O aroma das folhas de lavanda misturava-se ao de raiz de valeriana recém-amassada, criando um bálsamo que preenchia o chalé com paz. Arianwen adorava aquele momento. Suas mãos se moviam com naturalidade, delicadas como as pétalas secas entre os potes de cerâmica. A luz tênue que entrava pelas janelas de madeira acariciava seus cabelos prateados, fazendo-os parecer uma extensão do luar.
— Você tem um dom, filha. Essas ervas florescem nas tuas mãos como se te reconhecessem — disse Maebh com um sorriso doce, os olhos cheios de orgulho.
— Acho que elas têm pena de mim, mamãe. Sabem que eu não sou tão boa assim com lutas, como a Eira. Então me escolhem para cuidar delas — respondeu Arianwen, fingindo graça, mas escondendo certa insegurança.
Maebh se aproximou e tocou a testa da filha com a dela, em um gesto silencioso de afeto.
— Cura é luta também. É muito mais rara.
Antes que Arianwen pudesse responder, a porta da frente se abriu com força e a voz grave de Dorian preencheu o espaço.
— Estou em casa.
Arianwen sentiu um arrepio subir pela espinha. Algo na voz do pai estava diferente. Ele não costumava entrar com tanta urgência, nem em dias de Conselho.
Maebh enxugou as mãos no avental e se adiantou.
— Já voltou? Não era pra ficar até o nascer da lua?
Dorian não respondeu. Seu olhar percorreu a sala até pousar sobre Arianwen, que ainda segurava um punhado de folhas de artemísia nas mãos.
— Precisamos conversar. Todos.
Nesse instante, a porta se abriu novamente.
— O que aconteceu? O que ele disse no Conselho? — Eira entrou ofegante, com os cabelos negros desgrenhados pelo vento e o olhar inquieto, como se sentisse no ar o que estava prestes a ser dito.
Logo atrás dela, veio Tariki, o irmão mais velho, com os ombros largos, o semblante tenso, como se já soubesse o que estava por vir.
— Papai? — Arianwen falou, a voz trêmula.
Dorian respirou fundo, e então falou com a firmeza de um lobo, mas o coração de um pai.
— Arianwen e Eira, vocês chegaram à idade do acasalamento. O Alpha tomou sua decisão, e vocês duas foram prometidas.
O silêncio que se seguiu foi quase sagrado. Como se o próprio tempo tivesse prendido a respiração.
Arianwen largou as ervas. O cheiro de cura deu lugar a algo mais ácido, o pavor.
— Prometidas? — ela sussurrou.
— Para quem? — Eira perguntou com os olhos faiscando, o corpo inteiro em alerta.
— Arianwen será unida a Raffi Kunda, o primeiro batedor do Alpha. Eira, você foi destinado a Darios Fiachra, o segundo batedor.
Eira empalideceu.
— Isso é impossível, ele... — ela parou, mordeu os lábios. — Ele não é minha alma gêmea. Eu não sou a companheira dele. Nem por
Eira ergueu o queixo, os olhos faiscando como lâminas.
— Eu não aceito isso, pai! — sua voz saiu cortante, firme como aço. — Não é justo que decidam por mim algo tão sagrado. O vínculo não é escolha do Alpha, é escolha da Lua.
Dorian manteve o semblante duro, mas o peso em seus olhos o denunciava.
— Não é sobre o que aceitamos, filha. É a decisão do Alpha, e como irmão dele, eu devo respeitar.
Maebh deu um passo à frente, a voz carregada de um temor antigo.
— Decisão do Alpha? Não, isso não soa como Thioran. Eu conheço meu cunhado. — seus olhos se estreitaram. — Isso traz o perfume venenoso de Sorcha. Ela está manipulando Thioran, tenho certeza.
O nome da tia fez o ar pesar no chalé. Arianwen sentiu a espinha arrepiar; a lembrança daquelas mãos frias sobre o altar ainda a assombrava.
— Sorsha sempre soube — continuou Maebh, firme — que nossos costumes não se quebram. Esperamos o vínculo, não um acasalamento por conveniência. Ela sabe que, se isso acontecer, os filhotes nascerão fracos. E mesmo assim, insiste.
Tarik, que até então ouvia em silêncio, avançou com os punhos cerrados.
— Eu concordo com a mamãe. — Seu tom era de guerra. — Pai, o senhor precisa falar com o Alpha. Chame-o em particular, faça-o ouvir. Porque, se não fizer, eu mesmo ajudarei minhas irmãs a fugir.
Dorian virou-se para ele, o peso da liderança e da paternidade dividido em seu semblante.— Tarik!
— Não, pai! — o jovem o interrompeu, o sangue fervendo. — Não aceito que minhas irmãs sejam entregues como moedas. Esses dois batedores do tio Thioran não gostam delas. Não confiam, não respeitam, e ainda assim as querem forçadas em vínculo? Isso não é escolha, é uma sentença.
Eira girou o rosto para o irmão, o coração batendo acelerado.
— Você acha que ele não é mesmo meu companheiro de alma?
Tarik respirou fundo.
— Se fosse, Eira, você já teria sentido o calor. Teria dado sinais, e até agora não houve nenhum. Isso pode ser um feitiço, uma ilusão plantada por Sorcha para te enganar.
As palavras dele pairaram como uma lâmina suspensa.
Maebh aproximou-se e segurou a mão da filha.
— Escute seu irmão, minha menina. Ele não é seu companheiro. Você acredita que é, mas está iludida. Sorcha sempre teve esse poder de manipulação, de distorcer o que o coração enxerga.
Eira apertou os olhos, como se lutasse contra algo invisível dentro dela. O silêncio no chalé foi denso, carregado do peso de uma verdade que ninguém queria admitir, mas todos sentiam crescer.
Dorian sustentou o olhar da filha, o peito pesado como se carregasse pedras. Sua postura era a de um lobo endurecido por batalhas, mas seus olhos denunciavam o conflito do pai.
— Eira… — ele começou, mas a filha ergueu a mão, cortando-o.
— Não! — gritou ela, com uma força que parecia vir das entranhas. — Não vou aceitar um batedor que sequer olha para mim com respeito, muito menos com amor.
Maebh deu um passo à frente, sua expressão carregada de algo mais profundo que simples indignação. Seus olhos cintilaram, refletindo a luz da lareira como se guardassem segredos antigos.
— Escutem-me — disse ela, a voz calma mas firme, como quem anuncia uma verdade inevitável. — Vocês sabem que antes de eu ser curandeira, eu sou sacerdotisa. E como sacerdotisa, eu tenho visão.
Eira piscou, confusa, mas curiosa.
— Visão? O que quer dizer, mamãe?
Maebh ergueu o queixo, os cabelos caindo em ondas sobre os ombros.
— Quero dizer que o companheiro predestinado de vocês não está neste clã. — Ela deixou as palavras caírem como martelo sobre pedra. — Nem o da Lua de Prata, nem o seu, Eira.
As duas irmãs se entreolharam, atordoadas. Arianwen sentiu o estômago se revirar, um calor subindo pelo corpo como uma chama tímida, mas impossível de ignorar.
— Como, a senhora sabe que eu tenho sonhado com um lobo? — Arianwen sussurrou, a voz embargada.
Maebh esboçou um sorriso triste, carregado de ternura e resignação.
— Como eu sei, minha filha? Acabei de falar para sua irmã. A visão e os sonhos são sinais do mesmo destino.
O coração de Arianwen disparou, as mãos tremendo contra o avental. Não era apenas imaginação, não eram devaneios de uma jovem solitária. Eram sinais. Reais. A confirmação de que aquele lobo misterioso que surgia em suas noites pertencia a ela.
Eira apertou o braço da irmã, a determinação queimando em seu olhar.
— Então é isso. Se o papai não falar com o Alpha, eu vou rejeitar. E você também vai rejeitar, Lua. Não podemos nos submeter a esse jogo envenenado.
— Mas eu, — Arianwen hesitou, a voz embargada. — Eu não posso rejeitar. Você sabe que eu não sou filha de sangue. Fui aceita porque o pai e a mãe me adotaram. Se eu desafiar o Alpha, ele pode me expulsar.
Nesse instante, Dorian ergueu a voz, firme como um trovão que corta a noite.
— Não! — disse ele, aproximando-se e pondo as mãos fortes sobre os ombros da filha. — Você é minha filha, Arianwen se você rejeitar, eu as apoiarei.
Os olhos dele queimavam com um misto de dor e decisão.
— Eu vou contra o meu Alpha, contra o meu irmão, se for preciso. Mas não vou permitir que a vontade da Lua seja distorcida pela feitiçaria de Sorcha.
Tarik, que até então ouvia em silêncio, avançou dois passos, a voz carregada de raiva e lealdade.
— Pai, o senhor deve falar com ele. Chame-o em particular, diga-lhe o que acreditamos. Se ele não ouvir, saiba que eu ficarei ao lado das minhas irmãs. Lutarei contra quem for.
Arianwen o olhou com os olhos marejados, sentindo que, pela primeira vez, o clã podia se dividir entre trevas e luz.
Maebh ergueu a voz novamente, serena como o vento que anuncia presságios.
— Sorcha sabe o que faz. Ela conhece os rituais, ela conhece os segredos antigos. Se permitir que Thioran decida em nome da alcateia, ela terá quebrado o pacto da Lua.
Eira inspirou fundo, a raiva se transformando em fogo puro.
— Então eu rejeitarei. Mesmo que isso me custe a vida.
— E eu também — disse Arianwen, a voz ainda frágil, mas agora firme como uma promessa.
Dorian fechou os olhos por um instante, como quem ergue uma prece silenciosa aos ancestrais. Depois, abriu-os, e neles brilhava a fúria calma de quem estava disposto a desafiar tudo.
— Então que assim seja. Eu falarei com Thioran. E se meu irmão estiver cego pelo feitiço de Sorcha, eu serei seus olhos.
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Atualizado até capítulo 105
Comments
Marcia Cristina Carneiro
Eu concordo plenamente com VC colega isso que VC falou tá certo 04/07/25/
2025-07-05
1
Marcia Cristina Carneiro
Aí ferrou tudo às escolhas foram feitas 02/07/25/
2025-07-02
1
Minha Opnião
Mas todos os livros não é imposto e sim vinculado de companheiro
2025-07-02
5