Capítulo 4

✧ Laura Campbell ✧

— Mamãe, mamãe!

Acordei com um peso leve sobre meu peito e duas mãozinhas me cutucando. Era Miguel, do jeitinho de sempre, me chamando com a voz doce e ainda sonolenta, o cabelo bagunçado e o pijaminha amarrotado.

— Bom dia, meu bebê — murmurei, puxando ele para perto e abraçando com força. Beijei sua testa, onde ainda tinha o cheirinho de talco, e ele se enfiou no meu abraço como se ali fosse o lugar mais seguro do mundo. E era.

— Quando vamos para casa? — ele perguntou, com os olhos curiosos.

— Em breve, meu amor. — Acariciei seu cabelo.

— Mas o que você acha da gente aproveitar enquanto estamos aqui e fazermos algumas comprinhas para o nosso café da manhã, hã?

— Eba! — ele respondeu batendo palminhas, empolgado como se fosse ganhar um presente.

Esses pequenos momentos eram os que me faziam esquecer de tudo. O tipo de amor que cura as rachaduras invisíveis que a vida deixa no coração. Miguel era meu tudo. Meu recomeço. Meu castigo e minha redenção ao mesmo tempo.

Tomamos banho, nos arrumamos e saímos da pousada ainda cedo.

O sol mal tinha se firmado no céu, mas o calor já se espalhava pela calçada. Miguel andava ao meu lado segurando minha mão com força, olhando tudo ao redor com o mesmo encantamento de sempre — como se o mundo fosse uma nova descoberta a cada passo.

Chegamos ao mercadinho da esquina, que ficava a poucos metros da pousada. Era pequeno, antigo, com cheiro de café e pão fresco no ar. O tipo de lugar que parecia parado no tempo.

Pegamos algumas coisas básicas: leite, pão, frutas, bolacha, achocolatado — Miguel fez questão de pegar a caixinha com o desenho do super-herói. Também levei chá. Cristian havia solicitado chá na noite anterior. Por que aquilo ainda me importava?

Fizemos o pagamento e saímos devagar. Miguel parou na frente do mercado, encantado com algumas pedrinhas no chão. Se agachou e começou a brincar, passando os dedinhos e inventando histórias com elas.

Enquanto eu o observava, meu celular começou a vibrar na bolsa. Peguei o aparelho e vi o nome na tela: Ilana.

— Alô?

— Laura? — a voz dela saiu animada do outro lado da linha.

— Oi, amiga. Tudo bem?

— Sim! Acabei de saber que você está viajando. Por que não me avisou? Eu teria ido me aventurar com você.

Soltei uma risadinha sem graça, ajeitando a sacola de compras no braço.

— Não achei que ficaria tanto tempo, sabe? Vim resolver umas coisas… e optei por ficar mais alguns dias.

— Humm… “umas coisas”, né? Isso tem nome, por acaso?

Suspirei e abaixei o tom da voz. Peguei na mão de Miguel, que já estava em pé me esperando, e começamos a andar pela calçada.

— Na verdade… tem, sim.

— Ai meu Deus. Conta logo, mulher! Tá me matando de curiosidade. É algum garanhão que você conheceu?

Olhei para os lados. A rua estava calma, exceto por um cavaleiro ao longe passando devagar pela estrada de terra. Não me preocupei.

— Ilana, eu nunca te falei isso. Mas Miguel… ele é filho do Cristian. Aquele na qual te falei uma vez, que foi meu primeiro amor.

O silêncio do outro lado da linha durou três segundos. Longos. Sufocantes.

— Laura… — ela murmurou — você tá falando sério?

— Tô. Eu devia ter contado antes, mas só agora senti que precisava. — Engoli seco, sentindo o peso da verdade escorrer por mim. — Eu escondi isso de todo mundo. Inclusive dele. E depois que ele apareceu no apartamento em que estou hospedada, eu precisava desabafar.

— E você… vai contar?

— Eu quero. Juro que quero. Mas a cada vez que penso em olhar nos olhos dele e dizer que ele tem um filho… eu travo.

Paramos na calçada em frente a uma lojinha fechada. Miguel começou a pular sobre uma rachadura no chão como se fosse um jogo.

— Eu me sinto presa. Me sinto a pior pessoa do mundo. Ele tem o direito de saber… mas e se me odiar mais do que já odeia? — Suspirei fundo, colocando a mão na testa. — Às vezes eu tenho vontade de gritar para a cidade inteira que o Miguel é filho dele, só para tirar esse peso de mim. Você sabe, eu vivi toda a minha vida sozinha, o registro do meu filho não tem nome de uma figura paterna.

— Você ainda ama ele, não é? — Ilana perguntou com uma suavidade que me desmontou.

— Nunca deixei de amar. — murmurei, como uma confissão sussurrada. — Ele era o homem da minha vida. Ainda é. Só que agora… talvez seja tarde demais.

— Talvez seja melhor você contar toda a verdade logo, amiga — disse Ilana com um tom mais firme, mas ainda gentil. — Assim será menos doloroso. Conte você mesma, marque um encontro e tenha coragem. O Cristian merece isso. E o Miguel também.

Eu engoli em seco, tentando controlar a emoção que subia pela garganta.

— Farei isso, amiga. Juro. Hoje mesmo. Vou me preparar, organizar meus pensamentos… e contar tudo.

— Estarei torcendo por você.

— Obrigada, Ilana. Você não faz ideia do quanto precisava ouvir isso hoje.

— Eu sei mais do que imagina. E lembra: coragem, Laura. Coragem.

Nos despedimos com mais algumas palavras carinhosas e um “tchau”.

Desliguei o telefone com o coração mais leve. Não totalmente, mas o suficiente para respirar fundo e sentir que, pela primeira vez, eu havia dado um passo.

Ilana era uma das poucas pessoas que conheci na cidade grande e que mantive por perto mesmo com a distância. Diferente das outras “amigas” interesseiras que rodeavam minha antiga vida, Ilana era de verdade. Uma mulher simples, sincera e com uma alma acolhedora. Nos conhecemos durante um curso de extensão na universidade, e nossa amizade se firmou ali, entre confidências.

Voltamos para o quartinho da pousada com o sol já esquentando mais do que devia. O corredor estreito da entrada tinha cheiro de madeira antiga e um leve perfume de lavanda vindo de algum outro quarto.

Miguel correu na frente, já sabendo onde estava cada coisa. Ele entrou primeiro, largou o brinquedo no sofá e foi direto para a cozinha improvisada com aquela energia que só crianças felizes têm.

— Mamãe, tô com fome! — ele gritou, subindo na cadeira da mesa como se fosse rei da casa.

— Eu também tô, meu amor. Vamos fazer um café da manhã bem gostoso?

— Com panqueca?

— Com panqueca, suco de laranja, pão e o achocolatado que você escolheu. Que tal?

— Sim. — abalou a cabeça.

Enquanto Miguel se distraía com seus brinquedos, comecei a preparar tudo com cuidado.

Panquecas douradas, manteiga derretendo sobre o pão quente, o cheirinho de café tomando conta do quarto, e o barulhinho do suco sendo espremido na hora. Era simples. Mas era nosso.

Dei o café da manhã dele, estava preparada para sentar à mesa quando bateram na porta.

Dois toques firmes, secos.

Parei de mastigar na hora.

Miguel também olhou na mesma direção que eu, curioso.

— Mamãe, quem é?

— Não sei, amor… fica aqui — falei com um frio correndo pela espinha.

Me levantei devagar, limpei as mãos no pano de prato e fui até a porta com o coração acelerado.

Girei a maçaneta. E ali estava ele. Cristian.

Diferente da noite anterior.

O semblante fechado. O maxilar travado. Os olhos faiscando. Ele não parecia ferido. Parecia furioso.

Eu não tive nem tempo de dizer “oi”.

E foi assim que tudo… desabou.

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Comments

Adriana Pessanha

Adriana Pessanha

Kkk estão te vigiando , o cara contou pra ele

2025-05-27

3

Maria Das Neves

Maria Das Neves

o que será que aconteceu pra ele está furioso

2025-05-31

1

Simone Ferreira

Simone Ferreira

O preço da mentira,agora sustenta fofa!

2025-05-30

1

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