Capítulo 3 – Primeiro Sinal

O céu amanheceu encoberto, com nuvens densas que pareciam anunciar uma mudança. Clara abriu os olhos antes mesmo do galo cantar. O bilhete da noite anterior ainda estava guardado na gaveta do criado-mudo, mas ocupava um espaço muito maior dentro dela.

Enquanto tomava café na cozinha da pousada, Dona Alzira notou seu semblante preocupado.

— A vila é calma, minha filha. Mas tem gente que se incomoda com novidade demais… Não se assuste com certos avisos. Às vezes, são só medos antigos querendo parecer ameaça.

Clara sorriu com gratidão, mas sabia que aquilo era mais do que receio. Alguém não queria que ela fuçasse no que estava escondido naquela capela.

Na parte da manhã, Clara voltou ao altar e trabalhou com mais foco. Retirava camadas antigas com delicadeza, revelando cores vivas que haviam sido abafadas pelo tempo. Ao passar uma lâmina sobre a lateral da moldura, um som oco chamou sua atenção. Bateu levemente com os dedos: havia algo atrás daquela madeira.

Sentindo o coração acelerar, pegou uma pequena espátula e forçou cuidadosamente a parte solta. Um fragmento da moldura se desprendeu, revelando um pedaço de papel amarelado dobrado em quatro. Era uma carta antiga, com a tinta já desbotada.

Ela leu com dificuldade:

“O que vimos naquela noite jamais deve ser contado. Pelo bem da vila. Pelo bem de todos.”

Assinado: A.

Clara recostou-se no banco de madeira, sentindo um arrepio subir pela espinha. Mais perguntas do que respostas. Quem era “A”? O que tinha sido visto? E por que a capela escondia um segredo desses?

Antes que pudesse continuar refletindo, escutou a voz de Dona Alzira ao fundo, chamando-a com urgência:

— Clara! Venha rápido!

Correu até a porta e viu um pequeno grupo reunido na praça. No centro, um cavalo solto corria desesperado. Um garoto tentava segurá-lo, mas o animal parecia fora de controle. Miguel apareceu subitamente, vindo do outro lado da rua. Com precisão e calma, aproximou-se do cavalo e, com um gesto firme, o conteve, puxando as rédeas e acalmando o animal como se tivesse um pacto silencioso com ele.

O grupo aplaudiu. Clara ficou parada, observando. A força de Miguel era visível, mas havia algo mais: um domínio sereno, uma confiança bruta. Quando ele olhou em sua direção, foi apenas por um segundo, mas o suficiente para que ela desviasse os olhos, desconcertada.

Mais tarde, Clara aproveitou que a vila estava mais tranquila para passear pelos arredores. Chegou até a trilha que levava à parte alta da vila, onde os ipês formavam um túnel amarelo. Ali, sentou-se para pensar. Pegou seu caderno e desenhou novamente o altar, depois a carta escondida, e por fim, escreveu uma pergunta na página em branco:

“O que tanto essa vila tenta esconder?”

Sentiu que estava entrando em algo maior do que ela mesma. E, no fundo, uma parte de si sentia que precisava mesmo ir fundo. Como se aquela busca fosse, de alguma maneira, também uma cura.

Na volta, enquanto caminhava pela trilha, encontrou Miguel sentado à beira do rio, lavando as mãos. Ele não a viu de imediato, e por um instante, Clara o observou em silêncio, como se tentasse decifrá-lo. O homem solitário, de poucas palavras, que dominava cavalos e evitava olhares.

Quando ele finalmente ergueu os olhos, falou, sem ironia, apenas com a voz baixa e direta:

— Cuidado onde pisa. Tem caminho que parece seguro… mas leva pra bem longe da volta.

Clara não respondeu. Apenas seguiu. Mas as palavras dele a acompanharam até o pôr do sol.

E enquanto a noite caía sobre a Vila dos Ipês, Clara compreendeu que não havia sido por acaso que seu caminho terminara ali. Ou talvez, estivesse apenas começando.

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