Amor Improvável
A tarde estava insuportavelmente quente para um outono. Alice Santiago, advogada criminalista de renome e mulher que não se dava o luxo de perder audiências nem mesmo gripada, tinha decidido tirar uma rara folga. Estava sozinha em casa, de camisola e cabelos presos num coque torto, sem maquiagem, sem filtro, sem paciência.
Tinha acabado de sair do banho quando ouviu o som da porta da frente se abrindo.
— Davi? — gritou, enrolando a toalha no corpo e caminhando para o corredor.
Sem resposta.
— Davi, se for você, avisa. Tô quase nua! — gritou de novo, só por garantia.
Então, ele apareceu.
Não Davi.
Caio.
Com um sorriso torto, a chave reserva na mão e um olhar entre surpreso e... curioso.
— É... oi, Dona Alice.
Ela parou onde estava, no meio do corredor, ainda pingando.
— Caio?! O que você está fazendo aqui?
— Davi pediu pra eu passar aqui e pegar o notebook dele. Ele esqueceu.
— E você achou que era uma boa ideia entrar na casa dos outros como se fosse delivery de tecnologia?
— Eu bati. Juro. Só... não ouvi resposta.
— Talvez porque eu estava no chuveiro?
— Não vou discutir, tô errado. — Ele ergue as mãos, rindo. — Mas, olha, se serve de consolo... a senhora tá bem.
Alice arqueou uma sobrancelha.
— “A senhora tá bem”? Eu devia te processar por assédio e invasão de domicílio.
— Relaxa, advogada. Eu só vim buscar um notebook, não causar um escândalo. — Ele se virou de costas, respeitoso, mas claramente rindo.
Alice suspirou fundo.
— Espera aqui. Vou me trocar.
Voltou dez minutos depois, agora vestida e com a postura de sempre: altiva, impecável, inatingível. Mas por dentro... algo a incomodava. Talvez a forma como ele tinha olhado para ela. Não de forma vulgar, mas... diferente.
Caio pegou o notebook e se preparou para ir, mas antes de sair, virou-se:
— Sabia que você devia usar o cabelo mais solto assim, às vezes? Fica mais... leve.
— Vai embora, Caio.
— Tô indo. Mas sério... tá bonita hoje.
Ele saiu antes que ela pudesse retrucar.
E Alice ficou ali, no meio da sala, pensando que talvez fazia tempo demais que ninguém a olhava daquele jeito — como se ainda existisse algo nela além de "mãe do Davi" e "doutora Santiago".
Caio
Alice
...----------------...
Alice estava sentada na varanda, cercada pelas suas plantas que ela não cuidava direito, mas insistia em manter vivas. Com uma xícara de café forte e o notebook no colo, revisava um caso de homicídio como quem lia um conto infantil. A concentração era total, até que...
— Vai matar a planta ou o réu primeiro?
Ela levou um susto tão grande que quase derramou o café no teclado.
— Caio?! De novo?!
— Você não tranca essa porta nunca, não? — ele disse, encostado no batente da varanda, com uma sacola na mão.
— Eu... — ela balbuciou, tentando se recompor. — O que você quer agora?
— Café. Davi me deu o endereço errado da cafeteria e acabei vindo parar aqui. Achei que talvez você tivesse algo bebível. — Ele mostrou a sacola. — E trouxe pão de queijo, em sinal de paz.
Alice o encarou com desconfiança.
— Você não tem casa, não?
— Tenho. Mas não tem pão de queijo quentinho e uma advogada brava de cabelos soltos me ameaçando com termos jurídicos.
Ela bufou, mas, por dentro, sentiu o canto da boca ameaçar um sorriso.
— Cinco minutos. Depois você some.
Caio sentou-se na cadeira à frente dela, esticando as pernas como se fosse dono do pedaço.
— Bonita sua varanda. Meio desorganizada, mas tem potencial. Eu faria um deck de madeira aqui. Luz indireta. Talvez um sofá externo com almofadas neutras...
— Arquiteto mesmo quando não é chamado, né?
— É dom, Alice. Não se controla. E você devia usar mais isso aqui, sabia? O mundo já é tenso demais. Você parece uma mulher que esqueceu como relaxa.
Ela ergueu os olhos.
— Tá tentando fazer análise psicológica agora?
— Não. Só tô dizendo que você podia viver mais leve. Tipo... sorrir mais. Você sorrindo deve ser tipo eclipse: raro, mas hipnotizante.
Alice se calou. Por um segundo, ele viu a muralha dela tremer. Mas logo ela reergueu o escudo.
— Você sempre foi assim? Metido, inconveniente e... poético barato?
— Só com quem vale a pena provocar.
Silêncio. Só o som do vento e de uma planta tombando discretamente atrás dela.
Caio se levantou, pegou a planta caída, ajeitou com delicadeza e disse:
— Pronto. Salvei uma vida hoje. Tá vendo? Tô evoluindo.
Alice se esforçou, mas não conseguiu esconder um meio sorriso.
— Sai daqui, Caio.
— Tô indo. Mas amanhã posso trazer croissant. Vai que a doutora me deixa ficar mais de cinco minutos...
E saiu, deixando o perfume leve do pão de queijo e a confusão de uma mulher que não sabia mais o que fazer com um elogio sincero.
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Atualizado até capítulo 77
Comments
elenice ferreira
misericórdia, preciso de penitência, um Apolo/Drool/ em forma de pecado!
2025-06-09
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