Uma Nova Chance
A chuva tamborilava no telhado como dedos nervosos batendo sobre madeira velha. Clara estava no chão frio da cozinha, o rosto marcado por hematomas que pareciam gritar verdades que ela nunca teve coragem de contar. A boca sangrava levemente, mas era o silêncio que mais doía. O silêncio entre uma pancada e outra, entre um grito e a respiração pesada do homem que um dia ela jurou amar.
Júlio, seu marido, estava embriagado mais uma vez. A garrafa de uísque quase vazia tombava sobre a pia enquanto ele praguejava contra o mundo — e principalmente contra ela. Dizia que ela era ingrata, inútil, uma vergonha. Ela não respondia. Sabia que cada palavra dele era uma armadilha, cada olhar uma faísca prestes a explodir.
Naquela noite, porém, Clara sentiu que algo era diferente. A dor já não era a mesma. O corpo doía, sim, mas o espírito… o espírito parecia estar se afastando, como se ela estivesse prestes a se libertar de um corpo preso há anos. Quando caiu, não tentou se levantar. Permaneceu ali, deitada, encarando o teto enquanto a visão se nublava.
"É assim que termina?", ela pensou. "Sem justiça, sem chance de recomeçar?"
A última coisa que viu foi o vulto dele saindo da cozinha, as luzes se apagando lentamente enquanto o mundo silenciava ao seu redor. Então, a escuridão a engoliu por completo.
Mas o que veio depois não foi o nada. Clara abriu os olhos de repente, ofegante, o coração disparado. Estava em um quarto branco, sereno, iluminado por uma luz suave que não vinha de lugar algum. Era como estar dentro de um sonho… ou de si mesma.
Uma voz ecoou.
— Você morreu, Clara.
Ela se sentou, o corpo leve, como se o peso da dor e dos anos tivesse evaporado. Olhou ao redor, confusa.
— Mas ainda há tempo. Você tem uma chance. Uma única oportunidade de refazer tudo. Está preparada para recomeçar?
Ela não respondeu de imediato. Pensou na vida que teve. No casamento que foi promessa e virou prisão. Na mulher que ela foi e que ninguém viu. Respirou fundo.
— Sim, estou.
A luz ficou mais intensa, quase dourada, e então uma esfera flutuante surgiu diante dela. Pequena, metálica, com símbolos estranhos que pulsavam suavemente.
— Este é seu guia. Ele ajudará você nas decisões, revelará caminhos, criará espaços dentro da sua mente onde tudo é possível. Um lugar só seu.
Clara estendeu a mão. Ao tocar a esfera, uma onda de calor a envolveu. E então, com um solavanco, tudo desapareceu.
Ela acordou com o som de sinos. O quarto estava decorado com flores brancas, e ao lado da cama, um vestido de noiva pendurado. Ela se sentou, os olhos arregalados.
Era o quarto do dia do seu casamento com Júlio.
Olhou ao redor, reconhecendo tudo — o espelho rachado no canto, o buquê sobre a cômoda, o celular antigo ainda carregando. Lá fora, vozes animadas celebravam o grande dia.
Ela tremia.
Era verdade. Estava de volta.
Mas desta vez, não seria a noiva submissa, nem a mulher calada. Desta vez, ela não aceitaria a sentença que lhe deram.
O dispositivo flutuava ao seu lado, invisível para os outros, mas perfeitamente claro para ela. Pulsava suavemente, como um coração mágico.
E Clara sorriu. Pela primeira vez em anos, sorriu de verdade.
— Vamos mudar essa história.
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Atualizado até capítulo 41
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