Uma semana.
Sete dias.
Cento e sessenta e oito horas.
Foi o tempo que eu precisei pra perceber que cinco anos da minha vida... tinham ido pro lixo.
Simples assim.
Jogados.
Descartados.
Pisoteados por alguém que, no final das contas, não tinha sequer a dignidade de olhar nos meus olhos pra dizer que tava me abandonando.
Sabe aquele tipo de dor que não sangra por fora, mas dilacera cada centímetro da sua alma por dentro? Era essa.
Mas, quer saber? Eu não podia parar. Não podia me dar o luxo de desabar. Porque, se eu parasse... eu morria.
E nem isso eu podia fazer.
O diagnóstico final veio... cruel, definitivo, sem rodeios. Leucemia Mieloide Aguda.
Aquele nome pesado, sufocante... agora fazia parte de mim. Havia tratamento, sim, quimioterapia, ciclos longos, dolorosos, devastadores... E, se o universo resolvesse ser generoso, talvez... um transplante de medula óssea.
Meu atestado venceu. A pausa acabou.
O tempo de respirar... terminou.
Hora de voltar.
Voltar pro hospital. Pro olho do furacão. Pro lugar onde a vida e a morte brigam todo santo dia. E, agora, onde eu não era só a enfermeira.
Eu também era a paciente.
Com as poucas economias que eu tinha, que, por sinal, eram destinadas ao casamento que nunca ia acontecer, eu comecei a pagar o tratamento. E detalhe: aquilo era só a primeira parcela. Só a entrada. E olha que tive sorte de ter ganhado um bom desconto por ser funcionária do hospital.
Mas uma pergunta cruel martelava minha cabeça:
“E quando eu não puder mais trabalhar? Eu vou... simplesmente morrer?”
Eu não tinha resposta.
Nem coragem de buscar uma.
O hospital parecia ainda mais cinza. Mais frio. Mais sufocante.
Caminhei até o refeitório junto com Olga, que me esperava na entrada, com aquele jeitinho de quem tava segurando o mundo pra não desmoronar comigo.
Sentamos. Tentamos comer. Mas a comida simplesmente... não descia.
— Nossa... — ela bufou, empurrando o prato pra frente. — Que cara escroto, amiga. Além de um encostado, é um covarde de marca maior. Lixo. E olha que lixo eu reciclo. Esse nem isso.
Sorri sem humor, balançando a cabeça.
— O pior... — dei um gole no suco, que parecia ácido — ...é que eu nem sei por onde começar. Eu não sei se vou conseguir continuar trabalhando. E, pra completar, ainda corro o risco de ser demitida... depois do circo que foi aquele dia.
Ela cruzou os braços, me olhando séria.
— Vi... se o senhor Andrei não te demitiu até agora... depois de uma semana... talvez... talvez ele não vá demitir mais.
Arqueei uma sobrancelha.
— Andrei? — questionei, sem esconder a curiosidade.
Ela assentiu, mastigando o que parecia papelão.
— Sim. Andrei Usmanov. É esse o nome dele.
Parei. Piscando. E depois dei de ombros, respirando fundo.
— Sei não, Olga... aquele homem tem um olhar... sombrio. — Franzi o cenho. — Não é o tipo que deixa as coisas passarem. Ele tem aquele tipo de presença que, quando olha pra você, parece que tá decidindo se te descarta ou não.
Ela segurou uma risada.
— Apoio completamente. Aquele homem tem cara de quem demite com um estalar de dedos. Mas, mudando de assunto... — sua voz ficou mais delicada — ...Vi... você vai começar a quimioterapia hoje, não vai? Você... não pode deixar de fazer o tratamento, amiga. Por favor.
Suspirei, cansada.
Tão cansada que parecia que até a alma tava cheia de hematomas.
— Vou, sim... — respondi. — Assim que terminar o plantão. Mas, Olga... eu não sei... eu não sei como vou lidar com isso. Com os sintomas... com o cansaço... com tudo. Só de pensar já me dói.
Ela segurou minha mão por cima da mesa.
— Se eu puder te ajudar, no que for... eu vou, tá? — sua voz tremeu. — Você não tá sozinha. Além disso... quem sabe... quem sabe você consegue um doador de medula. Você sabe que pode ser sua cura.
Eu tentei sorrir. Juro que tentei. Mas foi um sorriso vazio.
— Olga... meu tipo sanguíneo é raro. Você sabe como é difícil encontrar um doador compatível. — Passei a mão no rosto, respirando fundo. — É quase... impossível.
Ela apertou minha mão mais forte.
— Quase... não é impossível. Nunca é. A gente vai achar. Você vai sair dessa. Eu acredito, Violetta. E você vai ter que acreditar também.
Fiquei em silêncio.
Na verdade... eu não sabia nem mais no que acreditar.
Depois do plantão, comecei meu primeiro ciclo de quimioterapia.
As primeiras horas foram estranhas. Frio na veia. Cheiro metálico. Gosto ruim na boca. O soro pingando lentamente, como se cada gota lembrasse:
“Você tá lutando pra não morrer.”
No começo foi leve... enjoo, um pouco de tontura, um cansaço absurdo... mas eu sabia que era só o começo.
No final do dia, saí do hospital com Olga ao meu lado, andando devagar, como se o mundo inteiro pesasse sobre meus ombros.
— Ei... — ela me cutucou — ainda tá enjoada?
— Não... um pouco melhor agora. Só meio... vazia. — Respondi, olhando pro chão.
Foi quando, do nada... ele apareceu.
Um carro preto, que mais parecia uma nave espacial, parou bem na nossa frente. O tipo de carro que você não vê... você admira. Brilhante. Potente. Intimidador.
E ele desceu.
Andrei Usmanov.
Terno impecável, relógio que pagava meu tratamento inteiro, expressão de quem comanda o mundo... e olha, se eu dissesse que não senti nada... estaria mentindo.
Ele lançou um olhar na minha direção. Frio. Cortante. E... curioso.
Mas eu desviei na hora. Fingi que nem vi.
— Meu Deus... — Olga sussurrou, apertando meu braço — o que esse homem tem de arrogante... ele tem de... Meu. Deus. Que. Homem. QUE. HOMEM, Violetta. Sério. Isso nem é legal. Isso devia ser crime.
Revirei os olhos, bufando.
— Credo, Olga... — tentei disfarçar, olhando pro lado — nem é tanto assim... — virei de novo, meus olhos caindo nele no exato momento em que ele ajeitou a manga do paletó.
Minhas palavras simplesmente... morreram.
— Quer dizer... talvez... — pigarreei — mas beleza não é tudo, né? Não compra caráter, não compra humildade...
— É... mas compra um carro daquele. — Ela rebateu. — E talvez uma casa no Caribe.
Suspirei, tentando não rir e não colapsar ao mesmo tempo.
— Vem, Olga... eu só quero... dormir. Nada mais.
Ela segurou meu ombro.
— Hoje eu fico com você, tá? — disse, carinhosa. — Não posso sempre, por causa da minha avó... mas hoje... hoje eu fico. Você não vai passar essa noite sozinha.
E assim foi.
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Atualizado até capítulo 38
Comments
Elenir Lima
Eita esse capítulo foi forte demais doeu 🥹🥹🥹
2025-06-23
10
Amanda
Que bom que ela tem a Olga pois passar por tudo sozinha é bem complicado
2025-06-25
2
Vânia Maranhão
e muito triste, mas infelizmente essa doença é assim. Mas Violletta vai sair dessa. e mostrar para aquele babaca do Ramon que ela é forte.
2025-06-30
0