La Belle
A cozinha do La Belle fervia em ritmo frenético. Panelas chiavam, frigideiras estalavam, e o aroma inconfundível de alho e ervas frescas tomava o ar. No centro desse caos controlado, Lia comandava a equipe com mãos firmes e olhar preciso. Cada detalhe passava por ela — do ponto exato do risoto à temperatura perfeita do molho.
Lia — Maria, o risoto precisa estar perfeito em quinze minutos. Quero textura cremosa, nada de arroz empapado! — sua voz cortava o barulho ambiente, autoritária, sem espaço para erros.
Maria, uma aprendiz de vinte anos, acenou ansiosa, acelerando o preparo sob o olhar atento da chefe.
Lia — Pedro, ajusta o sal no molho. Está doce demais — continuou, sem sequer se virar. — Não podemos decepcionar.
Pedro suspirou, mas obedeceu.
A cozinha era o reino de Lia, e ali ela reinava absoluta. Seu temperamento difícil e reservado, muitas vezes confundido com frieza, era um escudo contra o mundo lá fora. Entre panelas e fogões, não havia espaço para fraquezas.
Lia — Diogo, o creme no forno! Já passou os quinze minutos?
Diogo — Já, chef — respondeu o jovem, com a voz trêmula.
Lia — Então para de olhar pra mim e foca no serviço.
Diogo engoliu seco e voltou ao trabalho, tentando acompanhar o ritmo imposto.
Lia não gostava de conversa fiada. A cozinha era sua zona de controle, onde conseguia esconder a tempestade que a vida pessoal se tornava.
Enquanto conferia o ponto da carne, ouviu um sussurro próximo.
Rodrigo — A Lia é dura, mas sabe o que faz.
Filipe — Sim, mas ninguém gosta de trabalhar com ela.
Ela não se importava. Preferia que todos vissem apenas a chefe implacável.
Seu telefone vibrou no bolso do avental. Um nome apareceu na tela: Miguel.
Ela ignorou a chamada, sentindo um nó apertar a garganta.
Miguel era o namorado perfeito aos olhos de todos — médico dedicado, gentil, admirado pelos colegas. Mas, na intimidade do apartamento que dividiam, ele se transformava. Frio, distante, quase indiferente. Lia sentia-se sufocada, presa numa gaiola dourada.
Mais uma chamada. Ela respirou fundo e atendeu, a voz firme.
Lia — O que quer, Miguel?
Miguel — Lia... Eu sei que você está chateada. Não consegui dormir em casa porque sabia que você não atenderia.
Lia — Então por que não me ligou antes?
Miguel — Eu tentei, mas você não respondeu. Só queria conversar... saber se está tudo bem.
Lia — Você não entende. Você nunca entende.
Miguel — Me dá uma chance, por favor. Eu não quero que isso acabe assim.
Ela ficou em silêncio. A culpa misturava-se com a raiva.
Lia — Vou terminar meu turno. Depois... talvez a gente fale.
Desligou.
O relógio marcava 22h30 quando o último prato saiu da cozinha. A equipe começou a se dispersar — cansada, exausta, mas satisfeita. Lia limpou o suor da testa, pegou a jaqueta e saiu para a noite fria.
Do outro lado da cidade, num café acolhedor, Erica a esperava com um sorriso brincalhão.
Erica — Chegou atrasada, chefe — provocou.
Ela tinha uma personalidade forte, um jeito abrasivo, mas era a amiga mais leal que Lia tinha.
Lia — Não foi fácil hoje — resmungou, sentando-se.
Erica a encarou, olhos atentos.
Erica — O que tá pegando? Conta logo.
Lia hesitou. O peso do dia finalmente cedeu.
Lia — O Miguel... Ele parece um príncipe para todo mundo, mas comigo é diferente. Ele... não é o que eu preciso.
Erica riu, meio seca, meio carinhosa.
Erica — Ah, querida, esses médicos acham que mandam em tudo. Um dia você vai me agradecer por eu te dar uns tapas na cara.
Lia — Não é fácil, Erica. Você não sabe o que é viver com alguém que não te vê de verdade.
Erica — Eu sei o que é, Lia. E você merece mais. Muito mais.
O silêncio caiu entre elas por alguns instantes. Depois, Erica sorriu de novo.
Erica — Quer saber? Acho que a gente devia botar fogo nessa sua vida chata e começar a curtir de verdade.
Lia sorriu pela primeira vez no dia, apesar do cansaço.
Lia — Talvez, tens razão.
Brindaram com os copos de café. E naquela noite, pela primeira vez em muito tempo, Lia sentiu que talvez houvesse uma saída — mesmo que ainda não soubesse qual.
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Atualizado até capítulo 42
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