CAPÍTULO 01

   Existem momentos na vida em que a gente se sente forte.

Inquebrável.

Capaz de qualquer coisa.

   Você corre atrás dos seus sonhos, se sacrifica, se entrega. Acredita que tudo vale a pena quando se tem um propósito, uma meta. E aí... a vida te mostra que ela não é justa. Que ela não se importa com o quanto você luta. Que ela te derruba, te esmaga, te faz engolir cada plano, cada esperança, cada maldito sonho.

E, de repente, viver não é mais sobre ser feliz.

É sobre... sobreviver.

Essa era eu. Violetta Kalin.

   Vinte e oito anos. Enfermeira. Trabalhadora. A mulher que se iludia todos os dias acreditando que tava construindo um futuro. Que acreditava que amor, esforço e lealdade bastavam.

Mas, cá entre nós?

A vida não funciona assim.

   Trabalhava num hospital renomado, desses que só quem tem muito dinheiro entra. Uma instituição privada, elegante, no coração de Moscou. E, olha... não era exagero dizer que só de olhar pro prédio você já se sentia pobre.

   Eu consegui aquela vaga graças a um amigo da faculdade. Uma indicação milagrosa, porque, honestamente, se dependesse do meu currículo ou do meu sobrenome, eu não teria passado nem da porta.

  E além de bancar minha própria vida, eu bancava a vida de outra pessoa.

Roman.

Meu noivo.

  Ele estava desempregado, há meses. E quem segurava tudo? Isso mesmo. Eu.

   O aluguel, a faculdade dele, as contas, a comida e, se sobrasse alguma coisa, o sonho do nosso casamento. Spoiler? Não sobrava.

   Mas eu fazia mágica. Vendia coisas online, aceitava plantões extras, vivia no limite do cansaço, da exaustão, da ansiedade... e, ainda assim, acreditava que tudo valia a pena. Porque, no fim, quando a gente ama... a gente acredita que tá tudo certo.

A gente acredita.

   Naquela manhã, o despertador parecia mais uma bomba prestes a explodir. Levantei, cambaleando, e a tontura veio de novo. Forte. Quase me fez cair.

   Apoiei as mãos na cama, fechei os olhos e esperei o mundo parar de girar.

   Mas não era só isso. Havia semanas que manchas roxas apareciam do nada no meu corpo.

   Pequenas... depois maiores... e cada vez mais frequentes.

No fundo, eu sabia.

   Eu só... não queria admitir. Não queria ouvir aquilo em voz alta.

   Respirei fundo, levantei, fui pro banheiro. Me encarei no espelho.

Os olhos fundos, os lábios pálidos, a pele sem vida.

   — Tá tudo bem... — murmurei pra mim mesma, mentindo descaradamente. — Você só tá cansada... é só isso.

   Prendi o cabelo, coloquei o uniforme, peguei a bolsa.

   Parei na porta do quarto, olhei Roman, deitado, esparramado na cama, dormindo como se tivesse passado a noite salvando o mundo... ou zerando algum jogo idiota.

  Me aproximei, depositei um beijo na testa dele e sussurrei:

   — Amor, tô indo.

   Ele nem abriu os olhos. Só murmurou, com a voz arrastada e sonolenta:

    — Tá... fecha a porta quando sair.

É. Super fofo, né?

Coração quentinho? Nem um pouco.

Suspirei, saí e segui meu caminho.

  Na esquina, lá estava o velho Semyon, motorista do ônibus. A figura mais pontual e rabugenta de Moscou.

  — Bom dia, senhor Semyon! — Sorri, acenando.

   Ele olhou pelo retrovisor, arqueou a sobrancelha e respondeu, com aquele humor azedo de sempre:

   — Bom dia, senhorita Violetta. Pontualidade é seu sobrenome, hein?

   — Se eu me atraso, minha consciência me demite no mesmo segundo. — Fingi um sorriso, subindo. — E aí... vai me pagar uma corrida grátis hoje ou seguimos na amizade?

Ele bufou, riu de canto e respondeu:

   — Só se quiser ir pendurada no retrovisor.

   O Senhor Semyon era assim, mas eu adorava ele. E ele? Acho que também gostava de mim

Soltei uma risada, ajeitando a bolsa no ombro.

   E, claro, nenhum assento livre. Fiquei de pé, segurando na barra de ferro, rezando pra não ser jogada de um lado pro outro como de costume.

   Percebi alguns olhares. Sempre percebia. Alguns curiosos, outros desconfiados, outros até meio desconcertados.

Mas eu já tinha me acostumado.

Nasci assim.

Um olho azul. O outro, castanho.

Heterocromia.

   Quando era criança, odiava. Me sentia um ET, estranha, diferente, errada.

   Hoje? Hoje eu achava que era meu charme. Minha marca registrada. Se me olhavam... que olhassem.

   Cheguei ao hospital e, de cara, percebi que algo tava MUITO errado.

O clima... tenso.

   Pessoas andando rápido, cochichos pelos corredores, papéis voando, gente da administração em pânico.

   Apertei o passo, tentando entender o que tava acontecendo.

   Foi quando Olga, minha colega de plantão, surgiu do nada, segurando uma prancheta e parecendo estar a ponto de surtar.

    — Que circo pegando fogo é esse? — perguntei, olhando em volta. — Perdi alguma coisa? Caiu um meteoro? Teve um assassinato? Alguém me atualiza, por favor.

   Ela bufou, revirou os olhos e respondeu, andando apressada:

   — Você não sabe?

   — Não. E agora tô oficialmente com medo.

   Ela se aproximou, olhou pros lados, baixou o tom e soltou:

   — O senhor Maksim... se afastou. Tá fora. E adivinha? Colocaram o sobrinho dele no comando.

Arregalei os olhos.

   — Pera. COMO ASSIM? O sobrinho? Que sobrinho? Desde quando esse homem tem sobrinho?

   Ela se inclinou mais, como se aquilo fosse confidencial da CIA.

   — Dizem que ele vive fora há anos. Sempre nas sombras da família. E agora... ele voltou.

   — E... ele é... pelo menos gente boa? — perguntei, cheia de esperança.

Ela deu uma risada seca, quase debochada.

  — Violetta... você acha MESMO que alguém da família Usmanov sabe o que é ser "gente boa"?

Travei.

   — ...Tocou num ponto.

   — Dizem que ele é pior que o próprio Maksim. Frio. Calculista. Nunca sorri. Não gosta de ninguém. Não confia em ninguém. E... — ela olhou pros lados novamente, abaixou ainda mais o tom — ...e que ele não tá aqui só pelo hospital.

Franzi a testa. Que homem horrível...

   — Como assim?

Ela deu de ombros.

   — Sei lá. Só sei que tem coisa grande aí. E... ele chega hoje. Daqui a pouco.

   — Perfeito. — Levei a mão ao peito, fingindo desmaiar. — Maravilhoso. Minha vida já tava uma loucura. Agora é oficial: vai virar um filme de terror.

Ela riu.

   — Se prepara, Vi. Esse lugar vai virar um verdadeiro inferno.

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Comments

Lyllie J.

Lyllie J.

Como somos bobas quando amamos alguém não é?! Não é que não enxergamos, nós enxergamos sim o problema é querer acreditar. Logo ela vai ter que aceitar a realidade.

2025-06-23

6

harumy

harumy

aí miga! esse livro vou pular 😢😢😢 não é um assunto muito agradável para mim, mas tenho ABSOLUTA CERTEZA QUE JÁ É UM SUCESSO 😃😃😃😃.
desculpa aí Hadassa, avisar quando tiver um próximo ❤️❤️ amo suas histórias 💗💗💗😍😍😍

2025-06-26

0

Joselma Trajano

Joselma Trajano

A Violet ama sozinha , trabalha sozinha , e está doente sozinha 🥺esse Ramon e um encontro com E maiúsculo, acorda vi ,vc precisa se cuidar sua saúde tá pedindo socorro , se ame mais mulher.

2025-06-25

0

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