capítulo 4

O hospital seguia como sempre.

Luzes brancas, corredores frios, passos apressados e vozes controladas. Nada parecia mudar, exceto Gabriel — mas ele fazia um esforço quase cruel para parecer o mesmo.

Atendia com gentileza. Cumprimentava todos. Conferia os exames duas vezes. Ninguém tinha motivos para se preocupar.

Exceto Paula.

Ela percebeu os pulsos cobertos, mesmo nos dias quentes.

As mangas do jaleco fechadas até o fim.

O jeito como Gabriel evitava encostar nos outros.

Uma tarde, enquanto ele se abaixava para pegar um prontuário, a manga subiu alguns centímetros. Ela viu.

A linha fina, vermelha.

Recente.

E sozinha.

Não perguntou nada.

Mas sentiu o estômago se fechar.

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Gabriel olhou-se no espelho do banheiro do hospital.

Os olhos fundos, a boca trêmula. O corte no braço já não doía tanto quanto antes. Era quase um alívio. Uma forma de gritar sem som.

— Ninguém precisa saber — sussurrou para o próprio reflexo. — É só um corte. Não é nada.

Mas ele sabia.

Sabia que estava tentando conter uma dor que não tinha nome.

---

Naquela mesma semana, Miguel o chamou para uma análise de caso. Era uma desculpa qualquer. No fundo, Miguel não sabia bem por que o chamava. Só sabia que precisava.

Gabriel entrou na sala. Estava pálido.

— Gabriel, você tá bem?

— Tô, doutor. Só um pouco tonto.

— Quer sentar?

Ele hesitou, depois assentiu. Miguel foi até a mesa e pegou uma garrafinha de água.

Ao entregar, notou a manga do jaleco. Estava frouxa, caída. E por um instante — um segundo apenas — viu algo vermelho, mal cicatrizado, escondido por baixo da camisa branca.

Ficou paralisado.

O ar sumiu por um momento.

— O que é isso?

Gabriel rapidamente puxou a manga.

— Nada. Cortei numa gaveta, eu acho.

— Tem certeza?

Gabriel desviou o olhar.

— Doutor, a gente vai ver o caso?

Miguel ficou em silêncio. Depois assentiu, mas não tirou os olhos dele por um bom tempo.

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Mais tarde, no estacionamento, Paula o chamou discretamente.

— Doutor Miguel. Posso falar com o senhor?

— Claro.

Ela olhou em volta. Falou baixo:

— Fique de olho no Gabriel. Ele tá… se escondendo.

— Como assim?

Ela hesitou, depois respondeu:

— Eu vi marcas. E ele não tá comendo. Não dorme. Tá indo além do que o corpo aguenta.

Miguel engoliu seco.

— Você acha que ele tá…?

— Eu acho que ele tá se ferindo porque não tem onde colocar essa dor. E ninguém vê. Ou finge que não vê.

Miguel não respondeu.

Mas à noite, no carro, ficou parado por longos minutos, com o volante nas mãos.

Lembrou do olhar de Gabriel. Da voz baixa. Da forma como fingia estar bem.

E pela primeira vez, ele sentiu medo.

Medo de ter demorado demais.

---

Naquela noite, Gabriel chegou em casa e foi direto para o banheiro.

O armário estava entreaberto.

A navalha, no lugar de sempre.

Ele a pegou com mãos trêmulas.

Mas, dessa vez, hesitou.

O celular vibrou.

Mensagem de Miguel:

> “Você pode vir amanhã mais tarde. Não precisa chegar tão cedo. Só… cuide de você, Gabriel.”

Ele ficou olhando a tela.

Por longos segundos.

E, lentamente, soltou a navalha na pia.

Ela caiu com um som metálico.

Como se alguma parte dele tivesse decidido, por um fio, continuar.

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