CAPRICHO CUSTOSO

Os anos se passaram, e Dalilla já não era mais uma mulher: era uma coisa, um objeto, um corpo que respirava apenas porque o instinto a obrigava. Estava morta por dentro, vazia, sem voz, sem pensamento, sem vontade. O seu marido a havia transformado numa prisioneira, confinada entre quatro paredes invisíveis, onde o ar rarefeito sufocava e o medo era sua única companhia.

Ela não podia falar. Cada palavra era punida com tapas, socos ou silêncios frios que duravam dias. Não podia pensar: ele dizia que mulheres não serviam para isso, que ela existia apenas para satisfazê-lo e obedecer, como um cão treinado. Não podia sonhar, não podia desejar, não podia sequer olhar pela janela sem que ele gritasse que ela estava se oferecendo para os vizinhos ou seguranças.

As agressões tornaram-se diárias, meticulosas, como um ritual de destruição lenta. Ele não a batia apenas para machucá-la, mas para lembrá-la de que ela não era nada, de que ninguém viria salvá-la, de que o mundo lá fora era ainda pior do que o inferno que ele criara para ela. Ele a queimava com cigarros, a trancava no quarto escuro por horas — ou dias — sem comida nem água, e ria enquanto ela rastejava pelo chão implorando por um gole de água ou um pedaço de pão velho. Mas o auge de tudo isso foi quando Alberto, durante uma de suas relações sexuais abusivas, colou o cano frio do revólver na vagina de Dalilla e, olhando fixamente nos olhos dela, disse com um sorriso cínico e perverso:

— “Só preciso apertar o gatilho... e você nunca mais será de ninguém"

Nas madrugadas, a acordava com puxões violentos de cabelo e a arrastava até o chão frio da cozinha, obrigando-a a limpar a casa nua, enquanto ele a insultava, dizendo que era uma inútil, uma aberração, um erro de Deus. Às vezes, quebrava pratos sobre sua cabeça apenas para ver o sangue escorrer, como se fosse um espetáculo privado. Quando ela desmaiava, ele a deixava caída, para que acordasse sozinha, encharcada de medo e dor. Os funcionário da casa recebiam ordem explícitas de não ajudar ela em nada.

A violência sexual era o ápice do seu domínio: ele não fazia amor, ele tomava posse. A usava como queria, quando queria, indiferente às lágrimas, aos gritos sufocados, ao olhar que, pouco a pouco, se apagava mais. Cada vez que ele a forçava, era como se arrancasse mais um pedaço da sua alma, deixando no lugar apenas um vazio frio e silencioso.

Ela já não se lembrava de quem era antes dele. Não sabia mais o que gostava, o que sonhava, o que a fazia sorrir. Tudo havia sido esmagado sob o peso da humilhação constante.

O único fio tênue que a mantinha viva era seu filho, que já não era mais um bebê indefeso, mas um garotinho assustado que aprendia a sobreviver em silêncio, escondido nos cantos da casa, tentando não provocar a fúria do pai. Dalilla o abraçava quando podia, tentando protegê-lo com o pouco de força que ainda lhe restava, mas sabia que, em breve, ele também seria alvo daquela monstruosidade.

E era isso que mais a aterrorizava: não o que ele fazia com ela, mas o que poderia fazer com o filho. Dalilla vivia atormentada por pesadelos acordada, imaginando o menino apanhando, sendo humilhado, quebrado como ela foi. Por isso, às vezes, pensava em fugir, pensava até em morrer — mas então olhava para o filho e decidia suportar mais um dia, mais uma noite, mais uma agressão.

Até quando, ela não sabia. Apenas vivia, ou melhor: apenas resistia. Como um corpo sem alma, como uma sombra que se arrasta, esperando que, um dia, de alguma forma, aquele inferno tenha fim.

Em uma tarde, Dalila tomou uma atitude que deveria ter tomado há muito tempo: decidiu pôr um ponto final em toda aquela vivência horrível, buscando dar um novo sentido para sua vida. Ela ansiava sentir a liberdade que jamais tivera, mesmo que o medo a acompanhasse a cada passo. Não levou nada além do seu filho e do desejo ardente de fugir para bem longe, para recomeçar.

Dalilla sabia que Alberto jamais imaginaria que ela teria coragem de fugir; ele estava tão acostumado a vê-la submissa e silenciosa que a crença de sua total submissão se tornou sua maior fraqueza. Por isso, sua fuga não foi tão difícil quanto poderia parecer para quem olhasse de fora — não porque Dalilla fosse ingênua, mas porque ele nunca esperou que ela ousasse romper as correntes que ele mesmo havia imposto.

Quando o traste desprezível chegou em casa e viu que sua esposa "amada" não estava lá, à sua espera como sempre, ele ficou furioso. Quebrou objetos pela casa, espalhando o caos como reflexo de sua raiva, mas nem sequer procurou por Dalilla ou sentiu falta do filho. Para ele, era só uma questão de tempo até que eles voltassem para a vida de antes, para o "luxo" que ele achava que proporcionava — ignorando completamente que ela já não suportava aquele inferno. A raiva que Alberto não conseguia mais descarregar em Dalilla começou a se espalhar para seu ambiente de trabalho. Ali, disfarçava o ódio com um sorriso falso, mas não poupava os funcionários das suas investidas cruéis. Passava o tempo perseguindo-os com críticas afiadas, humilhações veladas e ameaças sutis que deixavam claro que, para ele, ninguém estava a salvo. De vez em quando, dava explosões de agressividade — um grito inesperado, uma porta batida com força, um dedo apontado com ódio — deixando claro que seu poder era absoluto e sua vontade, inquestionável.

Dois anos se passaram até que os advogados de Alberto o ligassem para comunicar sobre o pedido de divórcio. Ele recebeu a notícia com ironia e deboche, menosprezando completamente o esforço de Dalilla. Para ele, era inconcebível pensar em dar qualquer dinheiro ou suporte, seja para ela ou para o filho. Sentia-se mais traído do que preocupado, e seu único pensamento era manter seu "poder" intacto.

Mas Dalilla, apesar de toda a dor e sofrimento, mostrou uma força que surpreendia até a si mesma. Nos primeiros meses, precisou buscar ajuda profissional para lidar com o trauma da violência — psicólogos e tratamentos de reabilitação foram essenciais para que pudesse começar a se reconstruir. Não foi fácil: além das marcas invisíveis deixadas pela agressão, ela enfrentou a dificuldade de cuidar de Victor, que também carregava seus próprios medos e traumas. O menino, embora jovem, sentia a tensão no ar, às vezes retraído e assustado, precisando de atenção e carinho redobrados.

A estrada para a liberdade foi longa e dolorosa, mas Dalilla continuou firme, movida pela esperança de um futuro melhor para si e para seu filho.

Alberto tinha uma preferência doentia por mulheres do interior, frágeis e de aparência dócil, exatamente como Dalilla. Com elas, ele era um mestre da sedução, um falso cavalheiro que sabia exatamente como conquistar e manipular. Seu sorriso era uma armadilha, sua voz um veneno disfarçado de doçura. Mas, assim que as portas se fechavam, a máscara caía. Durante a relação sexual, o homem encantador se transformava em um monstro implacável. Ele dominava suas vítimas com tapas que faziam o ar faltar, puxões brutais de cabelo, sufocamentos até o rosto delas ficar vermelho, e humilhações sádicas que corroíam a alma. As agressões não se limitavam ao corpo; as palavras afiadas e cruéis destruíam qualquer resquício de dignidade.

E, como um símbolo grotesco de seu poder, ele gostava de jogar dinheiro na cara dessas mulheres após suas loucuras, como se pudesse comprar suas vidas, suas dores, seus medos. O som das notas caindo no chão era um eco de sua arrogância e desprezo absoluto, uma declaração brutal de que elas não passavam de objetos descartáveis, meros brinquedos em suas mãos sangrentas.

As mulheres até denunciavam os casos de agressão e tudo mais so que os policiais lhe estendiam um tapete vermelho de privilégios; ao ouvir seu sobrenome, fechavam os olhos para os gritos das vítimas, tratavam seus apelos com desdém e negligência, como se a dor delas fosse irrelevante. Com uma pilha de dinheiro sujo nas mãos, Alberto manobrava os processos como um maestro macabro, assegurando que a justiça fosse apenas uma ilusão para quem ousasse enfrentá-lo. Ele ia além do abuso físico: registrava, em segredo, as relações sexuais violentas, capturando imagens que usava como um instrumento de terror. Ameaçava expor essas fotos nas redes sociais, não apenas para silenciar suas vítimas, mas para espalhar o medo pelo interior inteiro, destruindo reputações, vidas e esperanças, como um predador que devora sem piedade tudo que toca.

Com o tempo, Alberto começou a sentir um vazio insuportável. O estilo de vida caótico e solitário que levava não o satisfazia; ele percebia que faltava Dalilla ao seu lado — a peça que mantinha seu mundo aparentemente completo. Com uma falsa cara de arrependido, um olhar de "cachorro perdido", ele pensava em reatar, em trazê-la de volta para casa, restaurar a família e o amor que, no fundo, ele manipulava como uma marionete para manter seu controle. Passou-se um ano desde que jurava ter mudado, mas para muitos esse era só mais um jogo sujo, uma máscara bem ensaiada. Aos poucos, Dalilla parecia estar reencontrando seu próprio caminho. Terminara os estudos e conseguira um emprego no Hospital Medeiros, tentando recuperar o velho eu que a violência havia apagado. Havia um colega no hospital que demonstrava interesse por ela, mas Dalilla não estava pronta para um novo relacionamento — seu coração ainda carregava cicatrizes profundas demais para se abrir.

O Colega do hospital era gentil e atencioso, sempre tentando arrancar um sorriso de Dalilla nos momentos mais difíceis. Ele a convidava para tomar café durante as pausas, trazia pequenas lembranças — uma flor, um livro, um chocolate — como quem quer mostrar cuidado sem pressa. Conversava com ela sobre sonhos e planos futuros, sem pressionar, apenas estando presente. Para ele, Dalilla era uma mulher forte e inspiradora, embora desconhecesse toda a tempestade que havia atravessado: não sabia que ela ainda era casada, muito menos os horrores do casamento e a longa batalha para reconstruir sua vida. Seu interesse era sincero, um contraste tranquilo diante da turbulência que Dalilla ainda tentava deixar para trás.

Dalilla ficou petrificada ao saber que Alberto havia descoberto onde ela estava — na casa da tia, longe do inferno que tinha deixado para trás. Numa manhã fria, por volta das cinco horas, enquanto ela se preparava para sair e pegar o plantão no hospital Medeiros a sombra de Alberto surgiu na porta como um espectro ameaçador. Para Dalilla, era um pesadelo vivo, uma ameaça que gelava seu sangue; tudo o que ela queria era pegar seu filho, que dormia tranquilo, e fugir para bem longe, sem olhar para trás. Suas lágrimas silenciosas caíam, traindo o desespero que apertava seu peito. Seu corpo tremia, preso entre a obediência involuntária e a vontade desesperada de correr. Mas para Alberto, sua presença ali era simples, quase banal — como visitar um parente que não via há tempos, com um sorriso falso de quem acha que tudo está bem, enquanto destruía a paz que Dalilla lutava para reconstruir.

Dalilla carregava a certeza do homem que Alberto realmente era, e sabia que palavras vazias jamais poderiam apagar as lembranças dolorosas. Uma parte dela ainda sentia um vínculo tênue — talvez pela profundidade do primeiro amor, talvez pelo laço invisível de ser mãe do seu filho —, mas esses sentimentos não brotaram imediatamente ao vê-lo. Foi um lento e delicado processo de meses, onde medo e esperança se entrelaçavam em silêncio. As marcas do passado ainda estavam ali, suaves e dolorosas, moldando cada pensamento e cada hesitação. E, embora ainda não soubesse se poderia abrir seu coração para ele novamente, havia uma parte guardada, quase imperceptível, que ainda acreditava na possibilidade de recomeço, mesmo que só o tempo pudesse dizer.

Dalilla ainda sentia um medo surdo, mas, para sua surpresa (ou talvez para seu desconforto), Alberto realmente parecia ter virado outra pessoa. Falava com toda a pompa sobre buscar ajuda profissional, e a chance que ela deu não foi para voltarem a morar juntos, mas para um “quase namoro” cheio de cautelas. Ela comentava isso com os amigos, e seu colega do hospital, que estava claramente interessado nela, viu ali uma brecha para se aproximar mais — mas Dalilla, com um sorriso seco, mal dava atenção. Alberto se esmerava no papel de pai exemplar: levava o filho para a escola, para a empresa, brincava com o menino como se fosse o melhor amigo do mundo, mandou reformar a escola toda, distribuía presentes para os coleguinhas do garoto e ainda mimava os amigos de Dalilla como se fosse um prêmio de consolação. No hospital, virou uma espécie de guru local do arrependimento — investindo grana e fazendo palestras motivacionais em que se apresentava como o ex-marido desprezível que milagrosamente virou o “cara do exemplo”, usando seu passado podre para tentar “salvar” outros machões. Dalilla, claro, não contava para ninguém essas sessões de autocomiseração e falsa redenção — porque certas histórias são tão horríveis que só mesmo um empresário poderoso para transformar em espetáculo.

Alberto agora viajava com sua família sempre que podia, tentando mostrar que realmente havia mudado, que era um homem novo. Participava de todos os momentos, parecia dedicado, quase como se quisesse apagar o passado com gestos e palavras ensaiadas. Então, Dalilla, cansada da luta constante, com o coração dividido entre o medo e uma tênue esperança, cometeu o inevitável: cedeu ao capricho de Alberto e se reconciliou com ele. Voltou a morar junto. Ele chegou a vender aquela velha casa, comprou outra e prometeu que ali tudo seria diferente, que construiria um novo começo — sem nenhuma lembrança do passado, sem vestígios do seu velho eu. Mas Dalilla sabia, no fundo, que algumas sombras são difíceis de apagar.

A atuação de Alberto durou um bom tempo, uma verdadeira encenação digna de palco. Mas, como toda máscara, ela teve que cair — e da pior forma possível. Ele não precisava mais levantar a mão para machucar; agora, sua arma era a humilhação pública, sutil e cruel. No meio de todos, ele fazia questão de diminuir Dalilla, lançava palavras afiadas que feriam mais que qualquer agressão física. Era uma tortura silenciosa, um jogo de poder onde ele se alimentava do sofrimento dela diante dos olhares alheios, como se fosse um espetáculo doentio em que ele era o mestre de cerimônias.

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