Entre Martelo e Sorrisos

Capítulo 5

Os dias em Mariny pareciam ter um ritmo próprio — lentos, silenciosos, com o ar sempre perfumado por madeira queimada e café fresco. Mas para Herleny, o tempo corria veloz. A cada amanhecer, ela despertava com um propósito: dar vida ao seu restaurante.

Depois da reunião tensa — porém vitoriosa — com o prefeito, as portas começaram a se abrir. A corretora agilizou a compra do imóvel e, em menos de uma semana, o antigo café na praça central já era oficialmente dela.

Mesa do Céu.

Esse seria o nome estampado na fachada, mas também no coração de cada detalhe que ela sonhava colocar ali.

No primeiro dia de visita ao espaço já com as chaves na mão, Herleny passou horas sozinha no interior do prédio, andando de um canto ao outro, falando em voz baixa consigo mesma.

— Aqui será a recepção… uma lareira aqui… as mesas próximas à janela. E ali… meu pequeno altar de sabores.

Ela tocava as paredes como quem tocava em algo sagrado. E para ela, era.

Contratou dois carpinteiros locais, Seu Joaquim e o neto dele, Léo, um jovem esperto que estava de férias do colégio. Em poucos dias, eles começaram a trabalhar juntos na reforma: lixando madeira, trocando janelas, cuidando da pintura e revivendo o antigo charme do lugar.

— Nunca vi alguém tão animada com cheiro de tinta, dona Herleny — disse Léo, rindo, enquanto cobria os cabelos com uma touca.

— Cheiro de tinta é cheiro de recomeço, meu querido. — ela respondeu com um brilho nos olhos.

Aos poucos, a notícia de que uma “ex-freira portuguesa” estava abrindo um restaurante na cidade espalhou-se pelas ruas. Primeiro com curiosidade, depois com simpatia. Herleny fazia questão de cumprimentar a todos que passavam pela praça, e em poucos dias, já tinha recebido bolos, plantas em vasos e até tecidos de mesa doados por senhoras da igreja.

— Essa mulher vai conquistar a cidade — disse Dona Eunice na feira. — Tem uma delicadeza que a gente não vê mais.

Enquanto isso, no gabinete da prefeitura, Mikhiul ouvia os burburinhos com irritação contida.

— Estão falando muito da nova moradora, prefeito — comentou a secretária, sorrindo. — Parece que ela tem jeito com as pessoas.

Ele fingiu desinteresse.

— Mariny sempre foi entediada demais. Qualquer novidade vira espetáculo.

Mas era mentira. Ele estava ouvindo mais do que gostaria. O nome Herleny Duarte ecoava pelas paredes da cidade. E, embora quisesse ignorar, alguma parte dele registrava cada elogio.

Naquela tarde, Herleny passou na papelaria para encomendar o letreiro da fachada. Pediu letras cursivas douradas sobre madeira escura. Queria algo que brilhasse sem gritar. Que chamasse atenção pela beleza, não pela arrogância.

— O nome do restaurante é bonito — disse a moça do balcão. — Parece coisa de filme.

— É meu jeito de agradecer — respondeu Herleny. — A vida me levou muita coisa… mas agora está me devolvendo devagar.

Ao sair, passou por uma banca de flores e comprou três vasinhos de lavanda. Iria colocá-los nas janelas do restaurante assim que estivessem limpas. Lavanda a fazia lembrar da mãe. Do perfume suave que ela usava nas roupas, das noites tranquilas embaladas por histórias antes de dormir.

Era impossível esquecer o que viveu. Mas agora ela não queria mais viver de lembranças. Queria construir novas. Do zero. Com cheiro de pão, café quente e um toque de vinho.

Naquela mesma noite, sentada perto da lareira, escreveu mais uma entrada em seu diário:

“A cidade me observa, mas não julga. Sinto que estou florescendo, mesmo em pleno inverno. E se um dia esse restaurante se encher de vozes, risos e histórias, saberei que tudo valeu a pena.”

No dia seguinte, enquanto esperava a entrega de alguns materiais, Herleny saiu com Léo para buscar amostras de azulejos em uma loja de construções. Passaram por ruas que ela ainda não conhecia, com casinhas de madeira, varandas cobertas de neve e cachorros deitados nos degraus.

— Aqui parece um conto de fadas — ela comentou.

— Conto de fadas com cheiro de lenha e cuscuz, né? — respondeu o rapaz, rindo.

Quando voltaram para a praça, Herleny ficou parada diante do imóvel. O sol da tarde batia nas janelas recém-limpas, refletindo luzes suaves. O coração dela bateu mais forte.

Faltava muito ainda — móveis, louças, cardápio, testes de receita… Mas pela primeira vez, ela sentiu que tudo realmente aconteceria.

Enquanto isso, Mikhiul passava pelos arredores da praça a caminho de casa, dentro do carro escuro. Quando o veículo diminuiu a velocidade por conta de uma bicicleta à frente, ele olhou pela janela... e viu Herleny de costas, segurando um pequeno balde com lavandas e falando algo para o menino ao lado.

Ela riu.

O som não chegou aos ouvidos dele. Mas o gesto, a delicadeza… chegaram.

Ele desviou o olhar imediatamente, irritado com a própria curiosidade.

Mas o nome dela voltou a dançar em sua mente:

Herleny.

Como uma melodia que você tenta esquecer… e só lembra mais.

Mais populares

Comments

Jucelia Oliveira

Jucelia Oliveira

cade as fotos deles autora por favorzinho

2025-07-09

1

Isabel Mendes de Souza Machado

Isabel Mendes de Souza Machado

já está com os quartos pneus ariados /Heart/

2025-07-08

1

Ver todos

Baixar agora

Gostou dessa história? Baixe o APP para manter seu histórico de leitura
Baixar agora

Benefícios

Novos usuários que baixam o APP podem ler 10 capítulos gratuitamente

Receber
NovelToon
Um passo para um novo mundo!
Para mais, baixe o APP de MangaToon!