Kalista estava sentada à beira da ampla janela de seu aposento no Palácio de Prata, observando a chuva incessante que caía sobre o Reino de Ankara. As gotas escorriam pelo vidro, refletindo uma melancolia que espelhava seus pensamentos. Uma xícara de chá fumegante repousava em suas mãos, o aroma suave da camomila tentando acalmar sua mente inquieta. Mas, naquela manhã cinzenta, a tranquilidade era impossível. O passado estava presente em cada respingo da tempestade.
Ela fechou os olhos, permitindo-se um momento para se perder nas memórias. Era como abrir um baú antigo: o cheiro do tempo misturava-se às emoções enterradas. E, como sempre, ele estava lá.
Tudo começou no outono de 9793, no auge de sua juventude. Kalista era diferente das outras princesas, com suas vidas previsíveis de política, casamentos arranjados e protocolos. Ela preferia as estradas poeirentas e os segredos dos vilarejos afastados. Suas jornadas pelos reinos mortais eram movidas por uma curiosidade insaciável e uma teimosia que exasperava seus tutores e conselheiros.
Foi em uma dessas jornadas que conheceu Darien – ou, como ela o conhecia, Kael, o lendário jogador do jogo popular chamado "Escolha Um". Ele era famoso em tavernas e feiras por sua habilidade de deduzir as intenções dos adversários e manipular os resultados a seu favor. Kalista o desafiou em um vilarejo próximo às montanhas. Na época, ela não sabia quem ele era de verdade, apenas que ele parecia ser o homem mais irritantemente confiante que já encontrara.
– Você nunca vai vencer – diss ele, com um sorriso de canto que deixava claro que achava a ideia de sua vitória absurda.
Mas Kalista o derrotou. Foi uma vitória apertada, mas ela venceu. Ele riu como se a derrota tivesse sido uma brincadeira e, para sua surpresa, ofereceu um brinde à sua inteligência. Foi ali que algo começou entre eles: um respeito mútuo mascarado por provocações constantes.
Enquanto o chá esfriava em suas mãos, Kalista lembrou-se da primeira vez que viajaram juntos. Não foi planejado. Em um vilarejo pequeno e remoto, rumores de uma "entidade sombria" aterrorizavam a população. Fazendeiros diziam que seus animais estavam desaparecendo, e uma névoa estranha cobria os campos ao entardecer. Kalista estava determinada a investigar, e, para sua surpresa, Kael – Darien – insistiu em acompanhá-la.
– Você não vai sobreviver sozinha – ele havia dito com seu típico tom arrogante. – E eu estou entediado. Vamos ver o que esse mistério tem a oferecer.
O que encontraram foi menos sobrenatural do que esperavam. Após noites de vigília e entrevistas com moradores assustados, descobriram que o “fantasma” não era nada além de um esquema de corrupção envolvendo o magistrado local. Ele estava usando a história da entidade para esconder um sistema de contrabando de gado, desviando os recursos da região para lucrar às custas dos aldeões.
Foi apenas o primeiro caso de muitos. A dupla improvável – a princesa aventureira e o enigmático viajante – logo se viu resolvendo mistérios semelhantes em outras partes do reino. Algumas histórias, de fato, tinham raízes sobrenaturais: fantasmas presos em ruínas antigas ou maldições esquecidas que os levaram a confrontos inesperados. Mas, na maioria das vezes, as histórias assustadoras eram apenas cortinas de fumaça para encobrir crimes e injustiças.
Ao longo do tempo, eles desenvolveram uma dinâmica única. Kalista, com sua determinação destemida e instintos afiados, e Darien, com sua inteligência prática e habilidades em combate, eram um time perfeito – mesmo que brigassem constantemente.
Voltando ao presente, Kalista sorriu amargamente enquanto a chuva batia na janela. Uma das memórias mais dolorosas estava por vir.
Foi em 9794, no vilarejo montanhoso de Eldhaven, que tudo desmoronou. Haviam investigado um suposto caso de desaparecimentos ligados a uma "entidade vingativa". O caso, como de costume, revelou-se mais humano do que sobrenatural: um bando de mercadores usava a história para justificar o sumiço de bens roubados. Após resolverem o mistério e exporem os culpados, decidiram comemorar na única taverna do vilarejo.
Kalista podia ainda ouvir as risadas, sentir o calor da lareira e o gosto doce da bebida que compartilharam naquela noite. Darien estava relaxado, mais do que de costume. Ele sorria mais, e suas respostas tinham um tom mais leve. Talvez fosse o vinho, ou talvez fosse o alívio de resolverem mais um caso. Mas algo naquela noite os fez baixar a guarda.
O que ela não sabia – o que nenhum dos dois sabia – era que alguém havia interferido. Uma substância foi adicionada às suas bebidas, e, antes que percebessem, suas mentes ficaram turvas.
Kalista levou a xícara aos lábios, mas parou antes de beber. A chuva batendo no vidro parecia sincronizar com as batidas aceleradas de seu coração. Um pensamento incômodo, que evitou por anos, voltou a invadir sua mente, implacável como a tempestade lá fora. E, como sempre, ela não conseguiu resistir a revisitá-lo.
Ela se lembrava daquela manhã em Eldhaven com detalhes dolorosamente nítidos. Não era a confusão ao entrar no quarto de Darien que a incomodava, mas o que acontecera antes disso. O que ela tinha feito.
A substância nas bebidas os deixou vulneráveis, sim. Mas não a ponto de apagar completamente suas ações. Ela acordara ao lado dele naquela manhã, os dois entrelaçados de forma íntima e reconfortante. Pela primeira vez, Kalista não vira Darien como apenas seu companheiro de aventuras, mas como alguém que podia realmente compreender o que havia em seu coração: a inquietação, o desejo por liberdade e o medo de não ser suficiente.
E isso a aterrorizou.
Ela se lembrava de cada detalhe: a forma como ele a abraçou, os sussurros gentis quando tentava acalmá-la enquanto ela se debatia nos lençóis, ainda sob os efeitos da substância. Ele foi atencioso, até mesmo carinhoso. Quando o dia clareou e ela percebeu onde estava, o pânico tomou conta. Como poderia continuar ao lado dele depois disso? Como poderia encará-lo?
"Eu não sou uma princesa para ele", pensara na época, "eu sou só mais uma tola que cedeu à fraqueza."
Sentada ali, Kalista permitiu que a culpa tomasse forma. Não era Darien quem a decepcionou naquela manhã. Fora ela mesma. Em vez de encarar a verdade, admitir que havia cedido ao que sentia por ele, preferiu fugir. Não havia decepção, só vergonha. Sua vergonha. Sua insegurança.
E foi por isso que usou magia.
Ela lançou a ilusão mais cruel que poderia conceber. Não era difícil. Ela sabia que Darien estava confuso, ainda sob os efeitos da substância. Sabia que ele confiava nela, que jamais questionaria algo vindo de sua boca. Assim, conjurou as imagens das três cortesãs – mulheres cujas roupas ainda estavam penduradas no quarto, evidência de clientes anteriores. Manipulou a cena para que, ao acordar, Darien acreditasse que elas tinham estado com ele.
Quando ele abriu os olhos, com um misto de confusão e exaustão, foi ela quem tomou a palavra.
– Não acredito que você foi capaz disso – disse, sua voz repleta de falsa indignação, enquanto apontava para as camas onde as ilusões das mulheres dormiam. – Eu... confiei em você, Darien.
A expressão dele foi devastadora. Primeiro, incredulidade, depois vergonha, e, por fim, algo mais profundo, uma ferida que Kalista sabia que nunca seria capaz de curar.
– Eu... não lembro de nada – ele tentou dizer, a voz rouca e baixa, mas Kalista o cortou.
– Isso não importa! Eu te vi, Darien. Eu vi tudo. – Sua voz falhou ao dizer essas palavras, porque sabia que eram uma mentira.
Ele ficou em silêncio, os olhos perdidos no chão, derrotado pela culpa que ela própria criara.
Foi então que ela saiu. Saiu porque não suportava a dor no olhar dele. Saiu porque sabia que, se ficasse, teria que confessar a verdade – que ele não fizera nada errado, que a culpa era dela, que ela havia acordado ao lado dele, e que talvez aquela manhã tivesse sido o começo de algo que poderia mudar tudo.
Mas ela era egoísta. Era covarde.
Foi alguns meses depois de deixar Darien que ela começou a perceber. Primeiro, foram os enjôos matinais. Depois, a exaustão inexplicável e as mudanças em seu corpo. No começo, tentou ignorar, atribuir os sintomas ao cansaço das viagens, ao estresse de viver constantemente à margem, mas a verdade tornou-se impossível de ignorar.
Kalista estava grávida.
A descoberta trouxe pânico. Como ela poderia criar uma criança sozinha? Pior, como poderia olhar para aquele bebê, fruto de uma noite que nunca tivera coragem de enfrentar? A ideia de ser mãe parecia tão distante de sua natureza quanto as estrelas do céu. E, acima de tudo, havia a vergonha – a certeza de que a criança seria um lembrete constante de seu erro, de sua covardia.
Ela tentou esconder a gravidez, mas não durou muito. Quando retornou ao Reino de Ankara, seu pai, o Rei Eldrich, percebeu rapidamente. Ele a chamou para seus aposentos, um olhar severo no rosto.
– Então, é verdade – disse ele, com uma calma assustadora. – Você desonrou nossa linhagem.
Kalista sentiu o peso da condenação em cada palavra. Não havia espaço para súplicas ou explicações. O que importava para Eldrich era manter a aparência de honra e pureza que a família real ostentava. A vergonha que ela trouxera precisava ser eliminada, apagada, enterrada.
Foi o conselheiro mais antigo do reino, Lorde Athelian, quem sugeriu a solução. Uma ideia que parecia perfeita, ao menos para Eldrich.
– Majestade, há muito ouvimos falar do guardião da Montanha Celestial – disse Athelian. – Uma criatura poderosa, capaz de proteger o reino contra qualquer ameaça. Ele aceita sacrifícios. Oferecer a criança a ele não só aplacaria qualquer vergonha, mas traria bênçãos e segurança ao reino.
Kalista não protestou. Ela não teve forças. Quando a criança nasceu, ela nem teve a chance de ficar com o bebê. Seu pai a arrancou de seus braços. Não deu tempo de perceber se era menino ou menina. Não deu um nome. O som do choro do recém-nascido ecoava nos corredores do palácio, mas ela se recusava a ouvir. Quando os criados vieram buscar o bebê para levá-lo à montanha, Kalista ficou de costas. Não olhou. Não chorou. Apenas esperou que a dor passasse.
Mas ela nunca passou.
A chuva continuava a cair lá fora, o som abafado misturando-se ao peso das palavras de Lilian. Kalista piscou, tentando processar o que acabara de ouvir. Por um instante, o silêncio entre elas pareceu tão denso quanto as nuvens escuras do lado de fora. Então, Kalista começou a rir – um riso nervoso, sem humor, que ecoou pelo quarto.
– Uma deusa? – disse ela, a incredulidade evidente na voz. – Lilian, você esteve bebendo o chá da despensa proibida outra vez? Porque isso... isso é pura loucura.
Lilian permaneceu impassível, os braços cruzados, como se esperasse aquela reação. Kalista, no entanto, não recuou. Levantou-se de repente, derrubando a cadeira no processo, e apontou um dedo acusador para a mulher à sua frente.
– Você sabe o que está dizendo? Está blasfemando! – exclamou Kalista, a raiva surgindo como um mecanismo de defesa contra o turbilhão de emoções. – Se alguém te ouvisse, seria enforcada ao amanhecer!
Lilian deu um passo à frente, mantendo a postura serena.
– Eu sei exatamente o que estou dizendo. – respondeu, a voz baixa mas carregada de convicção. Do meu ponto de vista - um tom muito ousado para uma criada – não há blasfêmia aqui. Apenas a verdade.
Kalista soltou um suspiro pesado, passando as mãos pelos cabelos. Ela olhou para Lilian, avaliando-a com cuidado. A serva parecia tão calma, tão segura de suas palavras, aquilo apenas irritou ainda mais Kalista.
– Isso é o que acontece quando se fica tempo demais ouvindo histórias de sacerdotes e profecias – murmurou Kalista, cruzando os braços. – Lilian, eu não sei o que está acontecendo com você, mas vou te dar uma chance de se explicar antes que eu...
Ela não terminou a frase. Em vez disso, avançou de repente, agarrando Lilian pelo braço e a puxando para perto.
– Antes que eu te ensine a não brincar com sua senhora deste jeito! – completou Kalista, a voz firme, enquanto erguia a outra mão, claramente pronta para dar um tapa.
Mas Lilian não se moveu. Não resistiu, nem recuou. Apenas olhou para Kalista com uma expressão serena, quase... divertida. Quando a mão de Kalista estava prestes a descer, algo aconteceu.
O ar ao redor de Lilian pareceu mudar. Uma luz suave, púrpura e pulsante, começou a emanar de seu corpo. Não era algo que Kalista já tivesse visto antes – uma presença quase etérea que fez seus cabelos se levantarem levemente, como se uma energia invisível percorresse o ambiente.
Kalista congelou, sua mão parando no ar. Seus olhos se arregalaram, e ela recuou um passo instintivamente, soltando o braço de Lilian.
– O que... o que é isso? – murmurou, quase sem voz.
Lilian ergueu a mão, e pequenos pontos de luz púrpura começaram a flutuar ao seu redor, como se as estrelas do céu tivessem descido para dançar em sua presença. A expressão serena dela se transformou em algo mais imponente, e sua voz, quando falou, parecia ecoar de todos os cantos do quarto.
– Eu sou a deusa Lilian. E, embora eu tenha esperado pacientemente que você aceitasse isso por suas próprias palavras, vejo que não me resta escolha além de demonstrar.
Kalista deu mais um passo para trás, tropeçando na cadeira caída. Seu coração batia rápido, ela sentia como se pudesse desmaiar a qualquer momento.
– Isso... isso não pode ser real... – sussurrou, olhando para Lilian como se estivesse diante de um espectro.
Lilian deu um passo à frente, a luz ao seu redor diminuindo um pouco, mas ainda presente.
– É real, Kalista. Eu não vim aqui para brincar com você. Vim porque há algo maior em jogo – algo que exige sua atenção, sua coragem e sua vontade. O destino de sua filha, de Darien, e talvez de todo este reino depende das escolhas que você fará a partir deste momento.
Kalista piscou, as palavras atingindo-a com força. Mas, mesmo diante da prova que tinha, ela ainda hesitava.
– Se você é uma deusa... – começou, a voz trêmula – por que precisaria de mim? Por que não resolve tudo sozinha?
Lilian sorriu, um sorriso enigmático que parecia guardar segredos que Kalista não compreenderia.
– Porque, como deusa, há limites para minha interferência direta nos assuntos mortais – explicou. – Mas eu posso lhe dar os meios, as ferramentas para agir. E, Kalista, se você realmente quer a redenção que seu coração anseia, terá que dançar conforme a música que eu tocar.
Kalista continuava encarando Lilian, o medo e a dúvida lutando contra a centelha de esperança que começava a se formar.
– Isso... isso é real? – perguntou novamente, quase para si mesma.
Lilian suspirou e estendeu a mão. Um brilho púrpura emanou de seus dedos, e o quarto foi preenchido com uma energia palpável. Kalista sentiu o chão tremer levemente, e, antes que pudesse reagir, a luz formou uma espécie de portal no ar.
A visão era clara: uma menina jovem, com olhos grandes e curiosos, olhando para além de uma janela embaçada. Seu rosto mostrava uma mistura de tristeza e curiosidade, como se ela soubesse que algo faltava em sua vida, mas não entendesse o quê. Por trás dela, uma figura imponente observava, sua expressão difícil de ler.
Kalista arregalou os olhos e deu um passo para trás.
– Essa é... – começou, mas não conseguiu terminar.
– Lya – completou Lilian. – É como ele a chama. Mas ela não é dele, Kalista. Ela é sua. E, se não fizer algo, ela será consumida pelo mesmo destino que consome você. Uma vida de arrependimento, solidão e prisão.
Kalista respirou fundo, o coração batendo acelerado.
– Por que está me dizendo isso? – perguntou, a voz carregada de emoção. – O que você ganha com isso?
Lilian a observou por um momento antes de responder, sua expressão suavizando levemente.
– Porque seu papel ainda não acabou, Kalista – disse ela. – Você tem a chance de corrigir seus erros. Mas, para isso, precisará confiar em mim.
Kalista hesitou, olhando novamente para a imagem de Lya no portal. Algo dentro dela começou a se agitar, uma faísca que ela pensou ter perdido há muito tempo.
– O que eu preciso fazer? – perguntou, finalmente.
Lilian sorriu, um sorriso que era tanto encorajador quanto cheio de segundas intenções.
– Primeiramente, prepare-se para enfrentar a verdade, Kalista. Pois o caminho que vem à frente não será fácil.
Kalista sentiu o ar ao seu redor se tornar pesado, ela não conseguia tirar os olhos da imagem que pairava no portal – a jovem menina com olhos que pareciam familiares, e a figura sombria atrás dela.
– Ele a chama de Lya – repetiu Kalista, em um sussurro quase inaudível. A palavra soava estranha, como se estivesse mastigando uma lembrança que não era sua.
Lilian deu um passo à frente, seu olhar implacável.
– Sim, Lya – confirmou, com um tom firme. – A cada dia que passa, a essência dela se torna mais ligada a ele. Ela não é uma prisioneira comum; ela é parte de um jogo cruel que ele começou no momento em que tomou a criança.
Kalista franziu a testa, levantando-se da cadeira com as pernas ainda um pouco trêmulas.
– E como exatamente eu faria algo contra ele? Um demônio imortal que... – ela parou, suas palavras se desvanecendo em um pensamento súbito. – Você disse que o conheço. Como? Eu nunca lidei com um demônio... nunca até...
Ela engoliu em seco, uma memória enterrada vindo à tona. Os olhos dela se estreitaram enquanto olhava para Lilian.
– Kael – sussurrou Kalista, como se o nome tivesse sido arrancado de sua alma. – Está dizendo que o guardião da montanha, o demônio que mantém minha filha, é Kael?
Lilian assentiu lentamente, deixando o silêncio falar por um momento antes de continuar.
– Sim, – disse ela, suavizando a voz, como se estivesse revelando uma confissão dolorosa. – O mesmo homem que você encontrou durante suas viagens, que você desafiou e derrotou nos jogos de escolha. Aquele que ganhou sua confiança e, por um breve momento, sua amizade. Você nunca soube quem ele realmente era, mas Kael é Darien, o guardião da montanha. E, agora, ele é o carcereiro de sua filha.
A revelação atingiu Kalista como um golpe. Ela cambaleou para trás, quase derrubando a cadeira, de novo. Por um momento, sua mente girou, lembranças confusas e dolorosas surgindo em fragmentos. Aquele sorriso enigmático, o olhar afiado como se sempre soubesse mais do que deixava transparecer... Kael.
– Ele nunca me disse – murmurou ela, os olhos arregalados. – Eu... nunca soube que ele era mais do que um humano.
– Claro que não – interrompeu Lilian, com um toque de impaciência. – Você acha que seres como ele revelam sua verdadeira natureza facilmente? Ele era um predador, Kalista. Ele entrou na sua vida, jogou seu jogo, ganhou sua confiança. E, no fim, conseguiu o que queria: sua filha.
Kalista sentiu o peso dessas palavras, mas algo dentro dela resistia. Não parecia certo. Kael – ou Darien, como Lilian o chamava agora – nunca lhe parecera perigoso ou manipulador. Pelo contrário, ele sempre a deixara intrigada, até segura, de uma forma estranha. Ainda assim, havia a verdade inegável diante dela: sua filha estava com ele.
– Por que ele faria isso? – perguntou Kalista, sua voz embargada. – Ele não sabia... ele não sabia que ela era minha filha, sabia? Ele não sabia que...
Lilian interrompeu com um olhar firme.
– Não importa o que ele sabia ou não sabia na época. O que importa é o que ele está fazendo agora. Ele está usando sua filha, moldando-a, destruindo-a. E, se você não agir, será tarde demais para salvá-la.
Kalista passou as mãos pelos cabelos, tentando processar tudo isso. A raiva e a culpa se misturavam em uma tempestade dentro dela.
– E como você espera que eu faça algo? – perguntou, finalmente, olhando para Lilian com olhos cheios de dúvidas. – Ele é... mais poderoso que eu. E se ele realmente é quem você diz que é... eu não tenho chance.
Lilian deu um sorriso leve, quase como se estivesse esperando por isso.
– Você tem uma chance, Kalista. Porque eu estou aqui para dar a você os meios. – Ela estendeu a mão, e um pequeno frasco apareceu, brilhando com uma luz dourada. – Esta poção, preparada com magia divina, vai mascarar sua presença e confundir os sentidos dele. Ele não saberá que você está lá... até ser tarde demais.
Kalista olhou para o frasco, hesitante.
– E o que eu faço depois disso? Invado a montanha e pego minha filha? Ele não vai me deixar sair facilmente.
Lilian inclinou a cabeça, como se reconhecesse a verdade dessa observação.
– Não será fácil – admitiu. – Mas há uma maneira. Você precisa conquistá-la, fazer com que ela confie em você. Ele a manteve isolada, mas se você plantar a semente da dúvida no coração dela, pode levá-la a questionar tudo o que ele a fez acreditar.
Kalista respirou fundo, o coração acelerado. A ideia de enfrentar Kael – ou Darien. – era aterrorizante. Mas a visão daquela menina no portal, a ideia de que sua filha estava viva e sofrendo, dava-lhe uma força que ela não sabia que possuía.
– E se ele me descobrir? – perguntou Kalista, sua voz baixa.
Lilian deu um sorriso sombrio.
– Então você terá que improvisar. Afinal, não é assim que você sempre viveu, Kalista? Desviando-se de armadilhas, manipulando situações? Use isso. Seja a mulher que desafiou um dragão sem saber o que ele era. Porque sua filha merece mais do que o destino que ele está impondo a ela.
Kalista pegou o frasco com as mãos trêmulas, seu olhar começou a endurecer.
– Se ele realmente está destruindo minha filha – disse ela, com a voz firme –, então ele verá o que é uma mãe disposta a tudo.
Lilian sorriu novamente, mas dessa vez, havia algo mais em seu olhar. Algo que Kalista não percebeu, as peças estavam se movendo exatamente como Lilian queria.
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Atualizado até capítulo 29
Comments
Luciana Lima
pelo amor de Deus ,autora ela ja mentiu pra ele no passado, agora vai acreditar nas mentiras dos deuses. n̈ é justo com ele
2025-06-22
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Maria Luísa de Almeida franca Almeida franca
que escória
2025-06-19
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