Capítulo 4

O mar avançava e recuava com uma calma que Lia não sentia há dias. Sentada num muro baixo de pedra, sentia o vento frio bater no rosto, misturando-se com a ardência dos olhos cansados.

Estava ali há mais de uma hora, ignorando tudo. Inclusive a vibração insistente do telemóvel no bolso. O nome de Erica piscava vez após vez, mas Lia não conseguia responder. Ainda não. Não agora.

Levantou-se com um suspiro e seguiu a calçada à beira-mar. Os pensamentos vinham como ondas desordenadas: Isabella no bar, a mão de Miguel em seu braço, a raiva que sentia de si mesma por ter deixado tudo chegar àquele ponto.

Estava tão distraída que não viu a jovem se aproximar.

Jovem (esbarrando nela) — Ai! Podia ter prestado atenção, não?

Lia (fria, sem olhar nos olhos) — Desculpa.

Seguiu em frente, sem dar muita atenção. A jovem bufou, irritada, mas não insistiu. Lia continuou, mergulhada num silêncio surdo.

Do outro lado da calçada, Erica apareceu, ofegante, olhando em todas as direções. Tinha percorrido quase toda a orla à procura da amiga. Quando viu a cena do esbarrão, teve certeza: aquela distração era a cara da Lia.

Erica (correndo até ela) — Lia! Finalmente!

Lia parou. Não parecia surpresa — apenas exausta.

Erica — Estás bem? Eu liguei, mandei mensagem, quase chamei a polícia!

Jovem (ainda por perto, cruzando os braços) — Essa tua amiga devia olhar mais por onde anda.

Erica (educada, mas firme) — Desculpa por ela. Foi um dia… complicado.

Jovem — Pois. Que bom pra vocês. Boa noite.

A jovem virou-se e foi embora com passos firmes.

Erica olhou para Lia, séria. O vento jogava o cabelo da amiga no rosto, mas o olhar era de alguém que estava muito longe dali.

Erica (mais suave) — Anda. Vamos sentar um pouco. Não precisas dizer nada agora.

Lia assentiu com um leve movimento de cabeça.

Caminharam lado a lado até um banco de madeira virado para o mar. O som das ondas preenchia os silêncios que nem a amizade sabia curar de imediato.

Lia (depois de alguns minutos) — Eu não sei o que estava a fazer com ele, Erica. A verdade… é que eu sabia. Sempre soube.

Erica (baixinho) — E mesmo assim ficaste.

Lia — Porque achei que merecia pouco. Ou talvez... porque achava que isso era amor.

O mar devolveu apenas o som de espuma e correnteza.

Erica (encostando a cabeça no ombro da amiga) — Fica aqui hoje. Comigo. Amanhã a gente pensa no resto.

Lia — Obrigada por me achares… até quando eu não quero ser encontrada.

Erica sorriu, aliviada por, pelo menos, ainda poder estar ali.

A noite ainda estava fria quando Erica decidiu acompanhar Lia até a porta de casa. Nenhuma das duas falava muito — o silêncio, agora, parecia mais confortável do que constrangedor.

Subiram a rua calma, os passos sincronizados, como se partilhassem não apenas o caminho, mas o cansaço.

Erica (quebrando o silêncio, com um meio sorriso) — Sabes… aquela bartender ficou um pouco preocupada contigo. A Isabella.

Lia virou o rosto, surpresa. Não esperava por isso.

Erica (provocando) — Ela disse que não foi a intenção te incomodar com aquele gin. Eu, sinceramente… achei bom. Mas se não gostaste, podias voltar lá e dar mais uma chance. Quem sabe ela te surpreenda.

Lia esboçou um sorriso irônico.

Lia — Não tenho nada para falar com aquela mulher. Nem com o gin dela.

Erica — Como queiras. Mas… ela tem um jeito estranho. Provocadora. Me lembrou um pouco de ti, acredita?

Lia (arqueando uma sobrancelha) — Isso não é elogio.

Erica (rindo) — Talvez seja.

Pararam em frente ao prédio de Lia. As luzes estavam apagadas no interior, e a rua parecia envolta num silêncio espesso.

Lia (mais suave) — Obrigada… por teres ido atrás de mim.

Erica — Sempre. Tu sabes disso.

Lia — Vai descansar. Eu... eu preciso ficar um pouco sozinha.

Erica assentiu com o olhar, mas não escondeu a preocupação.

Erica — Qualquer coisa, liga. Mesmo que seja só pra dizer que odeias gin.

Lia sorriu de leve, abraçou a amiga rapidamente e entrou no prédio.

No interior do apartamento, o silêncio voltou a se espalhar como uma neblina.

Ela largou a bolsa no chão, jogou os sapatos para longe e caminhou descalça até o sofá. O lugar estava do jeito que deixara — escuro, frio, solitário.

Sentou-se, abraçando os próprios joelhos.

As luzes da cidade piscavam além da janela, mas não a tocavam. O eco do grito de Miguel ainda lhe zumbia na memória. A presença de Isabella, a confusão, o olhar preocupado de Erica — tudo parecia distante agora. Como se tivesse vivido uma cena de um filme que não pertencia a ela.

Encostou a cabeça no encosto do sofá e fechou os olhos.

Ali, no silêncio do seu espaço, o peso da solidão se fez mais presente que nunca.

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