própria casa.
_ Respire… Você já tem vinte e dois anos... Disse para si mesma, ansiosa pela entrevista de emprego que faria naquele dia. E para ela, aquela era primeira chance real em meses, talvez anos, de escapar da sensação de estar afundando no pântano que a puxava para baixo. Camila se olhou espelho na parede do quarto, observando o reflexo determinado do seu rosto.
A luz do sol entrava tímida pela fresta da cortina do pequeno quarto no fundo da casa dos Teixeira. O quarto havia sido improvisado quando ela tinha oito anos, depois que Débora, a irmã mais velha, exigiu ficar com o quarto maior só para ela. E quando Débora exigia, tudo girava para obedecê-la, inclusive os pais.
Por causa disso e de outros motivos, Camila já havia deixado de esperar o carinho da família. Era tratada com a frieza pela mãe que nunca desejou ter outro filho. Ouviu inúmeras vezes a mãe dizer que sua gravidez foi um acidente, uma falha de cálculo, uma consequência de um casamento já desgastado, que ela havia destruído seus planos vindo ao mundo. Desde o primeiro choro, foi tratada como estorvo. E com o pai também não foi diferente. Sempre calado, mas com um olhar que a deixava desconfortável, especialmente quando ela começou a se tornar adolescente. Havia algo nos olhos dele, que gerava desconforto que a fazia evitar ficar sozinha com ele, e trancar a porta do quarto à noite, mesmo sem entender por quê.
Camila, desde pequena, aprendeu a se moldar ao espaço que lhe permitiam ocupar. Falar baixo para não incomodar. Não pedir demais. Ainda assim, ela era gentil. Gentil demais, diriam alguns. Havia nela uma força quieta, quase ingênua, que resistia. Uma fé inexplicável de que um dia tudo poderia mudar, que sua história não terminaria ali.
Mas Camila estava presa ao que pensava ser uma dívida por ter nascido, e seus pais sempre faziam questão de fazê-la se sentir assim, reforçavam a cada olhar de reprovação, a cada suspiro cansado, a cada “você podia ser mais como sua irmã” que apesar de tudo, ela lhes devia algo.
Naquela manhã, enquanto vestia a blusa branca cuidadosamente passada e a saia preta que comprara em um brechó, Camila tentava organizar seus pensamentos. Ela não sabia muito sobre a vaga para qual estava concorrendo, mas que era para uma grande empresa, a Rossi Digital, uma das empresas mais prestigiadas do setor de marketing digital do país.
_ Essa é a minha chance… Disse Camila que para conquistar o mínimo, sempre teve que lutar muito, já que dentro de casa tudo era para a Débora.
Trabalhou desde os 15 anos como babá, garçonete e panfletando no sinal. Juntava cada centavo para pagar os cursos técnicos, de idiomas, e depois a faculdade. Dormia pouco, chorava em silêncio muitas noites. Mas nunca desistia. Havia dentro dela uma esperança, uma chama que não se apagava, mesmo em meio à frieza da própria casa.
Sempre que pensava em sair daquele lugar, a mãe a puxava de volta com chantagens emocionais.
"Vai nos deixar sozinha com as contas depois de tudo que fizemos por você... A casa não se limpa sozinha... Nem tudo gira em torno de você... Você não vai conseguir se virar sozinha, se sair não poderá mais voltar..."
E não era que ela precisava contribuir com dinheiro ou fazer os trabalhos domésticos. Não eram ricos mas tinham uma condição de vida estável. Mas a manipulação emocional agia como corrente que amarrava Camila à culpa de existir. Ela engolia a dor, como sempre fazia, e seguia cedendo, enquanto a irmã, mesmo com vinte e seis anos, tinha uma vida confortável mesmo sem trabalhar, fingindo que ainda poderia ser uma grande modelo.
Mas naquele dia, o dia da entrevista na Rossi Digital, algo em Camila estava diferente, alem do nervosismo, o seu coração batia mais rápido que o normal. Desde a faculdade ela conhecia a empresa, líder de inovação no setor.
Camila terminou de se arrumar, passando uma maquiagem leve para esconder a noite mal dormida. Quando saiu do quarto, Débora ja estava na jogada no sofá, rindo de algo no celular.
_Vai tentar mais uma daquelas vagas impossíveis? Débora provocou, sem tirar os olhos do visor do celular _Você devia aceitar que nasceu para ser figurante, Camila.
Camila não respondeu. Com o tempo prendeu que, com a irmã, o silêncio era a única forma de se proteger. Respirou fundo, e deixou o comentário no ar. Naquele dia, ela tinha um plano maior.
_Onde pensa que? Perguntou Lilian, a mãe, chegando a sala.
_Tenho uma entrevista de emprego...
_Vai largar tudo bagunçado, então? E se não der certo? Vai volta com o rabinho entre as pernas?
Camila sentiu a velha culpa roer suas entranhas, mas respirou fundo. Pela primeira vez, não cedeu.
_Se eu não tentar, nunca vou saber.
Ela saiu antes que a mãe pudesse responder. Cada passo na calçada parecia uma pequena rebelião. Cada batida do coração, um grito de liberdade. Ela não sabia o que a esperava na Rossi Digital. Mas sabia o que deixava para trás, e naquele instante, isso já bastava para continuar.
Camila era daquelas mulheres que não chamavam atenção à primeira vista, mas bastava alguns minutos ao seu lado para que fosse impossível esquecê-la.
Os olhos castanhos e expressivos, estavam cheios de uma doçura que contrastava com as cicatrizes silenciosas que carregava. Era fácil perceber quando ela estava nervosa, pois mordia levemente o canto inferior do lábio e franzia as sobrancelhas como se calculasse cada palavra antes de pronunciá-la. E havia uma delicadeza natural em tudo que fazia, desde o modo como passava as páginas de um caderno até a forma como ouvia alguém com atenção absoluta.
Camila tinha uma beleza serena, sem artifícios. Não usava maquiagem chamativa, preferia tons neutros e roupas discretas, sempre limpas, bem cuidadas, mesmo que simples. Uma mulher que não sabia o próprio valor, mas que, por isso mesmo, era impossível de ignorar.
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Atualizado até capítulo 62
Comments
Patrícia Helena
Oi Drica cheguei pra acompanhar a sua nova história 05/07/2025 . Boa sorte e dias de alegria e muita inspiração pra vc,saúde e vida pra vc e sua família.😪🥰🫶🏻
2025-07-05
8
Vânia Maranhão
Maravilha, mais uma obra que está iniciando cheia de emoções, suspenses e vitórias ... e muita adrenalina. /Joyful//Joyful//Joyful/
2025-07-05
8
Jeneci Nunes
e vamos que vamos pra mais uma obra da maravilhosa Drica 🥰
2025-07-05
5