Os corredores do hospital estavam mais agitados do que o normal naquela manhã. Murmúrios cruzavam de uma ala a outra como uma corrente elétrica. Isadora já havia notado os olhares trocados, os cochichos contidos e os olhares surpresos direcionados para os murais de aviso.
Na parede central do refeitório, em letras maiúsculas:
PROGRAMA DE EMERGÊNCIA INTENSIVA – SELEÇÃO DE RESIDENTES PARA PROJETO PILOTO
Coordenação Geral: Dr. Leonardo V. Santoro
Início: imediato
Carga horária extra. Casos de alta complexidade.
Apenas 5 residentes selecionados.
Isadora leu a lista como se o mundo tivesse parado por alguns segundos.
Monteiro, Isadora B. — estava lá, entre os nomes.
O coração bateu mais forte. Não de medo — mas de alerta.
— Você foi escolhida? — Amanda surgiu ao seu lado, boquiaberta. — Menina, você tem algum pacto com os céus?
— Eu não me inscrevi. — Isadora franziu a testa, sem entender.
— Ninguém se inscreveu. Foi escolha direta. Dizem que o próprio Dr. Leonardo analisou relatórios, fichas de desempenho e... sei lá, mapas astrais.
A piada não suavizou o impacto.
Leonardo Santoro. O nome parecia pesar mais a cada vez que era dito. Isadora ainda não o conhecia pessoalmente, mas a sombra dele já era palpável. Um nome que vinha sempre acompanhado de frases como “genial demais para ser humano” ou “impossível de agradar”.
— Ele é frio como pedra — comentou um interno mais velho, sentando próximo a elas. — Dizem que ele perdeu a esposa durante uma cirurgia. Era ele quem estava operando. Nunca mais foi o mesmo. Desde então, trata paciente como caso. Técnica pura. Zero emoção.
Isadora engoliu em seco. O nó na garganta não era de medo, mas de compaixão silenciosa.
Mesmo sem tê-lo visto, ela sentiu. Sentiu que por trás da rigidez, havia uma ferida mal fechada.
No fim do plantão, foi convocada para uma reunião fechada. Os cinco residentes selecionados estavam na sala de aula do centro cirúrgico. Isadora chegou pontualmente, com a prancheta em mãos e o coração ritmado pelo nervosismo.
— Boa tarde. Sentem-se. — A voz que entrou pela porta era da Dra. Clarisse, supervisora do programa.
— O novo protocolo de emergência foi criado para casos extremos. Vocês serão treinados para agir com máxima rapidez, autonomia e responsabilidade. Quem não estiver pronto, será substituído.
Isadora anotava tudo, atenta.
— O programa será supervisionado por um único mentor. A pessoa mais capacitada deste hospital — continuou a supervisora, como se as palavras fossem ensaiadas. — O Dr. Leonardo Santoro assumirá vocês diretamente.
Houve um silêncio pesado. Um dos residentes soltou um “putz” abafado. Outro apenas desviou o olhar.
Isadora manteve a postura, mesmo sentindo a tensão se acumular sob a pele.
— Ele exigirá mais do que vocês acham que têm — avisou Clarisse. — Mas se passarem por isso, sairão prontos para qualquer emergência do mundo.
Ao fim da reunião, enquanto todos saíam, Isadora olhou para o quadro branco, onde a assinatura de Leonardo estava anotada com letra firme e inclinada.
Ela ainda não sabia como ele era. Mas já sentia que algo nela também mudaria. Que esse programa seria mais do que uma oportunidade: seria um divisor de águas. E, talvez, um confronto entre dois modos de ver a vida.
Naquela noite, ela ligou para a mãe. Não contou sobre o medo — só sobre a chance. E ouviu a mesma frase que a fazia seguir desde a adolescência:
— Filha, seja sempre gentil. Mas nunca apague sua luz pra caber no mundo de ninguém.
Ela não sabia, mas do outro lado da cidade, Leonardo Santoro revia relatórios enquanto massageava discretamente o ombro esquerdo. Dor fantasma, dizia a fisioterapeuta. Reflexo antigo.
Em sua mesa, uma pasta com os perfis dos residentes. Quando leu o nome Isadora Monteiro, hesitou por um breve segundo. Leu de novo. E murmurou:
— Veremos do que você é feita.
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Atualizado até capítulo 52
Comments
Ana Maria Rodrigues
feita de luz e valor amor a vocação
2025-06-13
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