O relógio marcava 18h30 quando Laura finalmente salvou o arquivo no computador e fechou a tampa com um leve suspiro. O escritório da VivaCidade começava a se esvaziar. As luzes fluorescentes cintilavam suavemente, como se estivessem cansadas também. Os poucos colegas que restavam trocavam despedidas apressadas, organizando suas mochilas e se preparando para encarar o trânsito da cidade grande.
O som dos teclados, que até minutos atrás preenchia o ambiente com seu ritmo constante, foi desaparecendo, dando lugar a um silêncio leve e confortável — aquele que chega quando o dia termina, mas algo bom está por vir.
Laura se espreguiçou na cadeira, massageando a nuca dolorida. O dia tinha sido intenso, mas produtivo. Ainda assim, havia algo em seu peito que a mantinha inquieta — uma mistura de expectativa, medo e desejo. Era como se estivesse prestes a atravessar uma fronteira emocional invisível. O tipo de noite que poderia mudar tudo. Ou nada.
Foi então que Ana surgiu no corredor, como um raio de luz em fim de tarde. Trazia duas xícaras de café fumegante nas mãos e um sorriso no rosto que já antecipava sua missão: arrancar Laura da inércia.
— Achei que você ia precisar disso. — disse, com sua voz doce e animada, estendendo uma das xícaras para a amiga.
— Você é praticamente um anjo disfarçado de jornalista. — respondeu Laura, sorrindo com gratidão ao pegar o café.
Elas caminharam lado a lado até a pequena área de descanso da redação. Um espaço esquecido pela estética moderna, mas carregado de história: poltronas velhas que já ouviram desabafos demais, estantes repletas de revistas desbotadas e uma máquina de café que rangia como uma senhora de idade, mas nunca deixava ninguém na mão.
Sentaram-se juntas no sofá encardido, e por alguns instantes ficaram em silêncio, compartilhando o calor das xícaras e a tranquilidade daquele momento. Do lado de fora, a cidade começava a mudar de ritmo — o céu tingido de dourado, o burburinho nas calçadas, buzinas impacientes. Mas ali, tudo parecia desacelerar.
— Como você está se sentindo de verdade? — Ana perguntou, com um olhar que perfurava camadas e não aceitava respostas ensaiadas.
Laura olhou para a própria xícara, observando o vapor subir em espirais lentas.
— Sinto como se estivesse andando em areia movediça. Por fora, tá tudo bem… mas, por dentro, cada passo parece incerto. Tem dias em que me sinto forte. Em outros, sou só cacos tentando parecer inteiros.
Ana assentiu, com um sorriso suave, e estendeu a mão para segurar a da amiga.
— Eu sei como é. Já estive nesse lugar. Lembra quando terminei com o Caio? Achei que nunca mais ia confiar em ninguém. Que ninguém me olharia de verdade, sabe?
Laura ergueu os olhos, tocada pela lembrança.
— Lembro, sim. Você chorava escondida na sala de arquivo...
— E você levava chocolate e frases motivacionais. — Ana completou, rindo.
— A diferença é que você superou. E eu... às vezes sinto que ainda tô presa.
Ana apertou levemente sua mão.
— Laura, superar não é esquecer. É seguir em frente mesmo lembrando. Mesmo doendo. E você já deu tantos passos! Olha só pra você: trabalhando, criando, escrevendo textos incríveis, se reerguendo. Isso é lindo. E corajoso.
Laura piscou rápido, tentando conter as lágrimas. Sentia-se exposta, mas acolhida.
— Às vezes acho que não vou conseguir amar de novo. Que ninguém vai querer um coração que já foi tão remendado.
— Vai sim. — Ana disse, com convicção. — Porque o seu coração é lindo do jeito que é. Porque quem já sofreu sabe valorizar o amor verdadeiro. E, mais do que isso, você merece ser amada com leveza, com respeito, com verdade.
— E se eu me machucar de novo?
— E se você for feliz? — Ana retrucou, com um brilho nos olhos. — Laura, a vida não vem com garantia. Mas também não dá segunda chance pra quem não se arrisca.
Laura respirou fundo, deixando aquelas palavras penetrarem em sua alma. De repente, tudo parecia possível — ainda distante, mas possível.
— Você vai comigo hoje? — perguntou, como quem precisava de um porto seguro.
Ana riu.
— Claro! Eu disse que te arrastaria nem que fosse à força, lembra?
— Lembro... e tô começando a achar que você realmente faria isso.
— Com toda certeza. — Ana piscou. — E mais: eu te pego em casa às 19h30. Vai se arrumar com calma. Toma aquele banho de lavanda, passa aquele perfume que você ama e escolhe um vestido que te faça se sentir maravilhosa. Porque você é.
Laura riu, emocionada. Sentia-se mais leve. A companhia da amiga era como um cobertor quente numa noite fria — trazia conforto, proteção e força.
De volta em casa, Laura caminhou pelo apartamento com passos lentos. Cada canto carregava um pouco de sua história — o sofá onde adormeceu chorando tantas vezes, a estante com livros marcados por lágrimas, a escrivaninha onde escreveu seus textos mais doloridos.
Mas hoje, ela queria criar novas memórias.
Entrou no banho e deixou a água quente cair sobre os ombros. Fechou os olhos e deixou-se levar pelo aroma suave do sabonete. Esfregou o corpo como se quisesse tirar não apenas a sujeira do dia, mas os resquícios de tristeza.
Ao sair, vestiu um vestido azul que valorizava sua pele clara e seus olhos expressivos. Soltou os cabelos, passou um batom rosado e colocou um par de brincos simples, mas delicados. Pela primeira vez em muito tempo, não se vestia para ser aceita. Era por ela. Porque merecia se sentir bonita.
O celular vibrou. Uma mensagem de Ana:
“Tô chegando! Hoje é só o começo. 💃✨”
Laura sorriu, sentindo algo aquecer dentro do peito. Era esperança. Era desejo de vida.
O restaurante Sabores da Rua era acolhedor, com paredes de tijolinhos à vista, luzes amareladas e mesas de madeira bem cuidadas. A música instrumental que tocava ao fundo criava uma atmosfera encantadora. O perfume das ervas frescas e do pão assado no forno se espalhava como uma carícia no ar.
Ana e Laura chegaram pontualmente às 20h. Foram recebidas com um sorriso simpático por um garçom alto, de voz suave.
— Mesa para duas? — ele perguntou.
— Sim, sob reserva. Ana Clara. — respondeu Ana, empolgada.
— Ah, claro! Mesa perto da janela. Por aqui, senhoras.
Elas seguiram até a mesa designada, de onde podiam ver a rua movimentada, as pessoas passando apressadas, a cidade pulsando vida lá fora.
— Esse lugar é maravilhoso. — disse Laura, encantada com o ambiente.
— Sabia que você ia gostar. — Ana respondeu, abrindo o cardápio.
O garçom voltou minutos depois com água com gás e pães artesanais. Ana já conhecia o chef da casa e, animada, sugeriu o prato especial da noite: risoto de limão-siciliano com camarão crocante.
— Vai por mim, amiga. É de outro mundo!
Laura aceitou, rindo.
— Você devia trabalhar com vendas.
— Eu trabalho! — Ana brincou. — Vendo esperanças e empurro minhas amigas pros braços do destino.
Enquanto esperavam os pratos, conversaram sobre tudo: o trabalho, os planos, os filmes que queriam ver, os livros que ainda não leram. Laura riu tanto que chegou a chorar. E aquelas lágrimas, diferentes das de antes, tinham gosto de libertação.
— Obrigada por isso. — disse Laura, segurando a mão da amiga por cima da mesa. — Eu não sabia o quanto precisava de uma noite assim.
— Ainda vai precisar de muitas. E eu estarei aqui pra todas elas.
Enquanto isso, do outro lado do salão, Gabriel observava discretamente o movimento. Passava de mesa em mesa, garantindo que tudo estivesse perfeito. Seu olhar cruzou brevemente com o de Laura — um instante rápido, mas suficiente para algo despertar dentro dele.
Não era só beleza. Era algo nos olhos dela. Um tipo de força serena que ele reconhecia. Como se ambos carregassem histórias não ditas, mas que gritavam em silêncio.
Laura desviou o olhar, um tanto desconcertada. Seu coração bateu mais rápido. Ela não sabia o nome dele. Mas, de alguma forma, sentiu que aquela noite era o início de algo.
Ainda não sabia o quê.
Mas sentia.
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Atualizado até capítulo 43
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