Capítulo 4
A semana amanheceu cinzenta, e uma fina neblina cobria as ruas de Mariny como um véu sutil. Herleny acordou cedo, determinada. A emoção do dia anterior ainda pulsava forte em seu peito — ela havia encontrado o lugar. Agora era hora de agir.
Teria que correr atrás de documentos, regularizações, registro de alvará e entender a situação do imóvel. Já havia anotado os contatos de uma agente local, que cuidava das vendas de imóveis comerciais na cidade, e a primeira orientação que recebeu foi clara:
— “Você vai precisar ir até a prefeitura, querida. Conversar com o setor de regularização e desenvolvimento urbano. Nada acontece aqui sem passar pelas mãos do prefeito Mikhiul Valente.”
O nome soou forte aos ouvidos de Herleny, mas não causou impressão imediata. Mikhiul era apenas mais um passo na longa escada de seu recomeço.
Vestiu-se com sobriedade: calça escura, casaco vinho, cachecol creme e os cabelos presos com suavidade. O frio era intenso, mas havia calor dentro dela. Um calor de decisão. Estava ali para construir algo real.
A prefeitura ficava no centro histórico de Mariny, num prédio antigo com colunas de pedra e portas pesadas. Herleny subiu as escadas de mármore com passos firmes. Parou diante do balcão de atendimento, explicou sua intenção e foi encaminhada para uma pequena sala de espera.
— O prefeito está em reunião. Ele mesmo costuma assinar esses processos. Peço que aguarde, senhorita Duarte — disse a recepcionista, educada.
Ela assentiu e sentou-se em uma poltrona próxima da janela. A neblina começava a se desfazer e, com ela, suas incertezas também. Herleny abriu o caderno de anotações e revisou as exigências legais para restaurar o imóvel. Estava tão concentrada que não ouviu a porta abrir.
— Senhorita Duarte?
A voz era grave, pausada. E quando ela levantou os olhos, sentiu o tempo parecer parar por um breve segundo.
Diante dela estava Mikhiul Valente.
Alto, imponente, vestindo um sobretudo escuro por cima do terno elegante. Tinha olhos sérios e um semblante que misturava rigidez com cansaço. O tipo de homem que não sorria com facilidade — e nem parecia acostumado a receber visitas que exalavam luz como Herleny.
— Sou Mikhiul Valente, prefeito de Mariny. Acompanhe-me, por favor.
Ela se levantou, ajeitou o cachecol e o seguiu até uma sala ampla, com estantes cheias de pastas, uma lareira apagada e uma mesa de madeira escura impecavelmente organizada.
— Pode sentar. — ele disse, sem sequer olhar para ela enquanto folheava alguns papéis.
Herleny manteve a calma.
— Obrigada por me receber, senhor prefeito. Vim para tratar da aquisição de um imóvel na praça central. Pretendo abrir um restaurante. Já entrei em contato com a corretora e...
— Um restaurante? — ele interrompeu, levantando o olhar pela primeira vez. — Em pleno inverno?
Ela arqueou uma sobrancelha, surpresa com o tom irônico.
— Sim. Eu sei que parece ousado, mas acredito que existe espaço para algo acolhedor, novo…
— A senhorita vem de onde mesmo? — ele perguntou, sem disfarçar a curiosidade.
— De Lisboa. Passei os últimos anos em um convento. Agora estou pronta para um novo começo.
Mikhiul estreitou os olhos. Algo naquela resposta o incomodou mais do que ele gostaria de admitir. Uma ex-freira sonhadora querendo abrir restaurante em uma cidade onde todos estavam acostumados com a mesmice. Era o tipo de ideia que ele evitava: mudança. Movimento. Emoção.
— Com todo respeito, senhorita Duarte... — ele começou, num tom contido — ...Mariny é uma cidade pequena, de clima rígido e povo tradicional. Não é um lugar para aventuras.
Herleny manteve a postura serena. Havia escutado muitas variações dessa mesma frase a vida inteira. Mas ela não era uma aventura — ela era persistência.
— Com todo respeito, senhor prefeito, eu não sou uma aventureira. Sou uma mulher que passou a vida inteira esperando a chance de realizar um sonho. E não vim até aqui para desistir dele por causa do frio.
Por um instante, Mikhiul ficou em silêncio. A segurança com que ela falou mexeu com ele. Não era arrogância. Era verdade.
— Muito bem. — ele respondeu, após alguns segundos. — Se está disposta a seguir os trâmites legais, posso encaminhar o processo. O imóvel é viável, e a localização... realmente tem potencial.
Ela sorriu com leveza.
— Obrigada. Só preciso da sua assinatura no formulário para avançar com a vistoria.
Ele pegou a caneta, assinou com a precisão de quem controla tudo, e a entregou sem dizer mais nada.
Ao se levantar para sair, Herleny o olhou com um sorriso discreto.
— Sabe, senhor prefeito… às vezes, até nas cidades mais frias, a gente encontra calor onde menos espera.
E então saiu, deixando um leve perfume no ar e um incômodo estranho no coração de Mikhiul.
Ele permaneceu parado por alguns segundos, com a mão ainda sobre a caneta.
“Herleny Duarte...” — repetiu mentalmente.
Não gostava dela. Ou talvez não gostasse do que ela despertava nele.
Algo se acendeu. Mas ele fingiu não notar.
Ainda era cedo para admitir qualquer coisa.
E o amor… esse, ele jurava que nunca mais iria sentir.
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Atualizado até capítulo 37
Comments
Maria Horta
Ela vem para derreter o gelo do coração dele.
2025-07-09
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