O sol ainda estava se escondendo por trás das montanhas quando acordei. A casa estava silenciosa, exceto pelo som suave da respiração da pequena, ainda adormecida. Olhei para ela por um momento, aquele rostinho tranquilo, completamente alheio ao caos que já havia trazido à minha vida. Levantei com cuidado, tentando não acordá-la.
— Certo, Darien, você já enfrentou exércitos e dragões celestiais. Arrumar a casa? Isso deve ser moleza. — murmurei para mim mesmo.
Minha casa era... minha casa. Para mim, sempre foi perfeita: organizada de um jeito prático, cheia de pergaminhos, armas e artefatos espalhados em lugares estratégicos. Mas agora? Cada canto parecia um convite para acidentes. Espadas afiadas na parede, poções explosivas no armário e pergaminhos que, com a combinação errada, poderiam abrir um portal para outro plano. Definitivamente, não era segura para um bebê.
Primeiro, comecei pelo meu quarto. Não era bagunçado. Porém, "não bagunçado" não significava "adequado para crianças". As armas penduradas na parede foram cuidadosamente retiradas e guardadas em um baú pesado, que lacrei com uma escama de dragão. Em seguida, dei uma boa varrida, removendo qualquer vestígio de poeira (ou as cascas de frutas que eu costumava jogar em um canto, por pura preguiça). Quando terminei, olhei ao redor, satisfeito. Já era um lugar onde ela podia ficar sem que eu precisasse vigiar cada movimento.
— Um quarto seguro, um a menos na lista — murmurei, indo em direção ao próximo.
O segundo quarto era onde eu guardava... bem, quase tudo que não usava. Armas antigas, artefatos mágicos e itens que, em mãos erradas (ou pequenas), poderiam causar estragos monumentais. Olhei para a bagunça e soltei outro suspiro.
— Vai ser um longo dia.
Peguei um baú antigo e resistente, e comecei a encher com tudo o que parecia perigoso. Uma lança encantada que poderia invocar tempestades? Baú. Um colar amaldiçoado? Baú. Uma pequena esfera que eu havia esquecido para que servia, mas brilhava de forma suspeita? Também para o baú. Fechei tudo com um encantamento e o empurrei para um canto, selando com outro feitiço. Olhei para o quarto vazio, agora seguro.
— Agora, falta o mais importante — murmurei, indo em direção ao terceiro quarto.
Decidi que aquele seria o quarto dela. Olhei e percebi que, apesar de vazio, não tinha absolutamente nada que pudesse ser chamado de "acolhedor". Precisava de móveis, roupas de cama e algo que ela pudesse usar como berço. Sorri enquanto pensava em uma solução.
— Bambus e lã… isso eu posso resolver.
Saí pela manhã, bem cedo, e caminhei até a floresta próxima. Com uma pequena lâmina, comecei a cortar bambus, escolhendo os mais firmes e flexíveis para o que tinha em mente. Carreguei-os de volta para casa, mas ainda faltava o toque final: a lã. Para isso, a vila mais próxima seria... providencial.
Quando cheguei às redondezas da vila, avistei um pequeno grupo de ovelhas pastando perto de uma cerca baixa. Olhei para certificar-me que não havia ninguém por perto e avancei sorrateiramente.
— Ninguém vai notar, é só um pouquinho de lã... — sussurrei para mim mesmo, já visualizando como seria o colchão dela.
Com um movimento rápido, conjurei um pequeno feitiço que tosquiou apenas o necessário de lã, deixando as ovelhas com o suficiente para se protegerem do frio, e saí tão rápido quanto cheguei. Enquanto voltava para casa, ouvi ao longe a voz de um pastor:
— Quem diabos andou tosquiando minhas ovelhas?
Um sorriso travesso surgiu, apertei o passo.
De volta à casa, comecei a trabalhar no quarto dela. Usando os bambus, construí um berço sólido e seguro, entrelaçando cada haste com precisão. Em seguida, usei a lã para criar um colchão macio, que cobri com um tecido que eu tinha guardado. Quando finalmente terminei, dei um passo para trás e observei minha obra.
— Nada mal, Darien. Nada mal mesmo.
Arrumei o restante do quarto e pendurei um pequeno sino que peguei quando fui ver as ovelhas, criei um encanto que fazia o som dele acalmar qualquer pessoa que o ouvisse. Quando terminei, olhei para o ambiente agora acolhedor e seguro. Pela primeira vez, aquele lugar parecia... lar.
Ouvi um som vindo do quarto principal. A pequena estava acordando. Corri até lá, tentando tirar os fiapos de lã das mãos, e a encontrei sentada, balbuciando para si mesma.
— Bom dia, pequena — disse, pegando-a no colo. — Preparei algo especial para você. Venha ver.
Levei-a até o novo quarto. Seus olhinhos se abriram ainda mais enquanto olhava ao redor, como se estivesse absorvendo cada detalhe. Ela riu e balbuciou algo que só podia ser um sinal de aprovação.
— Espero que você goste, porque deu muito trabalho... e espero que o pastor da vila não venha até aqui com um forcado. — Dei uma risada nervosa. — Tomara que ele não note nada... ou, pelo menos, não descubra que foi o "demônio da montanha".
Enquanto ela explorava o novo berço, senti uma onda de felicidade. Pela primeira vez, aquele quarto parecia ter um propósito, e eu, um motivo para estar ali.
— Agora sim, pequena — murmurei, sorrindo para ela. — Temos um lugar só seu. E talvez... só talvez... eu esteja começando a me acostumar com isso.
Desde aquele primeiro dia, minha vida mudou completamente.
A rotina tranquila e meditativa que mantive por séculos foi substituída por dias imprevisíveis e noites interrompidas. Antes, ser o guardião da montanha já parecia um desafio suficiente, mas agora? Agora eu era também o guardião de uma pequena criatura que dependia completamente de mim. Às vezes, eu parava para refletir e acabava rindo de mim mesmo. Quem poderia imaginar que o grande Darien estaria lidando com fraldas?
Com o tempo, fui me adaptando. Já sabia de cor os horários em que ela acordava para mamar, quando começava a resmungar porque a fralda estava suja ou o momento em que ela se animava com o banho – algo que parecia ser o ponto alto do dia para ela. Descobri que, usando minhas habilidades, poderia criar pequenas chamas que flutuavam pelo quarto como estrelas, o que a fazia rir de uma forma contagiante. Confesso, era algo que me enchia de orgulho.
Também criei novos hábitos. Todas as manhãs, assim que ela acordava, eu a levava para fora para mostrar o nascer do sol. Seus olhinhos brilhavam ao ver as cores do céu, encantados com a luz e o calor. Era um momento que me fazia esquecer qualquer exaustão. Depois, eu a colocava no berço improvisado que fiz com bambus e pedras, onde ela passava horas balbuciando e tentando agarrar qualquer coisa ao seu alcance.
Os meses foram passando, e a rapidez com que ela crescia era surpreendente. Aos poucos, começou a sustentar a cabeça sozinha. Suas mãos, antes frágeis, agora exploravam o mundo com determinação, e as pernas estavam sempre em movimento, como se ela quisesse sair correndo sem nem saber andar. Cada pedaço do mundo ao seu redor era uma descoberta fascinante.
Certa manhã, enquanto ela ainda estava no berço, eu me sentei no chão com uma pequena madeira nas mãos. Decidi esculpir algo para ela – um pequeno dragão. Parecia apropriado, considerando nossas origens. Era um trabalho bem simples, mas fiz com muito cuidado, concentrando-me nos detalhes. Enquanto esculpia, não pude evitar um sorriso ao perceber as mudanças em minha vida. Um grande e antigo guerreiro que agora passava horas criando brinquedos.
Um som suave interrompeu meus pensamentos. Levantei os olhos e a vi no berço, apoiada nas mãos e nos joelhos, balançando-se levemente para frente e para trás. Franzi o cenho, curioso.
— Ei, o que você está tentando fazer aí? — perguntei, com uma sobrancelha erguida.
Ela me olhou com determinação. Então, com um pequeno impulso, moveu um joelho para frente e arrastou uma das mãos. Depois o outro joelho. Fiquei estático antes de um sorriso largo se formar no meu rosto.
— Está... engatinhando? — murmurei, surpreso e divertido.
Inclinei-me mais perto, observando-a com atenção. Cada movimento era hesitante, mas ela não parava, vinha em minha direção, balbuciando algo que parecia encorajá-la a continuar. Era impossível não rir.
— Ora, você está decidida a chegar até mim, não é? — falei, estendendo as mãos para incentivá-la. — Venha, pequena. Estou aqui.
Passo a passo, ela avançava, com as mãos e joelhos se movendo com mais firmeza a cada tentativa. Quando finalmente chegou perto o suficiente, segurou meu dedo com uma das mãos e tentou levantar. Rindo, senti uma onda de orgulho que não conseguia explicar.
— Parece que você está ficando mais forte a cada dia, não é? — disse, pegando-a no colo e girando-a no ar.
Ela riu, e o som encheu o quarto como uma melodia. Segurei-a perto, sentindo uma estranha plenitude que eu nunca havia experimentado antes. Estava claro para mim que não apenas ela estava mudando e aprendendo; eu também estava.
Três dias depois, decidi que era hora de levá-la para se conectar com a natureza ao nosso redor. Fomos até o rio, onde preparei uma vara de pesca enquanto a pequena ficava sob os cuidados de três pequenos demônios que invoquei para ajudar. Para manter tudo sob controle, escolhi formas que não a assustasse: um panda vermelho, um tanuki e uma coruja de olhos grandes. Cada um tinha sua tarefa. O panda e o tanuki brincavam com ela, distraindo-a, enquanto a coruja observava do alto de uma árvore.
Tudo parecia tranquilo, até que senti uma mudança no ar. Uma energia obscura se aproximava. Minhas costas se arrepiaram antes mesmo de ver as sombras deslizando pela floresta. Virei imediatamente, observando as formas emergindo das árvores, vindo em nossa direção. Olhei para os pequenos demônios, que imediatamente se posicionaram ao redor dela, emitindo sons de alerta, mas as criaturas das sombras continuaram.
Foi o suficiente para fazer meu sangue ferver.
Levantei-me rapidamente, e uma aura feroz emanou de mim. O solo ao meu redor tremeu, e as criaturas hesitaram. Meus olhos brilharam como jade, e em um único movimento, liberei uma explosão de energia que atingiu todas as criaturas, reduzindo-as a cinzas. Quando a poeira baixou, corri até a pequena, para verificar se ela estava bem. Esperava vê-la assustada, mas, para minha surpresa, ela estava...
— Você está… batendo palmas? — perguntei, atônito.
Ela sorriu e, com um brilho travesso nos olhos, tentou imitar o rugido que eu havia dado. O som saiu como um pequeno rosnado desafinado, mas o esforço dela me fez rir como eu não ria há séculos.
— Certo, pequena dragãozinha, você está aprendendo rápido. — Peguei-a nos braços e balancei suavemente. — Mas da próxima vez, vamos evitar criaturas das sombras, combinado?
Ela sorriu, como se tivesse entendido, e se aconchegou no meu peito. Olhei para os demônios, que ainda estavam em alerta, e acenei em agradecimento. Eles voltaram às suas formas calmas, mas não sem lançar olhares confusos para mim. Eu sabia o que estavam pensando.
E eu mesmo ainda me perguntava: como foi que minha vida virou isso?
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Atualizado até capítulo 29
Comments
Leia França
tá muito lindo sua obra parabéns.....estou amando
2025-06-17
3
Luciana Lima
estou amando, mas poderia colocar fotos
2025-06-22
0
Maiara Da rosa
linda obra🤩🤩🤩
2025-06-20
1