Capítulo 5 – O Homem da Fotografia

A chuva da noite anterior havia limpado o céu, e uma névoa suave cobria os campos ao redor da Vila dos Ipês. Clara acordou com os cabelos levemente úmidos pela brisa que entrava pela janela entreaberta. Havia dormido mal. Sonhara com a imagem sem rosto. No sonho, o santo se erguia diante dela e, em vez de olhos, tinha dois buracos vazios, fundos como poços.

Com o coração acelerado, levantou-se decidida. Não era mais apenas curiosidade que a guiava — era necessidade. Aquilo tudo parecia querer falar com ela. Como se o passado da vila estivesse finalmente abrindo a porta... e exigisse ser escutado.

Durante a manhã, enquanto organizava seus materiais na capela, Dona Alzira apareceu com uma caixa de papelão coberta por um lençol.

— Isso aqui estava no depósito velho da sacristia. Achei que podia te interessar. Tem papéis, fotos, umas coisas que ninguém mexe há muito tempo.

Clara agradeceu e levou a caixa para o quarto da pousada. Passou horas vasculhando papéis antigos, relatórios de reformas, livros de registro e folhas de jornal amareladas. Nada chamava atenção... até encontrar uma fotografia.

Era uma imagem antiga, em preto e branco, feita na frente da capela. Um grupo de homens posava ao lado de uma carroça. Entre eles, um jovem de olhar intenso, barba por fazer e um leve sorriso torto. Clara congelou ao ver aquele rosto. Era Tomás.

Seu coração disparou. Estava certa. Ele havia estado naquela vila. O homem por quem ela chorara, com quem quase se casou, estivera ali. E ninguém havia lhe contado nada.

Atrás da foto, escrito à caneta, lia-se:

“Comitiva da restauração – 2001. Miguel Duarte, Padre Anselmo, Tomás A. e outros.”

Tomás. Miguel. Eles já se conheciam.

A revelação caiu como uma bomba em seu peito. Clara ficou sem ar. Tremia.

Miguel mentiu.

Naquela mesma tarde, ela foi até a casa dele, no limite da vila. Era uma casa simples, cercada por árvores e por um velho muro de pedras. Chamou pelo nome, mas ninguém respondeu. O portão estava encostado. Empurrou-o.

O quintal tinha um banco de madeira, galinhas soltas e ferramentas penduradas em pregos nas paredes. Tudo em silêncio. Bateu na porta uma vez. Depois outra. Miguel surgiu por trás, sujo de barro, carregando uma enxada.

— O que você quer? — perguntou com calma, mas a tensão em seu olhar era clara.

Clara estendeu a fotografia.

— Por que mentiu pra mim? Por que disse que não conhecia o Tomás?

Miguel ficou mudo. Olhou para a foto por alguns segundos e então baixou os olhos.

— Porque eu não queria reviver aquilo — respondeu, por fim.

— “Aquilo”? O quê, Miguel? O que aconteceu aqui?

Ele respirou fundo, olhou para o chão, como se cavasse uma lembrança difícil.

— Seu noivo... ele veio pra cá, sim. Trabalhou com um grupo que queria restaurar peças antigas da capela. Mas ele... viu o que não devia. Se meteu onde não foi chamado.

— O que você quer dizer com isso? — a voz de Clara saiu mais alta do que esperava.

— Ele descobriu sobre a imagem... sobre o que ela escondia. Quis denunciar, quis contar pro mundo. E aí... desapareceu. Não foi acidente, Clara.

Aquelas palavras atingiram Clara como uma facada. As pernas ficaram fracas, e ela precisou se apoiar na parede. Tudo que sentia era um turbilhão: dor, raiva, medo.

— Você está me dizendo que o Tomás foi morto? — sussurrou, quase sem conseguir ouvir a própria voz.

Miguel não respondeu. Apenas olhou nos olhos dela com uma mistura de culpa e luto.

Clara saiu dali cambaleando. Caminhou pelas ruas da vila sem notar as pessoas ao redor. A imagem da foto queimava em sua mente. A vila, que parecia um refúgio, agora era um labirinto de mentiras.

Naquela noite, ao se deitar, Clara escreveu no seu caderno:

“Ele esteve aqui. E mentiram pra mim. Todos.”

Sabia que, a partir daquele dia, não poderia mais confiar em ninguém. Nem mesmo em Miguel.

Mas também sabia que não iria embora. Não agora.

Porque agora, mais do que nunca, ela precisava descobrir quem matou Tomás.

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