Duas da manhã.
O mundo dormia, mas Sabrina estava acordada — como sempre.
Sentada no chão de seu quarto, cercada por papéis, pastas, fotos e anotações espalhadas em uma desordem meticulosamente organizada, ela encarava o mural improvisado na parede. Tinha nomes. Conexões. Datas. Rostos circulados com caneta vermelha. E, bem no centro, uma foto do pai: sorrindo, de camisa azul, segurando um copo de vinho em uma festa de fim de ano, completamente alheio ao próprio destino.
Sabrina fechou os olhos por um segundo e respirou fundo. Aquele era o ritual. Toda madrugada, sem exceção. Era o único horário em que a mãe dormia profundamente e ela podia mergulhar naquilo sem ser interrompida.
Ela puxou o caderno preto do lado da cama, o mesmo onde anotava tudo desde o início. A palavra "justiça" estava escrita na capa, mas riscada tantas vezes que quase sumia.
O celular vibrou.
> 📲 Deyse: “Consegui o endereço. É hoje às 14h. Te pego na esquina.”
Sabrina sorriu de leve. Deyse era a única que sabia de tudo. A única que nunca achou que ela era louca por duvidar da versão oficial. Desde o primeiro dia, Deyse dizia: “Teu pai sabia de alguma coisa. E alguém quis silenciar isso.”
E Sabrina acreditava.
Guardou os papéis rapidamente quando ouviu passos no corredor. A mãe estava acordando.
Ela escondeu o caderno dentro de uma caixa no fundo do armário, trancou com um cadeado e se deitou.
Meia hora depois, já no café da manhã, fingia normalidade.
— Você dormiu tarde de novo, né? — perguntou a mãe, servindo o café.
— Só um pouco. Estava vendo série.
— Que série é essa que te deixa com olheira até na alma?
Sabrina sorriu, cansada. A mãe nunca perguntou nada sobre a noite do assassinato. Nunca. Como se tivesse apagado tudo da memória. Como se aquilo nunca tivesse existido.
Mas Sabrina se lembrava de tudo.
Às 14h em ponto, entrou no carro de Deyse. A amiga usava um boné e óculos escuros, mesmo que estivesse nublado.
— Tá preparada?
— Sempre estive.
O destino era uma casa antiga no fim de uma rua sem saída. Segundo Deyse, ali morava um ex-segurança da empresa onde o pai de Sabrina trabalhava — alguém que tinha sido demitido pouco antes do assassinato, sem explicações. Boatos diziam que ele sabia demais. Que o pai dela teria “vazado” algo para ele.
Sabrina apertou os punhos.
— Se ele souber de alguma coisa... — murmurou.
— A gente descobre. Mas com calma, tá? Sem surtar.
A porta da casa estava entreaberta. Sabrina se adiantou e bateu duas vezes. Nada.
Deyse trocou um olhar com ela. Silêncio.
— Isso tá estranho. — disse Deyse, dando um passo atrás.
Então Sabrina empurrou a porta.
Estava destrancada. Um rangido ecoou como um lamento. A casa cheirava a mofo e abandono. O sofá estava rasgado. A mesa, coberta de poeira. Havia papéis queimados no chão. Um rádio antigo tocava uma estática quase inaudível.
E então Sabrina viu.
Na parede do corredor, rabiscada em letras tortas, com algo que parecia sangue seco:
"Ele não morreu por acaso. Eles estão vendo."
Deyse empalideceu.
— A gente devia sair daqui.
Mas Sabrina já estava entrando mais fundo na casa. No fundo, havia uma porta entreaberta que levava ao porão.
E de lá vinha um som… como algo se arrastando.
Ela desceu.
Escuro. Frio. Cheiro de ferrugem.
E, por um instante, ela sentiu. Não estava sozinha ali.
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Atualizado até capítulo 95
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