Capítulo 3

✧ Cristian Walker ✧

Não pude esquecer o passado. E vendo ela bem ali, a poucos metros de mim, só fez reforçar mais os sentimentos que tentei sufocar todos esses anos. O tipo de sentimento que não morre. Só se transforma em algo mais duro.

Eu estava com raiva dela, sim. E não vou negar.

É doloroso quando todo mundo sabe que você vai se casar no dia seguinte. Quando tudo está organizado para a festa, quando os convidados já estão na cidade, e de repente a noiva… some.

Sem aviso, sem explicação. Só deixa um bilhete em cima da cômoda como se estivesse indo embora da casa de veraneio e não da vida de alguém.

“Se cuide”

Essas palavras me assombraram por muito tempo.

Como se fosse fácil. Como se ela não tivesse arrancado meu coração com as próprias mãos.

A dor piorou com o tempo.

Principalmente quando precisei lidar com a doença do meu pai. A mesma semana em que ela me deixou foi a semana em que o velho piorou. Tive que engolir meu sofrimento e cuidar de tudo sozinho. Depois que ele partiu, eu enterrei não só meu pai — mas tudo o que um dia eu fui.

Usei a dor como combustível. Me fechei. Me tornei o homem que a região conhece hoje.

Não o mesmo de antes.

Mais duro.

Mais frio.

Mais… amargo.

Fechei os olhos por um segundo, apertei os dentes e sacudi a cabeça, tentando manter os pensamentos longe. Mas era inútil.

Ver Laura de novo, com aquele rosto marcado pela saudade — mesmo que ela fingisse estar tudo bem — foi como abrir um ferimento mal cicatrizado.

E então, mesmo com todo orgulho, com toda raiva, com todo o “tanto faz” que eu dizia sentir… Eu fui até ela, foi assim, no automático.

Sabia que ela estava hospedada numa pousada simples do outro lado da cidade, perto da estrada de terra que leva ao velho galpão dos MacAllister.

Não era lugar para a filha de gente rica.

Fiquei parado do lado de fora por alguns minutos, olhando a fachada descascada e os vasos de planta morrendo de sede. Levantei o punho e bati duas vezes na porta do quarto 6.

Ouvi passos leves. A maçaneta girou. E lá estava ela. Diferente de horas atrás, quando estava entre a multidão do leilão. Agora… estava a poucos centímetros. Os olhos vermelhos denunciavam o choro. A pele sem maquiagem, marcada de emoção. E por um instante, um instante muito breve, algo dentro de mim ameaçou ceder.

Mas não cedeu. Não ainda.

— Cristian, eu preciso mesmo falar com você. Eu…

— Não quero ouvir suas desculpas — cortei de imediato, com a voz mais fria que pretendia usar. — Nada que sair da sua boca me interessa.

Olhei diretamente nos olhos dela. — Pelo jeito estava chorando, não?

Ela engoliu em seco. A dor estava ali, visível. Mas eu não estava pronto para ter pena.

— Nada sobre mim te interessa? — ela rebateu, com a voz trêmula. — Então quer saber por que eu chorei? Vai, começa a rir da minha desgraça. É só o que me resta.

— Eu não costumo rir das desgraças dos outros — falei, cruzando os braços. — Só observo. Você está sozinha, não é?

— Sempre estive. Mas não é por falta de opção — ela disse, com o tom firme, mas o olhar ferido.

— Posso entrar?

Ela hesitou por dois segundos, então se afastou da porta.

— Claro. Quer beber algo?

— No momento só um chá… se tiver.

Ela assentiu e caminhou até a pequena cozinha, que mal dava dois passos.

Enquanto isso, eu entrei e me sentei no sofá velho da sala. A estrutura rangia a cada movimento.

Passei os olhos pelo cômodo.

Era um lugar simples. Pequeno. Limpo, mas claramente barato.

E isso me incomodou mais do que deveria.

Laura viera de uma família rica da cidade. Sempre teve tudo nas mãos. Escola particular, jantares chiques, vestidos caros, viagens de fim de semana. E agora estava ali… hospedada numa pousada que mal dava conforto básico. Na época quando eu a conheci, era metida, e com o tempo ela foi se adaptando a vida no campo. Mas como vou, tudo não passava de uma grande farsa.

— Não esperava te ver aqui — ela disse, voltando com duas xícaras fumegantes. Entregou uma para mim.

Tomei o chá sem responder. O silêncio era espesso.

— Eu só queria que você… me escutasse, pelo menos uma vez. Eu sei que demorei. Sei que te machuquei. Mas tem coisas que você não sabe, Cristian.

— E agora quer me contar? Depois de cinco anos?

Ela sentou na cadeira de frente para mim. As mãos seguravam a caneca com força, como se aquele calor fosse a última coisa segura no mundo.

— Não tinha forças antes. E sei que não mereço sua compreensão. — Fez uma pausa. — Mas… se você me ouvir, pelo menos uma vez, já vai ser mais do que eu esperava.

— Vai direto ao ponto, Laura.

Ela suspirou fundo. O som de quem carregava o peso do mundo sobre si.

— O que fiz com você foi imperdoável. Eu sei disso. Mas eu não fui embora porque quis… pelo menos não de verdade.

Revirei os olhos e larguei a caneca na mesinha de centro.

— Vai colocar a culpa em quem? Na chuva? No vento?

— Na minha família. — a voz dela saiu firme dessa vez. — Você sabe que eles nunca te aceitaram. Sempre te trataram como inferior. Como se você fosse só um passatempo de verão da filha mimada. Mas você nunca foi isso para mim, Cristian. Nunca.

Ela apertou os olhos, tentando conter as lágrimas.

— Na véspera do nosso casamento, meu pai quase morreu. Minha mãe me acusou de destruir a família. Me disseram que se eu casasse com você, eu seria responsável por tudo de ruim que acontecesse depois.

— E você acreditou? — falei, encarando. — Você acreditou nisso e achou que deixar um bilhete era o melhor jeito de terminar tudo? — Me levantei irritado, passando as mãos pelos cabelos negros.

Ela fechou os olhos por um segundo.

— Entrei em pânico. Me senti engolida. Sozinha. Fraca. E fiz a pior escolha da minha vida.

— Fez mesmo.

A voz saiu mais baixa do que eu esperava.

Por dentro, eu travava uma luta entre a raiva e a saudade.

— Eu só… — ela tentou se recompor — eu só queria que você soubesse que nunca te esqueci. Nunca. Que cada vez que acordei com a cama vazia, eu pensei em voltar. Mas eu achava que era tarde demais. E quando percebi… já tinha estragado tudo.

Caminhei até a janela.

— Tarde demais é o que você fez conosco. Comigo. Com tudo. — Respirei fundo. — Eu amei você com tudo o que tinha, Laura. E você jogou fora como se fosse pouco. E naquela época fosse pouco mesmo, diante dos seus olhos.

Quando olhei por cima do ombro, ela chorava em silêncio. Dessa vez… algo dentro de mim vacilou.

Mas eu não podia ceder. Não agora.

— Tem mais alguma coisa que precisa me contar?

Ela engoliu em seco.

— Tem… mas não agora.

— Como quiser.

Peguei o chapéu no braço do sofá, caminhei até a porta e me virei uma última vez.

— A vida ensina. E você me ensinou que amar demais também destrói.

Saí dali antes que qualquer fraqueza me puxasse de volta.

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Comments

Rosilene Narciso Lourenco Lourenco

Rosilene Narciso Lourenco Lourenco

Laura errou feio em não contar pra ele que estava grávida, ele tinha o direito de saber, perdeu cinco anos da vida do filho por causa do orgulho dela.

2025-05-27

7

Marli Batista

Marli Batista

Porque ela não contou da criança ele tem direito de saber

2025-05-29

1

vilma assis

vilma assis

nesse momento você errou Laura em não contar do filho de vocês contava tudo porque curativo arrancado de uma vez doi menos bem menos

2025-05-29

1

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