DA QUEDA, A MARCA.

A mulher se aproximou, e Victor sentiu um arrepio frio percorrer sua espinha. A voz dela era um sussurro estranhamente doce, quase uma melodia forçada. "Vai ficar tudo bem, Victor", ela disse, os olhos dela fixos nos dele, mas sem calor. "Vai ser rapidinho, e logo você estará com sua mãe." Aquelas palavras, ditas com uma falsa doçura, eram uma tortura ainda maior, prometendo um alívio que parecia impossível.

Ela o sentou na poltrona, e um nojo intenso e incontrolável revirou o estômago de Victor quando ela se acomodou em seu colo. O cheiro dela, agora associado ao terror daquele quarto, invadiu suas narinas, quase o sufocando. Ela começou a beijar seu pescoço, e as mordidas leves em suas orelhas provocaram um calafrio de aversão. Victor ficou rígido, os músculos travados, cada fibra de seu corpo gritando para fugir. Ele aguentava tudo em um silêncio assustador, os olhos apertados com tanta força que via manchas coloridas. As mãos dela, frias e insistentes, começaram a deslizar por suas partes íntimas, e uma onda de náusea o atingiu. "Pega aqui, Victor", ela murmurava, as palavras saindo arrastadas, enquanto tentava guiá-lo. Mas ele estava paralisado, a mente em branco, o corpo recusando-se a obedecer. O medo de "morrer" ali, sem entender o que estava acontecendo, era um pensamento infantil e aterrorizante que o dominava.

A frustração da mulher era palpável. Ela suspirou, um som pesado e resignado, antes de arrancar as calças de Victor com um puxão brusco. Com um movimento rápido, ela o jogou sobre a cama, o impacto fazendo o ar escapar de seus pulmões. O peso dela sobre ele era esmagador, sufocante. Victor sentiu o pânico incontrolável crescer, seus batimentos cardíacos martelando nos ouvidos. Naquele instante de agonia, uma força desesperada o impulsionou, e ele empurrou a mulher com toda a sua energia, conseguindo tirá-la de cima dele.

Ele se levantou cambaleante e correu para a porta, as pernas bambas, a voz engasgada pelos soluços. "Pai! Pai, por favor! Abre! Eu não quero! Eu não vou fazer nada! Me tira daqui!", ele implorava, batendo desesperadamente na madeira, sentindo as lágrimas quentes escorrerem por seu rosto. Um rosnado bestial escapou da garganta de Alberto. A porta se abriu com um estrondo violento, e a figura imponente do pai surgiu, o rosto contorcido em uma fúria cega. Antes que Victor pudesse reagir, Alberto o empurrou com tanta força brutal que o menino voou da porta e colidiu com a parede perto do vaso sanitário, sentindo uma dor aguda e latejante que se somava ao terror.

A mulher, com uma cara de desprezo e indiferença, falou para Alberto, num tom frio:

— Quem você pensa que é para me bater assim, seu escroto, filho da puta!

Alberto ficou ainda mais furioso, o sangue fervendo com o jeito como ela falava. Sem pensar, desferiu socos violentos no rosto dela, empurrando-a ao chão com brutalidade. Segurou a cabeça dela pelos cabelos e começou a batê-la contra o chão, com tanta força e raiva que parecia que iria matá-la ali mesmo.

— Mulher nenhuma fala nesse tom comigo, entendeu sua imprestável vagabunda mequetrefe! — urrava, enquanto a mulher sangrava e gritava, suplicando para que ele parasse.

Victor, ainda caído no canto do quarto, chorava desesperado, gritando:

— Pai, para! Não bate nela! A culpa não é dela! Eu só quero ir pra casa…Vamos pra casa papai. Eu quero a mamãe!

Mas Alberto, cego de ódio, correu até o garoto, agarrou-o pelos cabelos e o arremessou sobre o corpo ferido da mulher. Ela gemia, sangrando, pedindo para não apanhar mais.

— Bate nela, Victor! Pelo menos isso você pode fazer! — gritou Alberto, fora de si. Bate porra,você não é um homen?

Victor, soluçando, mal conseguia falar:

— Eu… só quero ir pra casa…

Foi então que viu: a porta estava entreaberta. Num impulso, sem pensar, correu o mais rápido que conseguiu.

Alberto tentou alcançá-lo, mas tropeçou na mulher caída. Furioso, gritou com toda a força:

— Eu preferia que você tivesse nascido morto!

Victor nem olhou para trás. O coração disparado, as pernas fracas, correu pela rua até ver um táxi passando. Levantou o braço com desespero, entrou e, sem dizer uma palavra, foi levado para casa.

Foi uma das noites mais turbulentas de sua vida.

Retomando...

Victor se atrapalhava com o taco, as pernas magras embolando nos próprios passos enquanto tentava rebater a bola que Alberto arremessava sem muito entusiasmo. Ele sentia uma pontada de inveja no peito ao ver as outras crianças na rua, pais e filhos rindo e se divertindo em brincadeiras de verdade. Para Victor, aquilo parecia um privilégio inalcançável, algo que, por alguma razão inexplicável, nunca seria para ele. No fundo, um pensamento sombrio e cruel, mas recorrente, sussurrava em sua mente: seria mais fácil o pai simplesmente morrer do que ter um momento de diversão e afeto genuíno com ele novamente.E esses pensamento deixava Victor ainda mais triste.

Alberto, por sua vez, estava ali apenas para matar o tempo, o corpo presente, mas a mente distante. Nunca houve um diálogo de pai e filho de verdade, algo natural e espontâneo, entre eles. Enquanto Victor suava para tentar acertar a bola, Alberto lançava olhares frequentes para o novo carro, um modelo reluzente que ele tinha acabado de adicionar à sua vasta coleção. O automóvel estava estacionado ostensivamente em frente à casa, banhado pelo sol da manhã, como um troféu para ser admirado por todos. Para Alberto, aquele carro, assim como os outros em sua garagem, tinha um valor infinitamente maior do que a presença de Dalila ou do próprio Victor. O luto pela filha nunca havia existido para ele, e a ausência de Victor em sua vida emocional era igualmente evidente.

Alberto pegou Victor, a mão grande agarrando o braço miúdo do filho, e o arrastou para brincar de bola em frente ao reluzente carro recém-comprado. Era uma "brincadeira" sem alegria, apenas um passatempo para Alberto. Ele lançou a bola para o menino pegar, mas o arremesso foi forte demais, impaciente, como se não se importasse se Victor, que não tinha a menor noção de beisebol, conseguiria alcançar. Victor se atrapalhou, as pernas embolando, os braços esticados de forma desajeitada, um desespero mudo nos olhos ao ver a bola rápida demais para suas pequenas mãos.

Um estalo seco e alto quebrou o silêncio da manhã, seguido pelo som de vidro se estilhaçando. A bola havia quebrado a janela do carro de Alberto. O choque paralisou Victor por um instante, seus olhos arregalados de horror ao ver os cacos brilhando no chão. O incidente desencadeou um ataque de fúria em Alberto. Seu rosto, antes inexpressivo, contorceu-se em uma careta animalesca, e um rosnado gutural escapou de sua garganta. Ele correu atrás do menino com uma frieza e monstruosidade tão aterrorizantes que nem parecia estar perseguindo seu próprio filho, sangue de seu sangue. A figura grande e imponente de Alberto parecia a de uma fera incontrolável e insuportável, movendo-se com uma velocidade assustadora, os passos pesados batendo no asfalto enquanto Victor tentava desesperadamente fugir do monstro que seu pai havia se tornado. Para Alberto, a janela quebrada do carro, aquele pedaço de metal e vidro, valia infinitamente mais do que a integridade ou o medo paralisante do filho.

Victor correu, os pés pequenos batendo no chão frio, como se cada passada fosse um tambor de desespero. Encontrou a mãe sentada no sofá, folheando revistas como quem foge da própria vida.

— Socorro... me ajuda... ele vai me matar, só porquê eu quebrei sem querer a janela do carro novo do papai! — a voz do menino não era mais dele, era um soluço seco, uma lâmina cega que não cortava, só feria.

Dalilla se ergueu num pulo, o rosto pálido, as revistas escorregando das mãos, folhas mortas caindo no chão.

— Não encosta no meu filho! — gritou, erguendo o corpo frágil como uma muralha trincada. — Se acalma, Alberto! Não é nada demais! Você tem dinheiro, pode pagar o conserto da janela!

Mas as palavras dela caíam no chão como as revistas, inúteis, ignoradas.

Alberto já era só músculo e raiva, uma besta solta. Avançou e, sem aviso, o soco partiu o ar e atingiu Dalilla com força brutal. O estalo seco encheu a sala. O corpo dela tombou, sem equilíbrio, como uma boneca de pano, sangue manchando a boca, os olhos arregalados pedindo ajuda que não viria.

— Me ajuda... — gemeu, quase sem voz, olhando pros empregados que espiavam de longe, mas eram estátuas de sal, imóveis, frios, mortos por dentro.

Ela virou para o filho, o rosto um mapa de dor:

— Corre, Victor... se esconde no quarto... fecha a porta... vai ficar tudo bem...

Mentira dita como quem respira.

Victor tentou empurrar Alberto, as mãos frágeis contra o peito de pedra do pai.

— Para! Por favor, pai... Para!

Mas Alberto já não ouvia. Era só um animal cego, socando, esmagando, destruindo.

Dalilla ainda sussurrou, quase sem ar:

— Vai...

Os empregados continuavam assistindo, olhos baixos, como se fossem parte dos móveis.

Até que, depois de muitos gritos e barulhos de pancadas surdas, um deles — talvez o menos covarde, ou apenas o mais cansado — pegou o telefone e chamou a polícia.

Victor correu. As pernas pesavam como chumbo, mas ele correu. Entrou no quarto, bateu a porta e girou a chave.

Depois, só o silêncio... e o som abafado dos gritos da mãe, misturado ao seu próprio choro.

Alberto subia as escadas devagar, batendo o taco de beisebol nos degraus:

— Bichinha do caralho... — rosnava, com um sorriso de puro ódio. — Moleque frouxo! Eu vou te encher tanto de porrada… e depois te jogo sal, pra aprender a me respeitar!

Victor, trancado no quarto, ouvia os passos pesados e tremia, sem conseguir mexer as pernas.

De repente, Dalilla apareceu, puxando Alberto com força:

— Seu desgraçado! Monstro!

Ele virou na hora, com aquele olhar de desprezo:

— Cala a porra da boca, mulher! — gritou. — Nem sei por que caralhos casei contigo… Não suporto mais olhar pra tua cara!

Ela, trêmula, implorou:

— Por favor… não…

Alberto aproximou-se, o rosto colado no dela:

— Agora já era, vadia. Parece que você gosta de apanhar né, então toma.

Dalilla tentou correr, mas mal deu um passo. Ele a puxou pelos cabelos e derrubou no chão. O primeiro chute explodiu nas costelas:

— Toma! — gritou, chutando de novo. — É isso que tu merece!

Ela gritava:

— Me ajuda… alguém… por favor… Me salve

Nada. Silêncio covarde. Os empregados estavam paralisados sem " saber o que fazer".

Alberto se ajoelhou, enfiou as mãos no pescoço dela:

— Fica quieta, caralho!

Depois começou a socar, sem piedade, até o sangue espirrar.

Nesse momento, Victor saiu do quarto, gritando, chorando:

— P-pai… p-pelo amor de Deus… para!

Ele correu até o quarto do pai. Lembrou das facas. Alberto, é colecionador de facas de caça e militar. Pegou a maior, a mais afiada, com as mãos tremendo, molhadas de suor.

Desceu devagar, soluçando, a faca pesando nos dedos.

Parou no meio da escada, paralisado, vendo a mãe ali, caída, um monte de sangue, a vida quase indo embora.

O pai ainda chutava, cego de raiva.

Alberto ergueu o taco:

— Fica quieta, desgraçada!

E desceu a madeira na cabeça de Dalilla:

— Pronto! Tá vendo?! — bateu de novo, cuspindo. — Pra tu largar de ser idiota!

Victor ficou ali, travado, com a faca na mão, chorando como nunca, sem saber se corria, se atacava… ou se só desmaiava.

Vendo aquela monstruosidade, Victor soltou um grito gutural, de puro desespero, e pulou com tudo em cima de Alberto.

— Seu monstro! — berrou, acertando o pai com a força que nem sabia que tinha.

Alberto, pego de surpresa, perdeu o equilíbrio e despencou escada abaixo. O corpo bateu seco nos degraus, até estatelar no chão, num estalo horrível:

"CRACK!"

O pescoço dele dobrou num ângulo impossível. Olhos abertos, boca torta. Mesmo caido ali no chão ele mantinha o semblante de monstro, movendo os olhos procurando o corpo de Dalila, vendo - a desacordada cheia de feridas e inundada de sangue que mais parecia um rio, ele dava um risada satânica até seus batimentos pararem e morrer.

Victor ficou parado por um segundo, ofegante, o peito subindo e descendo, sem acreditar no que tinha acabado de fazer.

— Mãe… — sussurrou, com a voz falhando.

Correu até Dalilla, ajoelhando ao lado dela, o sangue quente já manchando o tapete.

— Mãe… por favor… acorda… eu te salvei…

Dalilla abriu os olhos por um instante, um suspiro fraco, quase inexistente. A mão dela buscou a do filho, apertou de leve… e soltou.

O peito parou de subir. O rosto ficou pálido, inerte.

Victor soltou um grito de dor, um som que rasgou a garganta e ecoou pela casa vazia:

— NÃÃÃÃO!

Ficou ali, abraçado ao corpo da mãe, enquanto, ao lado, o monstro que um dia chamara de pai jazia quebrado, calado.

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Anonymous

Anonymous

Nossa que horror essa história

2025-06-06

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