O dia estava simplesmente... exaustivo.
O tipo de dia que você respira fundo e pensa: “Se mais uma coisa der errado, eu surto.”
No meio da correria, parei no quarto da senhora Irina, uma das minhas pacientes favoritas. Uma mulher incrível, cheia de classe, tão doce... mas extremamente solitária.
Dona de uma fortuna absurda, mas sem ninguém por perto. Ela vivia praticamente no hospital, já fazia meses, tratando de uma insuficiência renal crônica.
Três sessões de hemodiálise por semana, além de outras complicações que teimavam em aparecer.
Ela sorriu assim que me viu entrar com a bandeja de medicação.
— Olha só... — ela ajeitou os cabelos finos, ainda bem arrumados, apesar do tempo no hospital — ...se a beleza tivesse nome, seria Violetta. — Sorriu com aquele jeitinho dela que aquecia meu coração.
Soltei uma risada leve, me aproximando.
— Ah, senhora Irina... se continuar assim, vou sair daqui me achando demais. — Toquei na mão dela, que estava um pouco fria, mas cheia de vida. — E a senhora? Como está se sentindo hoje?
Ela suspirou, olhando pela janela.
— Do mesmo jeito que um vaso de cristal velho... inteiro por fora, mas prestes a quebrar por dentro. — Ela piscou, divertida, e completou: — Mas a sua presença sempre faz tudo parecer menos ruim.
Senti aquele nó na garganta, mas disfarcei sorrindo.
— A senhora é incrível. E... se quiser, posso ser sua filha emprestada. — Toquei seu rosto com carinho. — Não substitui, eu sei... mas estarei aqui sempre que precisar.
Ela apertou minha mão, emocionada.
— Você tem um coração raro, menina...
Ficamos conversando um pouco, até eu terminar os procedimentos e ajudá-la a se ajeitar na cama.
— Você merece um mundo melhor, Violetta — disse ela, ajeitando a manta sobre as pernas. — Só espero que a vida não seja tão cruel com você como foi comigo.
Engoli seco. Engraçado... nem ela sabia o quanto aquela frase estava prestes a fazer sentido.
Saí do quarto com aquele aperto no peito, segurando uma pasta cheia de prontuários e relatórios. Virei o corredor apressada, distraída, quando...
— Aí, meu Deus! — trombei com alguém.
Os papéis voaram como folhas ao vento.
Dei dois passos pra trás, levando a mão ao peito, o susto quase me matou.
Levantei os olhos... e quase tive uma vertigem.
O homem na minha frente parecia ter saído de algum filme proibido para menores. Alto. Muito alto. E põe alto nisso. Ombros largos, postura impecável, terno preto sob medida, gravata perfeitamente alinhada, cabelo penteado pra trás, olhos... frio. Afiado. Cortante.
Ele ajeitou o paletó devagar, deslizando as mãos pelo próprio corpo, como se me dar um segundo de atenção fosse perda de tempo.
— Perdoe-me, senhor... — a voz escapou baixa, polida, contida. Mantive o tom neutro, profissional, lutando pra não soar nervosa. — Eu... eu não estava olhando pra frente... me desculpe.
Ele não respondeu de imediato. Apenas virou levemente o rosto na minha direção, estreitando os olhos. O maxilar dele travou, tenso, a mandíbula pulsando, como se estivesse segurando a própria irritação.
— Típico... — ele soltou, seco, frio. — Mais uma desastrada andando por aí feito barata tonta. — Seus olhos deslizaram por mim como se eu fosse... descartável.
Travei. Mas respirei fundo.
Controle, Violetta. Controle.
— Sinto muito. — Apertei os papéis contra o peito, abaixando a cabeça ligeiramente, mantendo a postura profissional. — Realmente não foi minha intenção.
Ele descruzou os braços, dando meio passo na minha direção. A sombra dele cobriu meu corpo inteiro.
— Só espero... — sua voz saiu mais baixa, carregada de veneno — ...que tenha mais competência pra cuidar de pacientes do que pra... andar.
Aquilo queimou. Rasgou.
Mas respirei fundo. Engoli seco.
Não dá pra perder esse emprego, Violetta. Segura.
Forcei um sorriso educado.
— É claro, senhor. Tenha um bom dia. — Mantive a compostura, fingindo uma educação que, honestamente, estava pendurada por um fio. Minha vontade era mandar esse riquinho metido tomar naquele lugar...
Girei nos calcanhares, me abaixando pra pegar os papéis do chão, mas não consegui segurar a língua.
— Arrogante... — escapou no meu tom mais baixo... só que não baixo o suficiente.
— Como é que é? — A voz dele cortou o ar, seca, afiada, gelada.
Parei. Meu corpo inteiro enrijeceu. Senti aquele frio subir pela espinha.
Levantei devagar, muito devagar, girando de volta pra encará-lo.
Ele estava parado. Imponente. Olhar semicerrado. Queixo erguido. Ombros tensos. A expressão dele beirava o descrédito.
— Eu... — engoli seco, tentando formular algo, qualquer coisa — eu... eu só... — minha boca abriu, mas não saiu som.
O olhar dele desceu pelo meu corpo, subiu devagar, como se cada segundo fosse um julgamento.
— Está me chamando... de arrogante? — O tom dele... meu Deus... parecia mais um sussurro grave, carregado de ameaça.
Meu peito subiu e desceu, desesperado. As mãos começaram a formigar. As luzes do corredor começaram a... oscilar... Não. Era a minha visão que tava falhando.
O suor frio escorreu pela nuca.
Tentei abrir a boca, dizer qualquer coisa, me retratar, sumir, me teletransportar pra Marte... mas as palavras não saíram.
O chão... pareceu desaparecer.
— Eu... eu acho que... — tentei dizer, mas a voz morreu na garganta.
As pernas ficaram bambas. Tudo girou. Tudo ficou... preto.
A última coisa que senti foram... braços. Braços fortes segurando meu corpo antes que eu batesse no chão. E aqueles olhos... frios, confusos, surpresos, me encarando enquanto tudo desabava na escuridão.
...----------------...
Acordei com uma dor latejante na cabeça e o som das vozes abafadas. Pisquei várias vezes até reconhecer onde estava. Sala de medicação.
— Violetta! — A voz desesperada da Olga preencheu meus ouvidos. Ela se jogou praticamente em cima de mim. — Meu Deus, mulher! Que susto! Disseram que você desmaiou no meio do corredor! Tá tudo bem?
— Eu... acho que sim. — Levei a mão à testa, confusa. — Não lembro de muita coisa, só... esbarrei em alguém e... — pausei. — Espera...
Ela me olhou, quase saltando da cadeira.
— É verdade o que tão dizendo? — sussurrou, arregalando os olhos.
— O quê? — franzi a testa. — O que estão dizendo, Olga?
Ela se inclinou, como se fosse contar um segredo de estado.
— Que... foi o... — ela engoliu seco — o sobrinho do senhor Maksim quem te trouxe pra cá.
— O quê?! — Quase pulei da cama. — O QUÊ?!
— Exatamente o que ouviu.
Minha boca abriu, seca.
— Não... não, não... — Levei as mãos ao rosto. — Me diz que é mentira... EU XINGUEI ELE, OLGA! EU CHAMEI ELE DE ARROGANTE!
Ela arregalou os olhos, fazendo um O perfeito com a boca.
— Você tá... você tá FERRADA!
— Eu vou ser demitida... — bati a mão na testa, entrando em pânico. — Meu Deus... meu aluguel... a faculdade do Roman... MEU CASAMENTO!
Ela me segurou pelos braços, quase me sacudindo.
— Calma, calma, calma! Talvez... talvez ele nem tenha ouvido...
— Ele olhou na minha cara, Olga! — Tapei o rosto. — Eu tô ferrada...
— Tá mesmo. — Ela concordou, simplesmente.
Foi quando a porta abriu. O médico entrou, sério, com uma pasta na mão. Dr. Yuri. Um dos poucos médicos que eu realmente gostava ali. Sempre gentil. Sempre humano.
Mas naquele momento... o rosto dele tava pálido. Tenso. Preocupado.
— Violetta... — Ele se aproximou, apertando os lábios. — Como você tá se sentindo?
— Melhor, eu acho... — respondi, tentando controlar a respiração. — Foi só um susto.
Mas ele não parecia convencido. Olhou meus exames na pasta, depois pra mim, depois pra Olga. Respirou fundo, tenso.
— Doutor... — Olga perguntou, olhando pra ele com preocupação. — Tá tudo bem?
Ele puxou uma cadeira, se sentou, apoiou os cotovelos nos joelhos e segurou as mãos. A expressão dele era de quem tava prestes a me dar uma notícia que... ninguém quer ouvir.
Eu já sabia. No fundo... eu já sabia. Só não queria ouvir.
— Violetta... — Ele suspirou. — Nós fizemos alguns exames preliminares... e... com base nos seus sintomas... nas manchas, nas tonturas... e na alteração severa no seu hemograma...
Ele pausou.
O mundo parou junto.
— ...existe uma forte suspeita de que você esteja com... leucemia.
Silêncio.
Total.
O tipo de silêncio que faz até o som dos batimentos do seu próprio coração sumir.
Olga me olhou... e eu odiei aquele olhar. Aquele olhar de pena. De compaixão. De “coitadinha”.
Eu não chorei.
Não gritei.
Não desabei.
Apenas... fiquei ali. Sentada. Olhando pra algum ponto fixo no chão, como se meu corpo tivesse desligado.
Por mais que eu quisesse me iludir... por mais que eu quisesse acreditar que era só estresse, só cansaço...
Lá no fundo... eu sempre soube.
Só... não queria encarar.
Até agora.
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Atualizado até capítulo 38
Comments
Amanda
Complicado 😪 😪 😪 , mas como ela mesmo falou ela sempre soube e estava adiando o tratamento por medo, mas agora é hora de esquecer dos outros e pensar em si mesma, cuidar de si
2025-06-25
5
Selma
Que triste, receber uma notícia dessa não é nada fácil.
2025-06-23
3
Joselma Trajano
Ela sabia , sempre soube que sua saúde tava indo de ladeira abaixo, mas escolheu fechar os olhos 😔
2025-06-25
0