1.2 Café Amargo, Olhares Doces

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Cattleya Zarephine.

Ele me chama. A voz é grave, quase rouca. Me alcança antes mesmo de eu virar.

Não sei por quê, mas viro.

Meu coração aperta. Ele ainda está me olhando. Como se… quisesse me ver.

Tá tudo bem com você?

Que pergunta é essa?

Ninguém pergunta isso. Ninguém se importa.

Principalmente um homem como ele, que tem cara de quem carrega o próprio inferno no bolso.

CATTLEYA ZAREPHINE — Tô sim… — minto, porque é mais fácil.

Ele continua ali. Firme. Silencioso.

Mas não é aquele silêncio desconfortável. É um silêncio que parece observar o mundo… e julgar tudo em silêncio.

VIKTOR VASILIEV — Cattleya, né?

Ouvir meu nome na voz dele é estranho. Parece importante.

Quase íntimo.

Assinto, tentando não sorrir. Mas sorrio. Um pouco. Só um canto da boca. Um reflexo bobo.

E aí ele fala do café.

Me convida.

Simples. Sem rodeios.

Só um café.

Mas meu peito aperta. O medo tenta falar mais alto.

Você não pode, Cattleya. Você veio pra cá pra trabalhar, pra lutar pelos seus pais. Não é hora pra homem. Muito menos pra esse tipo de homem.

Mas ele parece sincero. Ou pelo menos… não parece alguém que joga conversa fora.

Será que ele é perigoso?

Provavelmente.

Mas alguma coisa nele me faz querer aceitar. Só pra ver onde isso vai dar.

CATTLEYA ZAREPHINE — Eu… — começo, mas minha voz falha. Respiro fundo. — Depende. Você é do tipo que fala demais no primeiro encontro?

Ele ri. Baixo, rouco, verdadeiro.

E por um segundo, ele fica bonito de um jeito diferente. Um jeito que machuca.

VIKTOR VASILIEV — Não. Eu sou do tipo que observa. Falo pouco. Mas escuto tudo.

Puta merda.

Se ele escutar tudo…

Talvez descubra que eu já tô gostando demais disso.

O restante do turno passa devagar, como se o tempo tivesse grudado nas paredes daquele maldito supermercado.

Mas a culpa não é do tempo.

É dele.

Viktor.

O jeito como ele me olhou. A voz baixa. O convite inesperado.

Eu deveria ter dito “não”. Fechado a porta antes que qualquer sentimento perigoso entrasse.

Mas não disse.

Passei o dia tentando esquecer.

E falhei.

Cada vez que encostava uma caixa na prateleira, lá vinha ele, de novo, na minha mente.

Aquela barba malfeita, os olhos frios — frios como aço, mas havia… um calor escondido ali. Um calor que não combinava com o tipo de homem que ele parecia ser.

E eu odeio isso.

O fato de que ele me causou algo. De que mexeu comigo.

Como se o universo estivesse testando minha força justo quando eu mal consigo me manter de pé.

Quando finalmente acaba o expediente, saio pela porta dos fundos com o corpo dolorido, a cabeça a mil.

E ele está lá.

Encostado num carro preto, de braços cruzados, como se fosse dono da rua.

Como se estivesse esperando por mim o tempo todo.

VIKTOR VASILIEV — Achei que não viria — murmura.

CATTLEYA ZAREPHINE — Achei que você tivesse desistido — retruco, e nem sei de onde veio essa coragem.

Ele sorri. Pouco. Só o suficiente pra me deixar com vontade de ver de novo.

VIKTOR VASILIEV — Nunca fui de desistir fácil.

......................

Viktor Vasiliev

Ela veio.

Porra, ela veio.

Eu tava pronto pra ouvir um “não”.

Pra ver ela passando direto, fingindo que nem me viu.

Mas ali está ela.

Cansada, sim. Mas com aquele olhar firme. Sofrido. Forte.

Ela é diferente.

Tem uma aura de quem sobreviveu a coisa demais.

E ainda assim, escolhe levantar todo dia.

Respeito isso.

Respeito mais do que qualquer outra coisa.

VIKTOR VASILIEV — Tem um lugar aqui perto. Não é cinco estrelas, mas tem café forte — digo.

Ela hesita por dois segundos. Só dois.

CATTLEYA ZAREPHINE — Serve pra mim — responde.

Entramos no carro em silêncio. Não aquele silêncio tenso, mas o que fala mais do que palavras.

Ela olha pela janela. Eu olho pra ela.

Não digo nada.

Porque pela primeira vez…

quero fazer tudo certo.

E isso me assusta pra caralho.

......................

Cattleya Zarephine

O café é pequeno, escondido numa ruela que eu nunca tinha notado, mesmo passando por aqui todos os dias. Tem um cheiro bom — mistura de café moído na hora com pão recém-saído do forno.

A entrada é discreta. As luzes baixas, as mesas de madeira gastas, e uma música instrumental suave tocando de fundo. Nada chique, mas… acolhedor. E estranho o suficiente pra combinar com ele.

Viktor segura a porta pra mim. Não esperava isso. Ele parece o tipo de homem que não segura nem a própria língua.

VIKTOR VASILIEV — Pode escolher a mesa — diz, com aquele sotaque leve e voz firme.

Assinto, apontando pra uma perto da janela. Luz natural sempre me deixa mais à vontade.

Sentamos. Um garçom magro e de cabelo grisalho aparece em segundos. Viktor nem olha o cardápio.

VIKTOR VASILIEV — Dois expressos — diz.

Ele já decidiu por mim. Levanto a sobrancelha.

CATTLEYA ZAREPHINE — E se eu quisesse um capuccino? — provoco.

Ele sorri. De novo aquele sorriso curto, quase preguiçoso.

VIKTOR VASILIEV — Capuccino é pra quem tem tempo pra sentir a espuma. Você parece precisar de algo mais direto.

CATTLEYA ZAREPHINE — Então agora você lê mentes?

VIKTOR VASILIEV — Só rostos.

Fico em silêncio por um instante. Ele não desvia os olhos. Me observa como quem tenta resolver um enigma.

CATTLEYA ZAREPHINE — E o que você vê no meu?

VIKTOR VASILIEV — Alguém que tá segurando o mundo nas costas… mas não quer que ninguém perceba.

Merda.

Desvio o olhar. A resposta dele me acerta no estômago.

O garçom chega com os cafés, me salvando de dizer qualquer coisa. Tomo um gole e quase engasgo com a força do sabor.

CATTLEYA ZAREPHINE — Ok… você venceu. Eu precisava disso.

Ele ri. Um som discreto, mas genuíno. E de novo, por um segundo, esqueço que não deveria estar aqui.

......................

Viktor Vasiliev.

Ela tenta manter a pose, mas os olhos não mentem.

Cattleya é feita de aço e rachaduras. E isso me atrai de um jeito que me fode inteiro.

Cada palavra dela vem com peso. Como se falar custasse energia.

Mas quando sorri — mesmo que por obrigação — o mundo ao redor parece menos cinza.

VIKTOR VASILIEV — Você sempre foi assim? — pergunto.

CATTLEYA ZAREPHINE — Assim como?

VIKTOR VASILIEV — Dura por fora. Brasa por dentro.

Ela solta uma risada curta.

CATTLEYA ZAREPHINE — Você mal me conhece.

VIKTOR VASILIEV — Não preciso de muito. Você anda como quem já lutou contra o próprio passado.

Ela se recosta na cadeira. O café entre as mãos, os dedos finos apertando a porcelana como se fosse a única coisa firme no mundo.

CATTLEYA ZAREPHINE — E você, Viktor? O que você faz da vida? — pergunta, quase casual.

E pronto. O clima muda. Um centímetro. Um grau. Mas eu sinto.

Merda. Essa parte sempre estraga tudo.

VIKTOR VASILIEV — Trabalho com… segurança — digo, vagamente.

Mentira. Metade da verdade. A parte limpa da sujeira.

CATTLEYA ZAREPHINE — Segurança. Hm. Isso explica a cara de quem bate antes de perguntar.

Dou risada. Ela também.

VIKTOR VASILIEV — E você? Sempre sonhou em trabalhar num supermercado?

CATTLEYA ZAREPHINE — Na verdade, eu queria ser bailarina — responde com um sorriso de canto.

Fico surpreso.

VIKTOR VASILIEV — Sério?

CATTLEYA ZAREPHINE — Não. Mas se eu dissesse que sim, talvez você imaginasse isso e ficasse mais impressionado.

Eu rio. E dessa vez, é alto. Ela ri também. E, porra… eu não sei mais se isso é só um café.

Porque tem coisa demais aqui.

Tem tensão. Tem humor. Tem silêncio confortável.

E quando ela encosta o queixo na mão e me olha como se eu fosse mais do que um estranho…

Eu sei que fodi tudo.

Porque quero vê-la de novo.

Quero descobrir se ela dança mesmo que seja só pra si mesma, no escuro de um quarto alugado.

E quero, acima de tudo, que ela nunca descubra o quão fundo vai a minha escuridão.

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Comments

Arlete Fernandes

Arlete Fernandes

Pelo menos ele está conseguindo a atenção dela!

2025-09-22

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