O vestido estava pronto desde o amanhecer, pendurado na porta do armário como uma sentença.
Dourado, longo. Elegante. Nada de cores de menininhas doces, só tecido liso e caro demais.
Essa era eu agora, o fogo em pessoa, e isso vai queimar quem ficar no meu caminho.
Passei horas encarando meu reflexo. Cabelo solto, ondulado nas pontas, pele limpa. Um pouco de blush, batom leve. A beleza sofrida dentro do convento agora seria minha arma. Podia estar linda por fora, mas por dentro?
Uma bomba prestes a explodir.
— Você está linda. — disse meu pai, encostado na porta.
Virei só o suficiente para ver o nó da gravata dele.
— Para quê tudo isso? — perguntei. — Não tem aniversário, nem comemoração. Então por que me vestir como se fosse um evento real?
Ele hesitou.
Um segundo. Talvez dois.
— É só um jantar importante. Pessoas influentes. Você precisa se mostrar... recuperada.
Ri. Seca.
— Recuperada? Eu não sou uma doença, pai.
— Mirella... — Ele deu um passo, mas eu me afastei com os olhos. — Só... seja você mesma. Só por uma noite, tente não cuspir fogo.
— Não posso prometer isso. — retruquei, e saí do quarto.
A casa parecia um cenário de filme antigo. Tudo brilhava. Cada detalhe fora cuidadosamente colocado para impressionar. Flores claras, talheres alinhados, castiçais acesos como se estivéssemos em outro século.
Os convidados começaram a chegar pouco depois do pôr do sol.
June chegou primeiro, linda como uma boneca de vitrine. Loira, sorriso gentil, vestido vermelho, e aquele jeito suave que me fazia desconfiar imediatamente.
— Mirella! — Ela me abraçou sem pedir permissão. — Você está um espetáculo. Que bom finalmente conhecer você!
— Obrigada. — respondi sentindo a verdade em suas palavras, sabia conhecer uma cobra, e ela não era uma.
Ao lado dela, o marido, Carlo López. Dono do sobrenome que fazia as pessoas mudarem de calçada. Alto, terno escuro, olhar firme. Não sorriu. Nem precisava. A presença dele já dizia tudo.
Poder. Perigo. Silêncio.
Mas foi o homem que veio atrás deles que me prendeu o ar.
Sozinho.
Sem par. Sem sorriso.
Alto. Ombros largos. Cabelo escuro, alinhado. Olhos que cortavam.
Não precisava de nada mais. Ele era... aquilo.
A definição de perigo vestido em Armani.
E me encarou como se me conhecesse. Como se soubesse cada centímetro do que havia dentro de mim.
Meu coração, ingrato, apertou. Um aperto seco, desconfortável.
E então… sem cerimônia, ouvi pelas costas, no meio de uma conversa baixa entre meu pai e Carlo:
— O casamento está marcado. Vamos apresentar isso a minha filha.
Casamento.
Marcado.
Eduardo.
O nome caiu no meu peito como uma âncora.
Dei um passo para trás. Um segundo. O ar parecia preso. Meus dedos tremiam.
Fui até meu pai, atravessando os sorrisos e os pratos, como se tudo estivesse em câmera lenta.
— O que significa isso? — perguntei baixo, entre os dentes. — Você... você me tirou do convento para me entregar a alguém? Não foi porque me amava, ou tinha se arrependido.
Ele me olhou. Sério. Culpado. Mas firme.
— Ele não é qualquer um, Mirella. É o homem certo para te proteger. Para manter você segura se algo me acontecer. Não posso te deixar solta, conhece a máfia, a vida.
— Segura? — resmunguei. — Você quer me proteger ou me vender, pai? É isso que virou? Sou uma moeda? Uma coisa para ser passada adiante?
As vozes ao redor continuaram. Mas vi que o desgraçado parecia se divertir com a situação, ele era lindo, mas cheirava a prisão e eu nunca mais entraria em uma.
— Eu não vou casar com um estranho só porque você decidiu!
— Você vai me escutar. — ele disse, mais baixo, mais frio. — Você não é mais uma menina. E essa escolha não é só sobre você. É sobre seu futuro. Sobre o nome que carrega. Sobre o que vem depois de mim.
E de repente… o vestido pareceu mais pesado. O corpo, mais frágil. A liberdade que eu tanto sonhei? Um disfarce.
Saí da sala sem dizer mais uma palavra.
Fui direto para o jardim. Meu jardim.
Mas dessa vez… eu não corri.
Só andei. De cabeça erguida, mas com a alma cheia de perguntas.
Me vigiavam. Eu sabia.
Dois soldados na lateral do jardim, um na porta da frente, e mais um rodando o perímetro como um cão de guarda adestrado.
Mas ninguém conhecia aquela propriedade melhor que eu. Nem eles.
Porque foi ali, entre muros, arbustos e silêncios, que eu aprendi a desaparecer.
Aproveitei a distração no jantar, escapei pela entrada de serviço, e corri.
As sombras do jardim me engoliram.
Subi na estufa, escalei as colunas de mármore lateral, e alcancei o alto muro com a fúria de quem já não aceita grilhões.
Saltei.
Caí do outro lado com os joelhos ralando a calçada, mas nem senti.
Quando meus pés tocaram a rua…
Ah… a rua.
O mundo, o ar fresco, a noite pulsando viva…
Era como morder a liberdade pela primeira vez.
Corri sem direção, apenas fugindo.
Meus pés desceram ladeiras, passaram por praças, becos e vielas.
Até que, numa esquina esquecida, um letreiro de neon piscava em roxo:
“Balada La Noche”
Paredes grafitadas, fila na calçada, música vibrando até o concreto.
Senti o coração bater rápido. Mas era de prazer.
— É aqui.
Entrei decidida. Um vestido caro, salto nas mãos, pés descalços. Ninguém ali me conhecia. Ali, eu não era Mirella Sorrentino, filha de mafioso, futura esposa prometida.
Eu era só mais uma garota querendo dançar até o mundo desabar.
O som me envolveu. A batida me puxou. Entrei no meio da pista como se ela fosse meu território.
Dancei.
Dancei como se cada passo fosse uma ofensa à prisão que me queriam impor.
Girei os quadris com raiva, os braços soltos, os olhos fechados.
Um garoto tentou se aproximar. Alto, bonito até. Cheiro de álcool e hortelã.
Sorri pra ele.
Cheguei perto, o suficiente para sentir seu calor.
Ele não era Eduardo Salvatore.
E era exatamente isso que eu queria.
— Quer dançar comigo? — perguntei, fingindo doçura.
Ele disse que sim.
Deixei ele me tocar, como se aquilo fosse um recado enviado direto ao tal noivo que nem conhecia.
Deixei que vissem. Que alguém comentasse.
Porque eu ia contar a Eduardo.
Ia olhar naqueles olhos de gelo e dizer:
“Não sou sua. Nunca fui. E ontem, eu estive com outro.”
Se ele tinha me escolhido para domar…
Mal sabia o que havia cavado.
Naquela noite, o mundo era meu.
E eu ia fazer com que cada passo fosse um grito de revolta, antes que o próximo dia chegasse com promessas de aliança e prisão.
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Atualizado até capítulo 40
Comments
Leni Rocha
caramba,o bicho vai pega fogo 🔥😝
2025-06-24
3
Mavia Dantas
próximos capítulos
2025-06-27
1
Marilia Carvalho Lima
😲😲
2025-06-24
1