Cap. 4

Camila apertava contra o peito a pasta com o contrato de trabalho assinado. Ela mal conseguia conter o sorriso. Depois de tanto tempo tentando, finalmente tinha conseguido uma boa vaga de emprego.

Na segunda-feira, ela começaria a trabalhar como assistente de Rafael Rossi, na Rossi Digital. Não era apenas um emprego, era o início de uma nova fase, talvez o primeiro capítulo da vida que ela sonhava em ter desde que era menina.

Pegou o ônibus para voltar para casa com o coração leve. Observava a cidade pela janela com outros olhos, como se tudo parecesse mais vivo, mais colorido. Pela primeira vez em muito tempo, se sentia importante de alguma forma.

Ao chegar, a casa estava em silêncio, exceto pelas vozes baixas vindas da sala. A mãe estava sentada à mesa, folheando uma revista velha, e Débora mexia no celular, rindo sozinha.

Camila tentou passar despercebida, mas o sorriso em seu rosto a traiu.

_Está toda animadinha, hein? Débora lançou o comentário sem levantar os olhos. _Ganhou um chocolate no sinal? Você fica animada com qualquer coisa. Falou rindo com a intenção de provocar.

Camila hesitou. Queria guardar a felicidade que senta só para ela, mas não conseguia esconder por completo.

_Estou feliz porque consegui um emprego. Respondeu, tentando soar neutra, embora os olhos ainda brilhassem. _Vou começar a trabalhar na segunda.

Lilian ergueu uma sobrancelha, como se a novidade fosse um incômodo.

_E vai deixar a casa toda bagunçada como tem deixado? E tem as conta para pagar, você ainda não deu o dinheiro

_Mãe, eu vou trabalhar. Isso vai me ajudar a contribuir melhor até… Camila desistiu de dizer que pretendia ir embora assim que conseguisse se estabelecer no trabalho.

_E onde é esse emprego maravilhoso?  Débora interrompeu, encarando a irmã com um sorriso sarcástico.

_Na Rossi Digital. Vou ser assistente do CEO.

O silêncio que se seguiu durou apenas segundos, mas foi pesado, ate que Débora riu com desprezo.

_Assistente? De CEO? Ah, tá. Daqui a pouco vai começar a dizer que vai virar sócia também.  Ela se levantou do sofá e caminhou até a cozinha onde pegou uma maçã na geladeira, como se aquilo fosse mais importante do que a conversa.

_ Só não venha chorar depois que for mandada embora. Pessoas como você, não dura muito nesses lugares. Vão te engolir viva, nao sabe nada...

Camila sentiu a velha dor se espalhar pelo peito. Mas não deixou que tomasse conta dela, estava muito feliz para se deixar levar pelas palavras das mães.

Ela espirou fundo, pegou um copo d’água e falou baixinho para si mesma

_Mesmo assim, eu vou tentar.

E, sem esperar mais provocações, Camila subiu as escadas rumo ao pequeno quarto no fundo da casa, fechou a porta, encostando-se nela e sorriu de novo.  Porque, mesmo diante do desdém da mãe e da irmã, algo dentro dela dizia que aquela segunda-feira mudaria tudo, e ela estava pronta.

Assim que Camila subiu as escadas e a porta do quarto se fechou, o silêncio na sala voltou a reinar  por pouco tempo.

Débora deu uma mordida na maçã com força, os olhos ainda fixos no vão da escada por onde a irmã havia passado.

_Rossi Digital… Repetiu Débora num tom quase zombeteiro.

_ Será que ela está dizendo a verdade? Perguntou Lilian

_Acha mesmo que a Camila tem capacidade para trabalhar numa empresa como aquela, mãe?

Lilian soltou um suspiro curto, voltando a olhar para a revista.

_Se contrataram ela, alguma coisa ela deve ter feito... Vai saber o que ela fez, e quem ela agradou para conseguir a vaga nesta empresa

Débora arqueou uma sobrancelha, cruzando os braços.

_Mãe, a senhora sabe tão bem quanto eu, que empresas como a Rossi Digital, só contratam assistente para o CEO por causa da imagem. Vão querer uma bela assistente desfilando do lado dele nas reuniões, sorrindo para os investidores… Pensava Débora que estava acostumada a usar sua beleza como moeda de troca. _E a Camila? Ela mal sabe se maquiar, e não tem contato com ninguém importante…e ainda é virgem, disso eu tenho certeza.

A mãe soltou uma risada seca.

_Se não foi isso, ela teve sorte... Só pode, ou está mentindo sobre a vaga.

Débora bufou e largou a maçã na pia com mais força do que deveria.

_ Eu vou descobrir se ela esta dizendo a verdade ou não... e a senhora sabe quem devia estar na Rossi Digital? Eu! Com a minha postura, a minha presença… Eu saberia lidar com um homem importante como é o CEO da empresa... Aliás, talvez até demais. Disse, com um sorriso venenoso. _ Ainda mais com o CEO da Rossi Digital, já vi ele em um evento que trabalhei como modelo, e ele é um homem lindo… o tipo de homem que não passaria despercebido nem entre mil.

_Você tem razão. A mãe concordou, como se fosse óbvio. _Você sempre teve presença, é mais bonita.  E a Camila… ela se ilude. Acha que só porque estudou, e por ser esforçada, vão abrir as portas para ela. Mas o mundo real não é assim.

Débora se aproximou da janela, afastando a cortina com os dedos olhando para a rua.

_Ah, mamãe, acha mesmo que ela vai aguentar trabalhar ao lado de um homem poderoso? Ela vai se enrolar inteira. E quando ele cansar dela, porque ele vai cansar… vai descartá-la como faz com todas as outras. Débora fez uma pausa. _Quer apostar quanto que ela vai acabar se apaixonando por ele? Aquela cara de santa… sempre foi uma carência ambulante. Tudo o que ela quer é alguém que diga que ela vale alguma coisa.

A mãe não respondeu, mas o silêncio bastava para alimentar o rancor de Débora.

_Se ela soubesse o que fazer com o que tem nas mãos, talvez eu até me importasse menos… Mas desperdiçar uma chance dessas? Isso… me dá nos nervos. Débora se virou, cruzando os braços.

_E se a Camila pensa que vai sair por aí dizendo que é melhor do que eu, só porque agora vai trabalhar na Rossi Digital… está muito enganada.

_ Ela nunca foi melhor que você… E nunca será

_ Eu sei, mamãe … Débora sorriu dando um passo até a porta e olhou para o alto da escada, onde o quarto de Camila estava fechado. _ Ela mesma vai se afundar. É só esperar…

Mas, no fundo, Débora sabia que não estava disposta a esperar isso acontecer, principalmente vendo que a irmã começava a brilhar. E naquele momento, ela começou a pensar no que deveria fazer.

Débora era o tipo de mulher que aprendeu a brilhar, mesmo que, para isso, precisasse apagar todos ao redor.

Era a filha mais velha e preferida, sempre teve tudo de bandeja: atenção, presentes, elogios. Cresceu sendo chamada de “a bonita”, “a inteligente”, “a que vai longe”. E acreditou em cada palavra,  não porque fosse segura, mas porque não suportava a ideia de ser comum.

Vaidosa, Débora fazia questão de estar sempre arrumada, maquiada e vestida com peças de grife.  Os olhos, estavam sempre atentos, analisando as fraquezas de quem cruzava seu caminho. Sabia sorrir com doçura e destruir com a mesma delicadeza. Débora era uma atriz nata. Uma mulher que manipulava emoções com precisão cirúrgica. Sabia quando parecer vítima. Quando parecer amiga. Para o mundo, Débora era a irmã bem-sucedida, aquela que “se dava bem com todos”. Mas em casa, era cruel, sarcástica, e alimentava a inveja que sentia pela irmã.

O que mais odiava em Camila não era a simplicidade. Era a sua luz. Uma luz natural, que ela não podia controlar.

Débora precisava vencer a irmã sempre. Mesmo que para isso tivesse que humilhar, derrubar, e se fosse necessário, destruir. A sua fúria surgia sempre que alguém ousava amar Camila mais do que ela.

E agora, ao saber que a irmã trabalharia na Rossi digital, ela estava prestes a provar que faria qualquer coisa para ver a irmã infeliz.

Débora, 26 anos

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